• Cuiabá, 24 de Agosto - 2025 00:00:00

DECISÃO DE PERRI NA ÍNTEGRA


Confira na íntegra a decisão do desembargador do Tribunal de Justiça, Orlando Perri, que determinou prisão preventiva de secretários de Estado e outros supostos envolvidos nos grampos ilegais, nesta quarta-feira (27).

Integra da decisão:

REPRESENTAÇÃO PELA DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA E PELA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO N. 121010/2017 [APRESENTADA NOS AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL N. 87132/2017]

REPRESENTANTE: ANA CRISTINA FELDNER, DELEGADA DE POLÍCIA

 

Vistos, etc.

Cuida-se de Representação apresentada por Ana Cristina Feldner, autoridade policial responsável pela condução, dentre outras, das investigações no Inquérito Policial n. 87132/2017, no qual representam pela decretação de prisão preventiva de diversos investigados, assim como pela expedição de mandados de busca e apreensões e conduções coercitivas.

Eis a síntese do necessário.

Decido.

A despeito da ausência de prévia manifestação ministerial, convém salientar que, nos termos do art. 311 do CPP:

Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Não desconheço o entendimento doutrinário – capitaneado, dentre outros, por Odone Sanguiné – que sustenta a imprescindibilidade da prévia manifestação ministerial, em se tratando de representação por parte da autoridade policial.

No entanto, sem embargo do respeitável posicionamento sufragado pelo conspícuo doutrinador, a norma é clara quanto à possibilidade de a autoridade policial representar pela prisão preventiva.

O que a lei veda, peremptoriamente, é a decretação da prisão preventiva de ofício, durante a fase inquisitorial.

Ainda que a autoridade policial não figure como “parte” no processo penal, e, portanto, não possa exercer o duplo grau de jurisdição, a lei confere a ela o poder de, diretamente, representar pela prisão preventiva, quando entender presentes os pressupostos que a autorizem.

Nesse sentido é o posicionamento de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:

“A prisão pode ser também provocada por representação policial e é comum que seja assim. ‘Representação’, como já dito antes, trata-se de uma exposição de motivos, ainda que sucinta, na qual a autoridade indicará as razões que justificam a medida. Apenas não se utiliza a expressão ‘requerimento’ em virtude de que a autoridade policial não atua no processo crime, exercendo apenas função (relevante) no âmbito administrativo. Tanto que, indeferido o requerimento de prisão preventiva, a parte que o requereu poderá se valer do recurso em sentido estrito para reforma da decisão (art. 581, inc. V, do CPP), possibilidade que não se defere ao delegado de polícia, na hipótese de não acolhimento de sua representação” [Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos. Salvador: Editora Juspodivm, 2017, p. 831/832].

Ainda que se venha a alegar a imprescindibilidade de prévia manifestação ministerial, acerca da representação apresentada pela autoridade policial, porquanto uma de suas funções institucionais é o exercício do controle externo da atividade policial, certo é que, no caso em apreço, em razão da sua excepcionalidade e urgência, o conhecimento ao órgão de acusação – e sua manifestação – será diferida por duas razões concretas.

A primeira delas, e talvez a mais óbvia, é no sentido de assegurar sigilo total e absoluto das diligências, sobretudo em face de possível envolvimento de promotor[es] de justiça na organização criminosa.

De acordo com depoimento prestado pela testemunha Ten.-Cel. Soares, ao que parece, não cuidava de um único membro do Ministério Público Estadual, e, sim, que haveria um “grupo do Ministério Público” interessado em meu afastamento das investigações.

Por esta razão, as próprias autoridades policiais pleitearam, em sua representação, a manifestação postergada do órgão ministerial, sob o argumento de não possuir, ainda, nome de todos “os membros cooptados pela ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”, cujo requerimento reputo, no caso em apreço, de todo plausível.

O segundo ponto, e não menos importante, refere-se ao fato de que o Ministério Público Estadual tem levado em média sete dias para se manifestar sobre pedidos deste jaez, o que, no caso concreto, em razão de sua urgência, poderá prejudicar o cumprimento das diligências, colocando em risco, inclusive, a integridade física e moral da testemunha José Henrique Costa Soares, como também a do seu filho, também ameaçado por membro da organização criminosa.

Ademais, conquanto importante e necessária a manifestação do Ministério Público na análise de medidas cautelares reclamadas pela autoridade policial, certo é que não há nulidade alguma em se colher a manifestação ministerial a posteriori, em razão das peculiaridades do caso concreto, especialmente quando houver circunstâncias excepcionais que imprimam urgência no deferimento delas, como no caso concreto, onde a sobredita testemunha e seu filho se encontram em risco real de vida.

Depois, qualquer que seja o parecer, o juiz não se vincula a ele, tendo a liberdade de acolhê-lo ou refutá-lo livremente, conforme escólio de Eduardo Luiz Santos Cabette: 

“Afirmar que o Juiz fica adstrito à manifestação ministerial em caso de pedido de cautelares mediante representação da Autoridade Policial equivale a manietar a atuação do Judiciário, aí sim, afetando gravemente o Sistema Acusatório. Ora, se, por exemplo, em matéria de provas, o Juiz não fica vinculado ao laudo pericial (artigo 182, CPP), mesmo sendo o perito detentor de conhecimentos que o magistrado não tem, o que dizer da questão da manifestação ministerial, versando sobre matéria de Direito na qual tanto Promotor, como Juiz ou Delegado de Polícia são pessoas com a mesma formação técnica? Por que o magistrado deveria ficar adstrito à manifestação ministerial? Se ele não fica preso ao laudo do perito, que detém conhecimentos estranhos ao Bacharel em Direito, é porque caso contrário o mister de julgar acabaria sendo passado sub-repticiamente aos peritos. O mesmo acontecerá se prosperar o entendimento de que o julgador fica atrelado ao parecer (mero parecer, simples opinião não dotada de carga decisória) do Ministério Público. Afinal, quem deve julgar, quem deve decidir, o Promotor ou o Juiz? Onde ficaria nesse quadro a característica da jurisdicionalidade das cautelares? Na verdade o magistrado se tornaria um ‘carimbador maluco’, homologador despersonalizado das ‘decisões’ do Ministério Público e, neste caso, seria um ator absolutamente dispensável ao menos no bojo do procedimento cautelar.  Como ficaria o Sistema Acusatório a partir do momento em que o titular da ação penal, justamente por isso, passasse a dar todas as cartas quanto às medidas cautelares, já que sua mera opinião, na verdade se transmudaria em manifestação com carga decisória a atrelar o suposto julgador?

