• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Contratante e contratado para fazer fake news respondem criminalmente, assevera juiz Lídio Modesto


Rafaela Maximiano - Da Redação

A entrevista desta semana aborda o tema propaganda eleitoral, que além de ser um assunto que sempre dispensa muita atenção durante as eleições, teve regras alteradas com a reforma eleitoral de 2019 e viverá um novo momento com as eleições municipais de 2020 onde as novidades digitais abrem espaço também para problemas como as notícias falsas.

O entrevistado do FocoCidade é o juiz auxiliar da presidência do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), Lídio Modesto da Silva Filho, que possui ampla experiência com o assunto e na Justiça Eleitoral. Já atuou como juiz eleitoral de primeira instância e no TRE-MT em diversas frentes – juiz membro, ouvidor eleitoral, diretor da Escola Judiciária Eleitoral e juiz auxiliar da presidência. 

Ele acaba de publicar a segunda edição do livroPropaganda Eleitoral”, que traz novidades ao cenário como o tópico Crowdfunding, as chamadas ‘vaquinhas virtuais’. Na entrevista, Lídio Modesto também fala do entendimento jurídico sobre fake news - sendo criminalizado, pontuando que além de multa os responsáveis podem ser presos; propaganda eleitoral em rádio, televisão e internet, liberdade de expressão, propaganda na véspera e no dia da eleição, além de direito de resposta.

Confira a entrevista na íntegra:

Primeiramente, parabéns pela publicação, o senhor podia falar um pouco da elaboração do livro “Propaganda Eleitoral”, cuja segunda edição acaba de ser lançada pela Juruá Editora?

Eu agradeço a oportunidade de poder falar dessa obra que já é referência em todo o país. Eu começo o livro fazendo um apanhado da história da propaganda desde a idade antiga até chegarmos na propaganda eleitoral para a Justiça. Servindo como consulta para o próprio candidato, advogados, estudantes, jornalistas que precisam ter uma visão holística de diversos assuntos e a população em geral. Além de ser a única publicação que traz a reforma da legislação eleitoral de 2019, e em sua primeira edição citada em decisões judiciais do Tribunal Superior Eleitoral pelo ministro Luiz Fux e ajudou a disciplinar como deveria ser a pré-campanha eleitoral no Brasil. Uma das questões mais sensíveis do processo eleitoral como um todo é a propaganda eleitoral, por isso escolhi o tema para o livro, tendo em vista que ela abrange toda a sociedade, não somente o candidato. Por isso trabalhei questões atuais e do dia a dia das pessoas como as fake news e outros.

Vale ressaltar que hoje a Justiça Eleitoral tem condições de fiscalizar a propaganda eleitoral muito bem inclusive nas redes sociais, rastrear e identificar as pessoas que fazem as fakes.

As próximas eleições de Mato Grosso acontecem em um momento bastante conturbado. Não bastasse a pandemia do novo coronavírus existem as fake news e também pela internet pessoas e grupos anônimos utilizando robôs, disparos, para contribuir com a desinformação. Como fica a propaganda eleitoral nesse cenário das campanhas de ódio, de difamação e de desinformação durante as eleições municipais?

Hoje as fake news são um desserviço que se prega não somente no Brasil. Teve início nos Estados Unidos na época da eleição do presidente Barack Obama, depois tivemos uma evolução dessas fakes com os vídeos falsos, onde você vê vídeos que acreditamos ser a pessoa realmente que está falando, mas não é. Se trata de inteligência artificial. No livro eu abordo que não somente o contratante para fazer as fake news como o contratado respondem criminalmente. Então, quem paga para lançar uma notícia inverídica ou criminosa, vai pagar uma multa e também paga com a privação da sua liberdade. Quem constrói as fake news utilizando as ferramentas tecnológicas também com pena pecuniária e privativa da liberdade. Vale ressaltar que hoje a Justiça Eleitoral tem condições de fiscalizar a propaganda eleitoral muito bem inclusive nas redes sociais, rastrear e identificar as pessoas que fazem as fakes. Inclusive o Tribunal realizou reuniões aqui em Mato Grosso com representantes de empresas internacionais como a Google, o Facebook e o Twitter, com o objetivo de rastrear essas pessoas que vem disseminando a desinformação. Vale destacar que o eleitor é livre para falar o que quiser nas redes sociais, ele só não pode cometer crimes eleitorais ou crimes que firam a personalidade dos envolvidos, pois também pode responder criminalmente por isso.

