• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Temos que lembrar que alguém tem que pagar a conta, assevera Marlon Reis


Foto: PGE-TO / Divulgação  - Foto: Foto: PGE-TO / Divulgação Marlon Reis - advogado - referência no combate à corrupção eleitoral no Brasil
Sonia Fiori – Da Editoria

O ex-juiz de Direito, advogado, Marlon Reis – um dos idealizadores e redadores da Lei da Ficha Limpa – e que se tornou referência no combate à corrupção eleitoral, Marlon Reis, é o entrevistado especial do FocoCidade.

Em período de pandemia de coronavírus, e defesas sobre eventual destinação dos Fundos Eleitoral e Partidário à plataforma de apoio no combate ao Covid-19 – Marlon Reis acentua o tom de alerta acerca do tema – considerando a possibilidade mas desde que “resguardada” reserva às campanhas eleitorais.

Reis comenta decisão ocorrida na última terça-feira (7) do juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal do Distrito Federal, determinando que recursos da União para o fundo eleitoral e ao fundo partidário fossem destinados à saúde – no combate ao Covid-19. A análise do advogado ocorreu antes de o TRF1 derrubar a referida decisão.     

O advogado, que em 2018 disputou o cargo de governador no Tocantins pelo REDE, acentua posição negativa em relação ao movimento político – leia-se no Congresso, sobre a “unificação das eleições” – assinalando o ambiente de prorrogação – dependendo necessariamente dos reflexos do coronavírus.  

Nesta entrevista, entre vários tópicos, Marlon Reis é enfático: “eu considero essa medida, a unificação das eleições, completamente absurda e impensável porque ela representa um grave risco para a nossa democracia, empobrece o processo eleitoral, torna inviável a gestão do processo eleitoral, além de atentar contra a Constituição Federal, que estabeleceu outro disciplinamento para matéria completamente diferente”.

Confira a entrevista na íntegra:

No cenário da pandemia do coronavírus – aumentam as vozes de políticos que defendem a unificação das eleições – sustentando os riscos à saúde em razão de eventual aglomeração de pessoas. O senhor em recente análise considerou a proposta como “absurda”. Por quê?

Eu considero essa medida, a unificação das eleições, completamente absurda e impensável porque ela representa um grave risco para a nossa democracia, empobrece o processo eleitoral, torna inviável a gestão do processo eleitoral, além de atentar contra a Constituição Federal, que estabeleceu outro disciplinamento para matéria completamente diferente.

Não é uma novidade, é uma vontade antiga de determinados setores que pode ser explicada pela facilidade de manobra do processo eleitoral.

O senhor considerou inclusive que alguns “desejam tirar proveito desse momento de crise humanitária para a condução dessa ideia oportunista”. Mas por outro lado, há quem defenda que a unificação das eleições pode reduzir os custos à Justiça Eleitoral. Mesmo assim, essa proposta deve ser totalmente desprezada?

Essa proposta, ela já vem sendo apresentada há um bom tempo, nunca teve clima para aprovação, para o aumento do número de apoiadores e por isso que eu digo que é muito oportunismo apresentá-la agora. Não é uma novidade, é uma vontade antiga de determinados setores que pode ser explicada pela facilidade de manobra do processo eleitoral, de obtenção de resultados inidôneos, quando é feito esse somatório de processos eleitorais. Então é por isso que eu digo que se trata de algo defendido de forma oportunista, num momento em que a sociedade brasileira não tem condições de debater o assunto, o Congresso não tem condições de debater de forma aprofundada e vem, portanto, em péssima hora e eu considero mais do que isso, eu digo que é uma afronta de natureza humanitária, de natureza humanista, uma afronta ao humanismo a apresentação dessa sugestão nesse momento.

Mas é válida a ideia da prorrogação das eleições 2020 – num campo de avanço do coronavírus?