A adoção de uma teoria ou solução para determinado problema deve passar também por suas consequências, as quais devem ser aferidas em seus reflexos práticos, de modo a evitar que a exacerbação ou aplicação indevida de uma garantia ou princípio acabe prejudicando a promoção de seu emprego razoável e proporcional (‘Princípio da Consequencialidade’). Admitir que o Juiz não possa deferir cautelares por representação direta da Autoridade Policial porque somente com o aval do Ministério Público isso pode ocorrer, justamente pelo fato de este ser o titular da ação penal e ser o único com legitimidade para aferir se haverá ou não ação penal, levaria, por via de consequência a deslegitimar também a avaliação judicial quanto ao cabimento ou não de uma ação penal. Será que o Juiz não poderia mais rejeitar uma denúncia? Não poderia mais indeferir uma cautelar encampada pelo Ministério Público partindo da Autoridade Policial ou requerida diretamente por aquele? Ora, se é o Ministério Público quem dá a palavra final sobre o futuro Processo Penal, sendo defeso ao magistrado qualquer atuação que o contrarie, tudo isso é consequência natural.

Também é descabido afirmar que a atuação da Autoridade Policial no Inquérito deve reduzir-se a coletar informes para o Ministério Público (polo acusador). Isso é, infelizmente, um dos reflexos do pauperismo ou indigência do estudo do Inquérito Policial no Brasil.  Essa falta de conhecimento acerca da real abrangência da investigação criminal é responsável por uma visão deturpada porque reducionista e parcial desse importante instrumento da persecução criminal. O Inquérito Policial não é e jamais será instrumento a serviço do Ministério Público ou do Querelante somente, mas sim da busca da verdade processualmente possível de forma imparcial, dentro da legalidade. O Delegado de Polícia não deve produzir ou colher provas e indícios somente voltados para a acusação, mas sim de forma genérica, primando pela total apuração dos fatos, venha isso a beneficiar a defesa do suspeito ou a incriminá-lo. E se os estudiosos nacionais costumam descurar do devido estudo da investigação criminal, apresentando normalmente uma visão simplista do Inquérito Policial, Roxin afirma que ‘a instrução preliminar deve estruturar-se de forma a possibilitar não somente a comprovação de culpabilidade do imputado, mas também a exoneração do inocente’. Nesse passo, por mais que se considere a atuação escorreita dos membros do Ministério Público, primando por uma posição de fiscalização da legalidade (aliás, uma de suas funções institucionais), não é desejável que todo o poder de decisão acerca do cabimento ou não de uma cautelar fique concentrado nesse órgão que, quer se queira ou não, atuará eventualmente no polo acusador do futuro processo. Vedar a representação pela Autoridade Policial (uma Autoridade que pode e deve ser imparcial, exatamente porque jamais postulará ou sustentará defesa ou acusação em juízo) ou mesmo condicionar sua validade ao parecer ministerial é, isso sim, violar não somente o Sistema Acusatório, mas também de um só roldão a ampla defesa e a isonomia processual. É justamente o fato de ser o Ministério Público o titular da ação penal pública que indica que sua atuação deve ser sempre opinativa ou de requerimento e jamais deve subordinar de qualquer forma (positiva ou negativa) a decisão judicial. Aliás, ‘decisão’ é somente a Judicial, cabe ao Ministério Público e demais atores processuais opinar e pedir. Não se podem confundir as funções jurisdicionais com as funções ministeriais. Ao Ministério Público cabe, nas palavras de Binder, a chamada ‘função requerente’ e não a decisória. 

Outro equívoco em atrelar a representação da Autoridade Policial ao parecer ministerial consiste em uma confusão entre a titularidade da ação penal pelo órgão ministerial (Ministério Público) e a titularidade por parte de determinado membro da instituição (Promotor de Justiça). O titular da ação penal pública é o órgão ministerial, não o Promotor X ou Y, de modo que pode perfeitamente ocorrer que determinado Promotor considere não haver elementos para a ação penal, enquanto o órgão venha a entender de forma diferente, podendo ser instado a isso pelo Juiz por força do artigo 28, CPP, caso em que será a denúncia ofertada pelo Procurador Geral de Justiça ou por outro membro do Ministério Público especialmente designado para agir em nome do Procurador. Então, o fato de que o Promotor X ou Y entenda que inexiste base para um Processo Penal futuro não significa a palavra final da instituição, de forma que isso jamais poderia ter o condão de influenciar de forma definitiva na decisão judicial de concessão ou não da cautelar a pedido do Delegado de Polícia. Inclusive há cautelares que são típicas de investigação, tais como as interceptações telefônicas, a busca e apreensão, a prisão temporária, dentre outras. Nesses casos a atuação do Ministério Público não pode ser referente à formulação ou não da acusação em juízo, mesmo porque as próprias medidas visam ainda apurar se existem ou não elementos para tanto. Ora, tirante os casos de investigações encetadas diretamente pelo Ministério Público, quem preside as investigações é o Delegado de Polícia, de modo que é a ele precipuamente que cabe a avaliação da necessidade ou não da representação pelas cautelares. Nada impede, até recomenda, que o Ministério Público opine, inclusive na condição de fiscal da lei e de controlador externo da atividade policial. Mas, não se pode admitir que esse órgão se imiscua de forma decisiva no deferimento ou não da medida, usurpando ao mesmo tempo funções policiais e judiciais. Se há indiscutivelmente uma titularidade da ação penal pública pelo Ministério Público, também há de forma inarredável uma titularidade da condução e presidência do Inquérito Policial por parte do Delegado de Polícia, a quem incumbe o exercício das funções de Polícia Judiciária (artigo 144, CF). Isso é bem visível ao verificar-se que quando há alguma omissão ou irregularidade no Inquérito Policial a Autoridade que é chamada a prestar contas (criminal, administrativa e civilmente) é o Delegado de Polícia e ninguém mais, nem o Juiz, muito menos o Promotor de Justiça. Nessa hora ninguém se arvora a assumir as responsabilidades, muito embora, diga-se de passagem, todo Inquérito Policial seja continuamente controlado tanto pelo Judiciário como pelo Ministério Público (v.g. pedidos de prazo, correições, visitas mensais do Ministério Público na função de controle externo etc.). Ao que se saiba, sempre corresponde a um poder, um dever, uma obrigação, em suma, uma responsabilidade. Mas, parece que se pretende muitas vezes angariar poderes sem os ônus dos deveres e responsabilidades. Infelizmente isso tem sido comum na sociedade em geral e até mesmo nas suas mais conceituadas instituições. Como bem aduz Bruckner, a legalidade não se sustenta quando se transforma em ‘sinônimo de dispensa’, configurando-se como uma ‘máquina de multiplicar direitos, eterna e principalmente sem contrapartida’. 