Ano passado, a legislação eleitoral passou por reforma, ela alterou as regras da propaganda eleitoral já conhecidas. Essas alterações ajudarão a Justiça nesse novo modelo de campanha de eleitoral que iremos vivenciar nas próximas eleições?

Sim, a reforma irá ajudar. A Justiça Eleitoral tem uma característica peculiar, porque a legislação eleitoral é muito dinâmica, de acordo com o que ocorre ao seu redor e ela busca se atualizar. Por isso que a cada eleição são editadas novas regras específicas, dentre elas a resolução 1610/2019 que trata especificamente de propaganda eleitoral.

Quando se fala em pré-campanha o que é permitido no âmbito da propaganda eleitoral? Quando se tornam propaganda extemporânea?

A lei brasileira estabelece um marco inicial da propaganda eleitoral que é quando se inicia também a campanha eleitoral propriamente dita, que é no dia 5 de agosto do ano eleitoral. Portanto, no dia 6 de agosto é possível fazer propaganda eleitoral. E a legislação abarca inúmeras possibilidades e formas de se fazer essa propaganda: propaganda escrita, de rua, sonora, de internet, comícios, showmícios, passeatas, carreatas, entre outras. E, antes disso estabeleceu-se que poderia ser feito a pré-campanha eleitoral, mas não se estabelece quando começa. Existe um consenso doutrinário que fala no dia 1º de janeiro do ano da eleição. Então estamos em uma fase de pré-campanha eleitoral e as pessoas que querem concorrer a um cargo público elas podem lançar de inúmeras situações que não sejam propaganda eleitoral. Elas não podem distribuir santinhos, pedir voto, utilizar bandeiras, não podem fazer comícios, não podem fazer propaganda em mídia escrita ou falada, fazer pesquisa eleitoral, mas ela pode, por exemplo, participar de uma live, dar entrevista e dizer que é pré-candidato, falar das suas qualidades, fazer críticas, dizer para que veio, pode inclusive criticar negativamente o ocupante do cargo que ele almeja disputar desde que não pratique crime. Pode ter blogs, editoriais de seus próprios blogs, contas em mídias sociais. Pois ele só será candidato após ser submetido ao crivo da agremiação partidária e então efetua o seu registro e recebe o deferimento pelo Tribunal.

Penso que o que será vedado pela Justiça Eleitoral as passeatas e comícios por causa das aglomerações de pessoas.

O senhor acredita que haverá alteração na data de início de campanha e da eleição no país? E quais as modalidades de propaganda eleitoral que o senhor acha que irão prevalecer nesse período de pandemia que vivemos.

Caso haja alteração na data de 6 de agosto para iniciar a campanha eleitoral e na data da eleição, a qual está prevista na Constituição para o primeiro domingo de outubro do ano que haverá eleição, é preciso que o TSE edite uma norma que mude as datas e uma Emenda Constitucional para mudar a data da eleição mobilizando assim todo o Congresso Nacional. Pode acontecer sim. Acredito que a propaganda eleitoral nas ruas seja feita apenas por veículos sonoros, bandeiras acredito que será possível porque aí se mantém a distância mínima prevista e todos com máscaras. Além das mídias sociais, propaganda gratuita no horário eleitoral, de rádio e televisão, naqueles horários pré-determinados pela Justiça Eleitoral. Penso que o que será vedado pela Justiça Eleitoral as passeatas e comícios por causa das aglomerações de pessoas.

Já se tem o Fundo Partidário que são recursos na ordem de R$ 1 bilhão, se formos somando vê-se que a cifra é estratosférica.

Muitos políticos já falam nas “vaquinhas virtuais”. Como será tratado o financiamento das campanhas eleitorais?