Claro, é possível que dependendo das circunstâncias concretas, haja a necessidade de se adiar o processo eleitoral. Mas ninguém considera necessário mais do que um adiamento para dezembro, porque mesmo os mais negativistas, mesmo os mais pessimistas, creem que em agosto, no mais tardar no começo de setembro a situação já estará normalizada. Então o adiamento para novembro ou para dezembro será mais do que suficiente, mesmo que no cenário mais negativo.

Veja, eu estou falando não de uma emenda que promova a abolição do voto periódico, claro isso seria impensável, porque corresponderia a instituir uma Ditadura.

Um ponto alertado pelo senhor – ainda em relação à possibilidade de ampliação de mandato, se dá na necessidade de ser aprovada Proposta de Emenda à Constituição. Na sua interpretação, esse ambiente poderia prosperar no atual quadro no Congresso – somando-se interesses políticos?

Eu espero que não seja possível a formação de uma grande maioria no Congresso necessária para aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição, e que a sociedade se mobilize e fale contra isso para impedir que essa maioria seja alcançada. Infelizmente alguns parlamentares de forças diferentes já tem defendido essa proposta absurda, mas para se ampliar o mandato, estabelecer o mandato tampão, algo que não existe no Brasil desde a época da Ditadura, seria preciso forçosamente uma maioria de três quintos, no mínimo, por conta justamente da necessidade de alterar os incisos I e II do artigo 29 da Constituição Federal. Além disso eu afirmo que essa Proposta de Emenda, ela também seria inconstitucional, porque ela ofende o artigo 60, parágrafo 4º, inciso 2º da Constituição Federal que coloca o voto periódico como um direito fundamental insuscetível de emenda tendente a sua abolição. Veja, eu estou falando não de uma emenda que promova a abolição do voto periódico, claro isso seria impensável, porque corresponderia a instituir uma Ditadura. Mas a Constituição vai além, ela proíbe qualquer emenda tendente a diminuir o exercício desse direito, quando se projeta para um prazo além daquele que havia sido inicialmente definido, se está ferindo a periodicidade do voto. Além do mais se cria um precedente perigosíssimo que daria ao Congresso a possibilidade de estender ou diminuir mandatos de pessoas de acordo com sua própria vontade. Um mandatário poderoso no Congresso Nacional poderia conseguir aprovação de uma Emenda à Constituição, talvez com liberação de emendas, ou então o oposto, uma pessoa, um presidente que tivesse pouca aceitação no Congresso Nacional poderia ter o seu mandato diminuído. Então tudo isso mostra que nós estamos diante de uma Cláusula Pétrea, não se pode alterar a duração dos mandatos em curso e por isso mesmo afirmo também que não se pode alterar a incoincidência atualmente prevista na Constituição entre as eleições municipais e as eleições gerais.

O senhor pontuou: “o debate político nas eleições municipais, por outro lado, é essencialmente distinto daquele travado nas eleições gerais”. Significa dizer que o eleitor, de forma geral, não está preparado para um debate ampliado?

Não é que o eleitor não esteja preparado, ninguém está, as Instituições não estão. Vamos imaginar o seguinte cenário: ‘como seriam os tempos, a distribuição da apresentação das candidaturas no tempo de televisão e rádio’. Seria possível que alguém conseguisse minimamente compreender as propostas de candidatos a vereador, prefeito, deputado estadual, federal, senador, governador e presidente da República? Esse é um cenário que empobrece e inviabiliza o debate. Além do mais, nas eleições municipais, as discussões que são tratadas são sobre aspectos muito relacionados a cada localidade, as particularidades ambientais, culturais, sociais de cada lugar, definem o debate político. Já nas eleições para Governo, especialmente nas eleições para a presidência, nós estamos diante de grandes linhas de pensamento, de ondas ainda mais ideológicas. Então nós vamos misturar tudo isso num só cenário de debate, empobrecendo obrigatoriamente algo que deve permanecer com os contornos atuais onde pelo menos é possível um debate mais aprofundado.