Finalmente é destacável que a ligação entre a titularidade da ação penal pelo Ministério Público e a impossibilidade de deferimento de cautelares por representação policial sem sua oitiva ou concordância é totalmente artificiosa porque parte de um falso pressuposto que contraria mesmo a natureza das medidas cautelares. Afirma-se inclusive que a acessoriedade, enquanto característica insofismável das cautelares estaria a impedir seu deferimento sem a anuência daquele que detém a titularidade da ação principal. É realmente inegável a acessoriedade das cautelares, mas sua ligação com a ação principal não é de certeza, mas de mera probabilidade. Nem o deferimento de uma cautelar, inclusive com concordância ou o pedido ministerial torna necessária e inafastável a ação penal futura; nem o indeferimento torna impraticável essa mesma ação. As cautelares são acessórias a uma ação penal principal em perspectiva, dentro de um critério de ‘probabilidade hipotética’ e não de certeza.  Por isso é espúria qualquer ligação que condicione o deferimento cautelar a uma situação de convicção prévia do órgão ministerial em forma de certeza quanto ao intentar futuro da ação penal. Além disso, conforme já destacado, há muitas medidas cautelares que são deferidas exatamente para buscar provas e indícios para a formação do convencimento quanto à existência ou inexistência de elementos suficientes para o intentar de uma ação penal que por hora é vista tão somente em perspectiva hipotética provável. Usando uma expressão popular, condicionar o deferimento da cautelar a uma manifestação do Ministério Público na qualidade de titular da futura ação penal, exigindo para isso a formulação de um juízo de certeza da postulação em perspectiva é ‘colocar o carro na frente dos bois’, simplesmente porque esse não é o momento nem a circunstância adequada para esse tipo de manifestação.

Por todas essas razões, embora respeitando o entendimento diverso, considera-se que o Juiz pode sim deferir cautelares mediante representação direta da Autoridade Policial quando a lei assim o prevê, ainda que sem ouvir o Ministério Público ou mesmo contra sua manifestação. Não se pode perder de vista a função de decisão que somente cabe ao Juiz de forma indelegável e isenta de influências externas por mais bem intencionadas que sejam. Acaso o Promotor discorde da decisão Judicial lhe cabe a via recursal para reformar o ‘decisum’. No entanto, jamais poderá o órgão ministerial e nem mesmo a lei ter a pretensão de ‘conduzir’ o Juiz tal qual um cego ou transformar-lhe não em um ator destacado do processo penal, mas em um simples figurante. Um figurante que interpreta o personagem de uma Rainha da Inglaterra de Toga” [CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A representação autônoma do delegado de polícia pelas medidas cautelares. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponível em: <http://www.ambito -juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10883>. Acesso em jul 2017]. 

Fechando o colchete neste tema, nada impede que os argumentos do Ministério Público venham a ser acolhidos e até acrescentados na decisão que ora se profere, revogando, corroborando, ampliando ou estendendo as medidas cautelares postuladas pela autoridade policial, como deixa ver o art. 282, § 5º, do CPP.

Inclusive, a própria lei ressalva as situações de “urgência” [CPP, art. 282, § 3º] no deferimento de medidas cautelares, excepcionando a manifestação prévia das partes.

Forte em tais razões, passo à análise da representação apresentada pela autoridade policial.

Antes de tudo, convém enfatizar que o Inquérito Policial n. 87132/2017 – instaurado para apuração de crimes comuns praticados por militares e por civis, em especial, o delito de organização criminosa e o de interceptação telefônica ilegal – originou-se a partir do desmembramento do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, que, por sua vez, foi deflagrado para investigar, exclusivamente, crimes militares.

Para bem contextualizar a questão sub oculis, convém rememorar os fatos apurados no IPM.

Segundo levantado, até a atual fase das investigações, o Cel. PM Zaqueu Barbosa, em meados de setembro de 2014, quando exercia a função de Subchefe do Estado-Maior Geral da PMMT, decidiu estruturar um escritório que ficou denominado “Núcleo de Inteligência”.

Partiu dele, portanto, a ideia da criação e, também, a função de arregimentar os operadores do plano.

Em virtude de sua experiência no GAECO, e por conhecer diversos policiais militares com habilidades no assunto de inteligência e, em especial, em interceptação telefônica, o Cel. PM Zaqueu requereu ao então Ten.-Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco – à época, Diretor de Inteligência do GAECO – a apresentação do Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, com o propósito de estruturar o tal “Núcleo de Inteligência”.