Existem fontes pré-determinadas para o candidato auferir esse recurso. E, o fim da possibilidade do financiamento de campanha por parte de empresas, fez com que os partidos políticos e os políticos voltassem seus olhos para os recursos públicos e foi criado um Fundo, que divide opiniões, pois são destinados quase R$ 3 bilhões para se fazer campanha política. Já se tem o Fundo Partidário que são recursos na ordem de R$ 1 bilhão, se formos somando vê-se que a cifra é estratosférica. Existem também os recursos das renúncias fiscais, porque a propaganda eleitoral gratuita na televisão e no rádio é gratuita somente para o partido político, o Estado que é o concessionário da rádio e da TV deixa de arrecadar o recurso da empresa audiovisual, que também é na ordem de R$ 1 bilhão. Agora existe o financiamento de campanha pelos eleitores, a pessoa que simpatiza pelo ideal político do partido pode doar. Existe uma limitação de doação que é de 10% daquilo que ele recebeu no ano anterior declarado no imposto de renda. Existe um teto, mas ele também pode fazer doações diárias para partidos e candidatos diferentes até o teto de R$ 1.064,00. Todos esses recursos só podem ser gastos na campanha eleitoral. Após o registro do candidato e da conta oficial da campanha. E existe ainda a possibilidade da “vaquinha eleitoral” ou o “crowdfunding” que é a novidade. Ocorrem quando algumas empresas se cadastram na Justiça Eleitoral e elas passam a intermediar as doações e a entrega de dinheiro para partidos políticos ou candidatos mesmo em pré-campanha. Mas caso o candidato que está arrecadando não for escolhido nas convenções o dinheiro tem que ser devolvido para cada doador. Então esse mecanismo é muito sério. As pessoas que doam recebem um comprovante de doação, e se o candidato não for escolhido automaticamente a empresa cadastrada responsável devolve esse dinheiro. Também temos a novidade do autofinanciamento de campanha, que antigamente era livre. O candidato pode bancar a totalidade da sua campanha eleitoral. Antes o teto era 10% do que ele declarou em seu imposto de renda, agora o teto é de 10% do valor declarado para o cargo, o que torna a igualdade da disputa mais igualitária. 

É importante saber que as multas mais caras nesses casos são para os veículos de comunicação: televisões, rádios, sites, que chegam a R$ 110 mil reais.

O que muda na propaganda eleitoral nas rádios e TVs para as eleições municipais deste ano?

Não teve alterações nestes casos. Para cargos em eleições gerais existem dias pré-determinados da semana e para eleições municipais são outros dias.  São 10 minutos para cada janela eleitoral, sendo dias distintos para cada cargo, 3 vezes por dia. O cargo mais prejudicado nessa propaganda é o cargo de vereador, o qual não tem tempo para aparecer com inserções nessa janela de 10 minutos das emissoras de rádio e TV.

E no caso da propaganda eleitoral na véspera e no dia da eleição, o que é permitido e o que é proibido?

O TSE fiscaliza e os próprios eleitores se tornaram verdadeiros fiscais da Justiça Eleitoral. Assim como os partidos políticos se denunciam. A propaganda eleitoral só pode ser feita até a véspera da eleição; comícios, distribuição de material gráfico e passeatas. As demais propagandas cessam na antevéspera. A propaganda na internet tem um campo mais livre para ser feito, porém no dia da eleição não pode haver, inclusive pesquisa eleitoral. Na véspera da eleição por exemplo, o candidato pode publicar propaganda eleitoral nas redes sociais dele, não há necessidade de retirá-la no domingo da eleição. O que não pode é no dia da eleição postar a propaganda ou pedir voto. A fiscalização estará atenta a este aspecto. Inclusive os jornais e mídias online, no dia das eleições precisam retirar as propagandas. É importante saber que as multas mais caras nesses casos são para os veículos de comunicação: televisões, rádios, sites, que chegam a R$ 110 mil reais.

Os candidatos são alvo de críticas muito ácidas, satíricas, e isso não é problema para a Justiça Eleitoral.

Existem outros itens que permeiam a propaganda eleitoral como: o poder religioso, a liberdade de expressão, questões que sempre são polêmicas nas eleições. As regras mudaram para a utilização como serão abordados nesta eleição?