O senhor também assinalou a possibilidade, de se unificada as eleições, vir a ocorrer “a extinção da Justiça Eleitoral” – assinalando que ações eleitorais por compra de votos ou por caixa 2 poderiam “cair na vala comum do Judiciário” – e “gerando grande onda de impunidade”. É um ambiente temeroso do ponto de vista de risco de se tornar realidade?

Esse é um alerta que eu faço, porque se nós tivermos eleições somente a cada quatro anos, ou até a cada cinco anos como está sendo proposto pelo deputado Aécio Neves, o que é muito curioso, diga-se de passagem, nós perderemos a justificativa para a manutenção de uma Instituição tão grande e que demanda um investimento alto do Poder Público, do orçamento da União. Então, não faltarão algozes e detratores para a Justiça Eleitoral se passar essa ideia de que as eleições tem de ser de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos, porque vai se argumentar que não há razão para manter essa Instituição funcionando por tanto tempo até que haja uma nova eleição, e com isso os processos serão levados a julgamento pela Justiça comum onde nós sabemos como as coisas se dão, não por culpa dos juízes mas de todo um sistema, os processos as vezes levam décadas para serem julgados. É isso que nós queremos para os nossos processos eleitorais? 

É bom lembrar que esse fundo substituiu o dinheiro que chegava das empreiteiras em escândalos como o da Lava Jato.

Os recursos do Fundo Partidário devem, na sua leitura, ser canalizados às ações de combate ao Covid-19?

Eu acho que todos os recursos devem ser canalizados para o combate ao coronavírus. Acho que poderia se retirar parte significativa, quem sabe metade do valor destinado a esse fundo para o combate ao coronavírus. O caso é que precisa sim haver algum recurso para financiar as eleições, mas não precisa ser o montante atual. Eu dei um exemplo de metade, mas as eleições poderiam ser conduzidas com bem menos do que a metade dos valores atualmente destinados ao Fundo. O que encarece as eleições é justamente a prática de atos ilegais que sobrevivem, a necessidade de pagamento a líderes locais em troca do seu apoio e a necessidade da compra do voto. Se houve uma ação mais específica contra esses dois fatores, o preço das eleições cai de forma impressionante.

Na terça-feira (7) – conforme publicação do Correio Braziliense, “uma decisão do juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal do Distrito Federal, determina que os repasses da União para o fundo eleitoral e ao fundo partidário sejam bloqueados e os recursos usados para combater a epidemia de coronavírus. Em sua decisão, o magistrado afirma que manter os recursos à disposição de partidos políticos no cenário de pandemia fere a moralidade pública”. Como avalia essa decisão?  

Sendo coerente com a resposta anteriormente oferecida, eu devo dizer que eu creio que melhor do que impedir a utilização de qualquer valor do Fundo para as eleições, o correto seria diminuir muito, drasticamente esse valor, mas manter algo para bancar as eleições. É bom lembrar que esse fundo substituiu o dinheiro que chegava das empreiteiras em escândalos como o da Lava Jato, por isso que é necessário o mínimo recurso para que haja possibilidade de as campanhas serem realizadas sem nenhum tipo de desculpa para a necessidade de se apelar a recursos de origem ilícita. Mas eu creio que o correto é destinar grande parte do valor, mas manter algo no Fundo para financiar de maneira básica o processo eleitoral.

Considerações.

E ainda complementando a resposta anterior, o cenário ideal a meu ver, seria de uma sociedade que financia os seus políticos, confia nos líderes e está disposta a fazer doações ainda que pequenas, para que seus líderes possam fazer suas campanhas. Quem sabe esse episódio nos ajuda a aprender isso? Porque nós temos que lembrar que alguém tem que pagar a conta. Antigamente eram as empreiteiras, hoje é um fundo público. Quando nós retirarmos um fundo público, ou os eleitores assumem isso e passam a financiar a campanha de quem eles acreditam, ou então nós teremos uma volta do crime organizado bancando os processos eleitorais. 




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