Situação idêntica ocorreu com o Cb. PM Euclides Luiz Torezan, que foi, por ordem de seu comandante [Cel. PM Evandro Lesco] se apresentar ao Cel. PM Zaqueu.

Portanto, pelo menos aparentemente, temos a participação do Cel. PM Zaqueu, responsável pela criação do Escritório/Núcleo de Inteligência, e, também, não há a menor dúvida da efetiva e direta participação do Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco e do Cel. PM Ronelson Jorge de Barros, cuja função foi apresentar ao Cel. PM Zaqueu dois de seus comandados, Cb. PM Gerson e Cb. PM Euclides Torezan.

Consta dos autos, ainda, que a parte operacional ficou a cargo do Cb. PM Gerson, que teria acionado o Cb. PM Euclides Torezan para verificar a viabilidade técnica de funcionamento das placas entregues pelo Cel. PM Zaqueu, que, segundo custos apresentados pela Empresa Wytron, montaria a importância de R$ 12.000,00 [doze mil reais].

Não há, contudo, informação de quem foi o responsável pelo investimento para implantação do aludido projeto, pois, segundo o Encarregado do IPM, o Cel. PM Zaqueu não quis arcar com o custo. Não se sabe como os referidos graduados conseguiram sobreditos recursos.

De acordo com o que foi apurado, o Cb. PM Gerson instalou o equipamento assessorado pelo Cb. PM Euclides Torezan, e passou praticamente todo mês de setembro ouvindo diversas conversas, em uma sala comercial alugada no Edifício Master Center.

O Cb. PM Gerson apresentava os resultados do seu trabalho, por meio de relatórios, ao Cel. PM Zaqueu, demonstrando, assim, de forma incontestável, o envolvimento e a ligação de ambos na prática delituosa.

Ocorre que, no mês de outubro, o Cb. PM Gerson se dirigiu até o Cel. PM Zaqueu e solicitou reforço, porque não tinha condições de ouvir todos os áudios. Tantas já eram as interceptações telefônicas clandestinas, que um só homem não podia mais realizá-las.

Por esta razão, a 3ª Sgt. PM Andrea Pereira de Moura Cardoso, que trabalhava no Centro Integrado de Operações Aéreas, foi informada por seu comandante, no caso, o então Ten.-Cel. Airton Benedito de Siqueira Júnior, para procurar a pessoa do Cel. Zaqueu no Quartel do Comando-Geral da PMMT, pois teria um serviço para ela na atividade de inteligência.

Apesar de não denunciado pela prática dos crimes militares, há indícios fortíssimos da participação do Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior na organização criminosa.

Consoante destaquei no voto proferido nos autos da Ação Penal n. 87031/2017 – durante o recebimento da peça acusatória –, a situação do Cel. PM Siqueira Júnior se afigura idêntica à do Ten.-Cel. PM Januário Antônio Edwiges Batista, uma vez que foi ele quem arregimentou a 3º Sgt. PM Andrea Pereira de Moura Cardoso para atuar no fictício Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, onde serviu por um ano.

Enfatizo, também, que a referida graduada – quando chamada para atuar na inteligência da Polícia Militar, sob a chefia do Cel. PM Zaqueu Barbosa e orientação do Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior –, exercia suas funções no CIOPAER (Centro Integrado de Operações Aéreas), sob o comando e subordinação do Cel. PM Siqueira, que a convocou para a missão.

Há nos autos, ainda, indícios seguros de que o Cel. PM Siqueira Júnior não apenas sabia da existência do inventado Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, como dele participou com a cessão da Sgt. Andrea, para ficarmos no mínimo dos mínimos.

Esse fato tem indicação nas palavras da própria Sargento Andrea, ao revelar que, sendo recrutada para o Núcleo de Inteligência ainda no ano de 2014, nele permaneceu até novembro de 2015, “quando recebeu uma ligação de Gerson e este disse para a declarante se apresentar na CASA MILITAR, na pessoa do Cel. PM Siqueira Júnior, então Secretário-Chefe da Casa Militar; que após a apresentação, o Cel. PM Siqueira Júnior disse à mesma que o serviço que a mesma estava desenvolvendo, de inteligência, estava encerrado, e iria designar para trabalhar internamente na Casa Militar” [fls. 885/888 dos autos do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017].

Essa contundente afirmação mostra, a quem quiser ver, que o Cel. PM Siqueira não apenas sabia da existência do Núcleo, como dele participou com a cessão da militar que estava sob suas ordens e subordinação.

Daí a afirmação da Sgt. Andrea, no sentido de que ele [Cel. PM Siqueira] lhe disse que “o serviço que a mesma estava desenvolvendo, de inteligência, estava encerrado, e iria designá-la para trabalhar internamente na Casa Militar”.

E mantendo-a sob suas asas, poderia controlá-la, como, aliás, fizeram com a Cap. PM Cláudia Rodrigues Gusmão, ouvida às fls. 2214/2215 do IPM n. 66673/2017, que serviu na Casa Militar no período de janeiro a outubro ou novembro de 2015, e que foi interceptada ilegalmente entre os meses de julho, agosto e setembro de 2015 – logo após a saída do Cel. PM Ribeiro Leite da Chefia da Casa Militar, ocorrida em agosto de 2015 –, com a finalidade de saber se ela tinha conhecimento do esquema de grampos ou se ela estava repassando informações sigilosas para terceiros.

Temos, ainda, a situação da Maj. PM Valéria Fleck [fls. 2216/2218 – IPM n. 66673/2017], que trabalhou no GAECO no período de dezembro de 2011 a fevereiro de 2016, e foi interceptada em setembro de 2015. Ela trabalhou diretamente com o Cb. PM Gerson e com o Cb. PM Torezan de 2014 até sua saída, e seu “pecado” – para ser interceptada clandestinamente – ao que parece, foi apontar erros grosseiros na documentação produzida pelo Cb. PM Gerson e, de modo peremptório, ter aludido à diversas faltas ao trabalho do Cb. PM Gerson, que nessa época se dedicava, em tempo integral, ao serviço do fictício Núcleo de Inteligência da PMMT.