O direito à liberdade de expressão é irrestrito pela nossa Constituição desde que ele não fira direitos de outrem, sobretudo os direitos de personalidade, causando injúria e difamação. Isso é crime, não pode. O cidadão tem o direito de falar o que quiser, é livre, e na seara eleitoral aguça um pouco essa situação que chego a afirmar que a política é para poucos e não para todos. Pessoas mais sensíveis não podem participar, a partir do momento que você entra em uma disputa eleitoral você expõe suas “vísceras”, expõe suas qualidades e defeitos. Os candidatos são alvo de críticas muito ácidas, satíricas, e isso não é problema para a Justiça Eleitoral. Existem certos abusos que não podem ser cometidos, inclusive abusos muito graves, como por exemplo o uso de veículos e comunicação. Quem detém a possibilidade de estar sempre na mídia deve usá-la com parcimônia sob pena de ferir o direito igualitário de exposição na mídia. Existe o abuso do poder político. Quem ocupa um cargo público e utiliza desse cargo para fazer propaganda eleitoral, muitas vezes travestida de propaganda do governo (institucional), caso comprovado, torna a pessoa inapta à disputa eleitoral. Mas está crescendo a situação do abuso do poder religioso, que ainda não tem previsão legal, mas já está sendo construída. A pessoa busca uma instituição religiosa porque precisa por exemplo, de conforto espiritual e se depara com o líder religioso colocando um candidato como melhor. Lembrando que quase todas as agremiações religiosas hoje em dia são detentoras de algum veículo de comunicação, e junto com o abuso religioso pode vir a cometer o abuso do poder dos veículos de comunicação. Há uma proibição nesse sentido onde caracterizado esse crime a pessoa candidata será cassada e se tiver sido eleita, terá seu mandato cassado. Isto não quer dizer que essas instituições não possam fazer debates e até levar os candidatos em reunião, o que não pode é ter um eleito pela agremiação religiosa e ser enaltecido como melhor candidato. Isso precisa ser observado pelo eleitor: quem é quem, quando precisa ser alguém.

Nessas eleições municipais nós vamos escolher as pessoas que vão estar com a chave do cofre dos municípios mato-grossenses.

Quando um candidato quiser um direito de resposta ele deverá solicitar ao TRE?

Depende de qual eleição é mas é preciso distinguir o direito de resposta comum e o direito de resposta específico. Para as mídias sociais por exemplo, com todas as características que lhe são peculiares: se foi colocado no twitter, deve ser respondido pelo twitter, se foi no facebook, deve ser respondido no facebook. No mesmo tamanho, tempo e forma. Há um direito de resposta garantido também na internet e nas mídias sociais. Sentindo-se violado, da mesma forma que pode ser feito em público com palavras ou por mídia escrita ou na televisão, o prejudicado pode ingressar com medida judicial para ser indenizado moralmente, por exemplo.

O senhor gostaria de fazer alguma consideração final?

Gostaria de falar que neste momento que estamos vivenciando, embora estejamos em casa, os eleitores mato-grossenses continuem atentos naquelas pessoas que estão se colocando à disposição para disputar a eleição deste ano de 2020 porque é uma eleição muito importante. Nessas eleições municipais nós vamos escolher as pessoas que vão estar com a chave do cofre dos municípios mato-grossenses. Temos uma novidade: uma ação que se alongava desde o ano de 2000, e felizmente teve um fim na última semana pelo TRE onde foi criado mais um município em Mato Grosso, portanto passamos a ter mais um município para ter disputa eleitoral neste ano, que é o município de Boa Esperança do Norte, e vai ser agraciado com a sua primeira eleição municipal. E, qualquer que seja a data, o dia, peço que o eleitor mato-grossense participe. É uma festa democrática, cívica, que é de nossa responsabilidade escolhermos quem melhor vai gerir a coisa pública nos próximos quatro anos. Agradeço também a oportunidade de divulgar o meu livro que pode ser adquirido nas livrarias e também pela Editora Juruá e poder falar desse assunto que gosto muito que é a propaganda eleitoral.




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