Não podemos olvidar, ainda, que a cessão da Sgt. Andrea deu-se para atender a demanda do refalsado Núcleo de Inteligência.

E sabia ele que os serviços foram suspensos, porque houve necessidade de se desmontar o Sistema, em razão de o esquema criminoso haver sido descoberto, como veremos adiante.

O interessante, para não dizer surreal, é que foi o Cb. Gerson quem determinou que a Sgt. Andrea se apresentasse à Casa Militar – já comandada pelo Cel. Siqueira Júnior –, e não mais à CIOPAER, onde estava originariamente lotada.

Tudo isso ocorreu em ocasião próxima à suspensão do funcionamento do Sistema Sentinela na Empresa Titânia – ocorrida em outubro de 2015 – após o Promotor de Justiça Mauro Zaque anunciar ao Cel. PM Siqueira e ao Cel. PM Zaqueu, em sua residência, saber da existência da “grampolândia pantaneira”, quando pediu-lhes que solicitassem exoneração de seus cargos em razão do envolvimento deles nas interceptações telefônicas clandestinas.

Parece, entretanto, que havia um propósito claro e inequívoco do grupo em não incriminar o Cel. Siqueira Júnior, que deveria permanecer não apenas fora de qualquer investigação, mas em liberdade para que, como Secretário de Estado, homem forte do Governo pela importância da pasta que ocupa, ficar com as mãos livres para articular em nome e em favor da organização criminosa.

E isso transparece nitidamente no testemunho do Ten.- -Cel. Soares, que revelou que o simples indiciamento do Cel. PM Siqueira, iria “fragilizar o grupo”, e que a prisão dele “não poderia ocorrer de forma alguma”, tanto que recebeu a seguinte ordem imperativa do Cel. PM Lesco: “faça o que tiver que ser feito, mas não deixe acontecer”.

Tão evidente foi a participação do Cel. PM Siqueira na organização criminosa que até o Ten.-Cel. Soares, iletrado no mundo jurídico, viu efetivos elementos da participação dele na organização criminosa.

Todos viram elementos para o indiciamento e denúncia, inclusive o Cel. Catarino, Encarregado do IPM, que pediu ao Ten.-Cel. Soares que formalizasse uma representação pela prisão do Cel. PM Siqueira. Contudo, em razão da ordem enfática do coator Lesco, o coagido “enrolou” e fez o pedido cair no esquecimento.

Todos viram, menos o Ministério Público.

A tudo isso acresce ainda o diálogo – gravado em áudio – entre o Ten.-Cel. Soares e o Cel. Lesco, onde este, falando sobre o inquérito suplementar, que aprofunda no recolhimento de provas no IPM, diz abertamente que ELE (Cel. Siqueira) tem participação e por isso deve ficar... uma viagem muito psicodélica, né cara”, em referência ao deslocamento do Cel. Catarino para Rondonópolis, onde auscultaria vários policiais militares.

Afora a participação dos militares na empreitada delituosa, houve também a participação de civis na organização criminosa que se formou.

Pelo menos até o atual estágio das investigações, podemos citar quatro fatos concretos, quatro situações que ensejaram a instauração de inquéritos policiais.

O primeiro deles, e o que podemos considerar a mola propulsora de todas as investigações deflagradas [investigação-matriz], diz respeito aos fatos ocorridos na Comarca de Cáceres, com a inclusão de pessoas estranhas à investigação, introduzidas como se criminosas fossem, para o fim de se quebrar sigilos telefônicos de forma oculta.

Esta situação veio à tona após veiculação de matéria jornalística em rede nacional, em 14/5/2017, cujos grampos, ao que tudo indica, eram praticados por meio do simulado Núcleo de Inteligência da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.

Também podemos mencionar aqui a situação ocorrida durante as eleições de 2016, no município de Lucas do Rio Verde, onde, igualmente, há notícia da prática do crime de interceptação telefônica clandestina, que também está sob apuração em procedimento investigatório próprio [Inquérito Policial n. 87131/2017].

Há, ainda, segundo notícia-crime apresentada pela OAB/MT, possível quebra de sigilo telefônico, na modalidade “barriga de aluguel”, ocorrida na “Operação Ouro de Tolo”, processo código 414652, onde foi incluído o terminal pertencente ao ex-governador Silval Barbosa, mesmo ele não sendo investigado naqueles autos [Inquérito Policial n. 71814/2017]. 

Por derradeiro, citamos a prática do crime de interceptação telefônica, com objetivos não autorizados em lei, por parte do representado Paulo Taques, nas operações “Forti” e “Querubin”, onde teria exigido o grampo do telefone de sua ex-amante e de sua ex-secretária, apurado no Inquérito n. 78323/2017.

Vamos consignar aqui apenas estes quatro fatos concretos, sem descurar os demais que estão em andamento e outros possíveis que hão de ser descortinados ao longo das investigações.

O primeiro fato concreto, verificado na Comarca de Cáceres, foi praticado mediante apresentação de relatório pelo espúrio Núcleo de Inteligência da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, aparentemente criado pelo Cel. PM Zaqueu Barbosa, cujo principal operador era o Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, contando com a participação incisiva do ex-Secretário-Chefe da Casa Militar, Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, e de seu Adjunto Cel. PM Ronelson Jorge de Barros, além do Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, como se viu alhures.

No atinente ao segundo fato, há indícios de participação do Cel. PM Airton Benedito Siqueira Júnior, atual Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, bem como há notícias de envolvimento direto do escritório de advocacia de Paulo César Zamar Taques, ainda que este insista em afirmar que na verdade figura como vítima de trama criminosa.

Quanto ao terceiro fato, conquanto acontecido nas barbas do GAECO, o relatório de inteligência que subsidiou a inclusão de terminal telefônico do ex-governador Silval Barbosa – em procedimento criminal em que não figurava como investigado –, foi subscrito pelo Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, ou seja, o mesmo operador do ilegítimo Núcleo de Inteligência, responsável pela escuta ilegal da ex-amante do então Secretário-Chefe da Casa Civil, Paulo Taques, nas interceptações levadas a efeito no juízo criminal de Cáceres.

Aliás, convém pontuar que o Cb. PM Gerson se apresenta como uma das figuras centrais de quase todos os crimes em apuração, especialmente aqueles ligados às escutas telefônicas clandestinas.

Ele foi o vaso comunicante entre muitos dos crimes em apuração, visto ter sido o operador principal dos sistemas Wytron e Sentinela, usado pelo Núcleo de Inteligência – bijuteria criada pela organização para cometimento de crimes.

Por fim, o próprio Paulo Taques, apresentando uma “história cobertura”, praticamente exigiu das autoridades responsáveis pela segurança pública do Estado a interceptação telefônica de sua ex-amante e de sua ex-secretária, situação essa apurada no Inquérito n. 78323/2017.

Outro acontecimento que evidencia, de modo irretorquível, o elo entre Paulo Taques e a organização criminosa que se instalou no seio da cúpula da Polícia Militar de Mato Grosso, diz respeito ao fato de que, nas eleições estaduais de 2014, o Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, espuriamente formado, efetuou a escuta, dentre outros, de dois advogados.

Os alvos em questão foram os causídicos José Antônio Rosa e José Patrocínio de Brito Júnior.

O detalhe de suma relevância é que ambos, assim como Paulo Taques, atuaram na campanha eleitoral de 2014, patrocinando, contudo, candidatos adversários do atual Governador do Estado, Pedro Taques.

José Antônio Rosa era advogado da candidata Janete Riva, e José Patrocínio de Lúdio Cabral, enquanto Paulo Taques representava os interesses de Pedro Taques, principais candidatos ao Governo do Estado de Mato Grosso.

Ocorre que, por meio do inventado Núcleo de Inteligência, na operação policial realizada na Comarca de Cáceres, a partir da qual foi produzida a matéria jornalística que ensejou a instauração de todas as investigações atinentes aos grampos ilegais, os dois advogados, que trabalhavam para candidatos adversários ao defendido por Paulo Taques, foram grampeados.

Dentre os principais candidatos ao Governo, a única banca que não teve advogado grampeado foi justamente a do Paulo Taques.

Ademais, não podemos olvidar, ainda, que o nome da Deputada Estadual Janaíva Riva, filha da então candidata ao Governo do Estado, Janete Riva, e opositora declarada do grupo ligado ao atual Chefe do Poder Executivo Estadual, também foi alvo de interceptação telefônica clandestina realizada na comarca de Cáceres.

Mera coincidência?

Tudo isso são assomos a mostrar que podemos mesmo estar frente a uma organização criminosa voltada – a partir de escutas telefônicas clandestinas – a cometer outros crimes.

E assim parece ser porque, pelos levantamentos já efetuados, as motivações das interceptações não eram unicamente políticas, por simples bisbilhotices do que faziam ou diziam os adversários políticos e críticos do governo.

Na extensa lista dos alvos interceptados estão médicos, desembargador, contador, servidores públicos, empresários, professor, estudante e, acreditem se quiser, até agente funerário.

O registro desses fatos, feitos ad colorandum [porque já expostos em decisão anterior que decretou a prisão do investigado Paulo Cesar Zamar Taques] prestam a confirmar que, inicialmente, a trama delituosa sempre girava em torno de alguns nomes: Paulo Cesar Zamar Taques, Cel. Zaqueu, Cel. Lesco, Cel. Barros e o Cb. Gerson.

Entrementes, com o depoimento do Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, desvelou-se novos participantes do grupo criminoso: o Delegado Rogers Elizandro Jarbas, o Major Michel Ferronato e o Sgt. Soler, dentre outros, como se verá à frente.

Não há base empírica, até este momento, para afirmar, com segurança, a individualização da conduta [e seus lugares na hierarquia] dos principais integrantes da possível organização criminosa que se instalou no coração do Governo do Estado de Mato Grosso, nem as suas finalidades principais, visto que as interceptações telefônicas clandestinas, certamente, era meio para a prática de outros crimes.

O que se pode afirmar, contudo, é que, diante do volume de recursos aplicados na possível organização criminosa – inclusive para aquisição de sistema próprio de escuta telefônica, de todo aparato tecnológico necessário, da instalação do escritório em sala comercial alugada e das despesas ordinárias mensais –, dúvidas não há de que o grupo possuía um mantenedor abastado, alguém que investiu financeiramente na criação e na manutenção dele.

A princípio, a suspeita recai sobre o Cel. PM Lesco, que foi o responsável por repassar o cheque no valor de R$ 24.000,00 [vinte e quatro mil reais] ao Cb. PM Gerson, para aquisição do Sistema Sentinela, e que ainda contribuiu alguns meses para o pagamento do aluguel da aludida sala comercial.

Aliás, abro um parêntese para consignar, ainda, que este fato foi motivo de entrevero entre o Cel. PM Lesco e sua esposa Helen, em 18/9/2017, conforme asseverado pela testemunha presencial, Ten.-Cel. Soares, que, em seu depoimento colhido pelo sistema de gravação audiovisual, assim declarou:

“Durante a conversa eu menciono dos procedimentos que foram adotados até então, da oitiva de nove policiais em Rondonópolis, ele pede informações a respeito do andamento das investigações, de que de novo existe, e teve um certo momento em que ele entra em atrito com, atrito assim, o ambiente fica meio pesado, porque a Helen questiona o Lesco do porquê ele comprou o equipamento, e a nota fiscal do equipamento foi emitida em nome dele. Porque que ele, porque motivo ele emitiu um cheque, ele poderia ter pago em dinheiro. Ele poderia ter essa nota emitida em nome até de um falecido né, de um defunto, palavras dela. Ela não sabe dizer porque isso aconteceu, e ela supõe, vocês estavam fazendo isso porque achavam que não ia acontecer nada, só pode, porque para dar uma bobeira dessa, só podia ser isso”.

Porém, este ponto – identidade do(s) mantenedor(es) do grupo criminoso – ainda há de ser esclarecido.

Com o caminhar das investigações e a madelenização do Ten.-Cel. Soares, descobriu-se a figura relevante do atual Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, que, valendo-se de seu cargo e de sua influência, vem reiteradamente interferindo nas investigações atinentes à prática do crime de interceptação telefônica ilegal, seja tentando obter documentos sigilosos, seja constrangendo autoridades policiais e oficiais militares.

Em primeiro lugar, causa espécie o comportamento do Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso em apurar, sponte sua – sem a instauração de qualquer procedimento administrativo ou judicial –, a conduta da delegada de polícia Alana Derlene Sousa Cardoso, que, em tese, teve envolvimento nos supostos grampos ilegais ocorridos nas Operações Forti e Querubin.

E, o mais curioso, foi a tentativa de o Secretário de Estado de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, investigar, por via transversa, seu antecessor, o Promotor de Justiça Mauro Zaque de Jesus, autoridade esta que trouxe à tona a existência do malsinado grupo criminoso.

Parece evidente que o ato foi voltado a desmoralizar e a desacreditar quem acusou o Governador do Estado, que se conseguiria com a implicação do Dr. Mauro Zaqueu nas “barrigas de aluguel” operacionalizadas por meio das Delegadas Alana e Alessandra, logradas pelo suspeito Paulo Taques, com uma “história cobertura” de que a vida do Governador estava em risco.

Não se pode olvidar, ainda, o fato ocorrido envolvendo o ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, e primo do Governador do Estado, Paulo Cesar Zamar Taques, que, com a finalidade de tomar conhecimento sobre a existência de investigação contra sua pessoa, “peticionou” diretamente ao Secretário de Estado de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, pedindo cópia do procedimento que tramitava sob sigilo.

Com o pedido em mãos, o Secretário de Segurança Pública, sem nenhuma competência para o ato, diga-se de passagem, simplesmente, “proferiu decisão”, determinando o fornecimento de cópias ao peticionante, mesmo sabendo que os fatos eram sigilosos.

E não foi apenas em prol do escritório de advocacia de Paulo Cesar Zamar Taques que o Secretário de Segurança Pública interveio.

Chegou ao meu conhecimento, por intermédio do Ofício n. 1260/2017/PJC/MT, de 31/7/2017, subscrito pelo Delegado de Polícia Flávio Henrique Stringueta, que o Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso também acolheu “requerimento” deduzido por seu chefe, o Governador do Estado de Mato Grosso, José Pedro Gonçalves Taques, determinando o fornecimento de fotocópia de autos sigilosos.

Portanto, não resta a menor dúvida de que o representado vinha se valendo do cargo ocupado, agindo de maneira incisiva e direta no sentido de beneficiar seus aliados, determinando o fornecimento de documentos até então sigilosos, em detrimento das investigações levadas a efeito pelas autoridades policiais.

Estas foram as razões que motivaram seu afastamento cautelar do cargo de Secretário de Segurança e de suas funções de Delegado de Polícia, decretada no Inquérito Policial n. 91285/2017.

Contudo, a partir das provas trazidas pelo Ten.-Cel. Soares, outro quadro – de muito maior gravidade – se apresenta, fazendo exsurgir a necessidade de adoção de medidas mais drásticas.

De fato, a partir dos depoimentos prestados pelo Policial Militar, Ten.-Cel. PM José Henrique Costa Soares, em 16, 18 e 22/9/2017, descortinou-se um sórdido e inescrupuloso plano no intuito não apenas de interferir nas investigações policiais, mas, principalmente, de macular minha reputação em todos os inquéritos instaurados para se investigar os crimes de interceptação telefônica, com o nítido propósito de me afastar da condução dos respectivos feitos.

E o mais lamentável, para não se dizer repugnante, é que para colocar em prática o ardiloso projeto, o grupo criminoso contou não apenas com a participação de seus integrantes já revelados, mas, também, de outras pessoas, dentre elas, advogado, esposa de investigado em prisão domiciliar, policiais militares e, segundo eles próprios, até mesmo de promotor de justiça, que teria aderido ao pérfido e maquiavélico plano.

Faço questão de registrar, aqui, excertos do depoimento prestado pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, até então Escrivão do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, prestado em 16/9/2017, aos delegados Ana Cristina Feldner e Flávio Henrique Stringuetta:

“DECLAROU QUE após assumir o cargo de escrivão para atuar no Inquérito Policial Militar foi procurado pelo advogado do CEL. LESCO e do CB. GERSON, DR. MARCIANO, na Corregedoria da Polícia Militar, e disse que a esposa do CEL. LESCO, HELEN, gostaria de falar com o depoente em razão de já ter informações a respeito do depoente e que a SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA já teria essas informações [...]”.

Apenas para deixar sublinhado, depois de assumir o encargo de Escrivão no Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, o Ten.--Cel. Soares foi procurado pelo advogado Marciano Xavier das Neves – responsável pela defesa do Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco e do Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior – dizendo que Helen Christy Carvalho Dias Lesco gostaria de falar com ele, pois ela teria informações a respeito do Escrivão, que também era de conhecimento da “Secretaria de Segurança Pública” – leia-se: Rogers Elizandro Jarbas.

Percebe-se, portanto, que o advogado Marciano Xavier das Neves, longe de suas funções profissionais, agiu ativamente em prol do grupo criminoso, funcionou como ponte para chegar até o Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares, surgindo, assim, duas novas figuras na organização criminosa: Marciano e Helen.

Outro ponto curioso, é que Marciano revelou ao Ten.- -Cel. Soares que Helen teria informações a seu respeito, e que tais informações teriam sido repassadas pela Secretaria de Segurança Pública, cuja pasta é capitaneada justamente por Rogers Elizandro Jarbas, aquele mesmo que estava agindo ativamente em prol da organização criminosa, valendo-se do cargo por ele ocupado.

Prossegue o Ten.-Cel. Soares na sua inquirição extrajudicial:

“Que isso aconteceu na primeira semana que assumiu as funções de escrivão; QUE então o depoente ligou para HELEN, via WhatsApp, no mesmo dia, e já combinaram de encontrar no POSTO DE GASOLINA BOM CLIMA; QUE o encontro ocorreu, salvo engano, no dia seguinte; QUE o depoente esclarece que conhece o CEL. LESCO por serem da mesma turma, porém não tinha amizade com HELEN; QUE neste contato já desconfiou que o assunto fosse relacionado a sua atuação no Inquérito Policial Militar; QUE encontraram no POSTO BOM CLIMA, sendo que o depoente foi em seu veículo Cross Fox branco, e HELEN em um veículo tipo SUV; QUE ao estacionarem  no pátio o depoente entrou no veículo da HELEN; QUE então o depoente foi bastante receptivo, dizendo que estaria disposto a ajudar, porém, precisava saber o que ela tinha contra o mesmo; QUE então ela disse que a SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA tinha posse de interceptações e vídeos dos quais revelam sua dependência química; QUE também mencionou que haveria outras situações supostamente criminosas, das quais PAULO TAQUES tinha conhecimento; QUE o depoente supõem que seriam referentes a situação de uma empresa que o depoente teria tido sociedade e que PAULO TAQUES foi seu advogado, tendo conhecimento de todos os fatos, inclusive sua dependência química foi revelada a PAULO TAQUES nessa oportunidade; Que naquele momento o depoente apenas pensou o quanto essa informação referente a sua condição de usuário o iria expô-lo na Corporação, encerrando definitivamente sua carreira, bem como da sua preocupação com eventuais crimes militares por ter mantido a sociedade, todos de conhecimento do advogado PAULO TAQUES, a quem confidenciou referidos fatos”.

Chama atenção o fato de a abordagem ao Ten.-Cel. Soares já haver sido realizada “na primeira semana que assumiu as funções de escrivão”.

Significa dizer que, tão logo tomaram conhecimento de sua nomeação, usaram de informações que já tinham em mãos.

E quem as detinha?

Ninguém mais, ninguém menos que o Dr. Paulo Cesar Zamar Taques, que as recebeu da própria língua do Ten.-Cel. Soares, quando advogou seus interesses numa demanda contra seu irmão.

Certo é que essas informações não eram do conhecimento geral, dessas que facilmente podem ser levantadas, do contrário, ele já teria sofrido severas sanções na Polícia Militar, quiçá excluído das fileiras da corporação.

Essa situação foi bem posta no depoimento que prestou:

“[...] QUE também mencionou que haveria outras situações supostamente criminosas, das quais PAULO TAQUES tinha conhecimento; QUE o depoente supõem que seriam referentes a situação de uma empresa que o depoente teria tido sociedade e que PAULO TAQUES foi seu advogado, tendo conhecimento de todos os fatos, inclusive sua dependência química foi revelada a PAULO TAQUES nessa oportunidade; Que naquele momento o depoente apenas pensou o quanto essa informação referente a sua condição de usuário o iria expô-lo na Corporação, encerrando definitivamente sua carreira, bem como da sua preocupação com eventuais crimes militares por ter mantido a sociedade, todos de conhecimento do advogado PAULO TAQUES, a quem confidenciou referidos fatos”.

Detalhe de suma importância é que nessa época, ou seja, quando Helen procurou pelo Ten.-Cel. Soares, seu esposo, Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, encontrava-se cautelarmente segregado.

Por esta razão, não há falar que seu papel foi secundário, ou de menor relevância, uma vez que Helen foi a responsável pela coação do então Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares.

Asseverou, ainda, o Ten.-Cel. PM Soares:

“QUE esclarece o depoente que a SECRETARIA DE SEGURANÇA, assim como a POLÍCIA MILITAR, não sabia dessa sua situação pessoal, do contrário já teria aberto procedimento contra si, nem teria lhe conferido a missão de atuar na Corregedoria e Ouvidoria da Polícia Militar, bem como escrivão no IPM; QUE desse modo, o depoente acredita que essas informações possam ter sido passadas por PAULO TAQUES, para que fossem usadas para coagi-lo”.

De fato, é inconcebível admitir que alguém ligado à Secretaria de Segurança Pública, ou à Polícia Militar, sabendo dos problemas pessoais enfrentados pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, não tivesse adotado nenhuma providência, em especial a abertura de procedimento para apuração dos fatos.

Ad hunc modo, tudo aponta para uma única e provável direção: a de que as informações provieram mesmo do representado Paulo Cesar Zamar Taques.

Cabe gizar o lugar de destaque do investigado Paulo Cesar Zamar Taques na provável organização criminosa, com quem o grupo tinha preocupações redobradas com a manutenção da prisão que se decretou contra ele, como se vê nesta passagem do depoimento:

Que também eles diziam da importância da soltura do Paulo Taques, do quanto era necessário para o grupo que Paulo Taques continuasse solto”.

É incontestável mesmo que o investigado Paulo Cesar Zamar Taques se apresenta – pelo menos diante dos elementos informativos até agora obtidos – como um dos principais protagonistas do grupo criminoso, e maior beneficiário das escutas telefônicas clandestinas.

Basta lembrar que – as provas assim indicam – foi ele o responsável por interceptar ilegalmente a sua ex-amante Tatiana Sangalli, o jornalista Muvuca, a sua ex-secretária Carolina e, provavelmente, os advogados José do Patrocínio e José Antônio Rosa, além da Deputada Janaína Riva, dentre outros.

As provas coligidas até este instante das investigações mostram que Paulo Taques foi quem mais se serviu do falseado Núcleo de Inteligência, cujo contexto o coloca como um dos prováveis líderes da organização criminosa.

Não estamos simplesmente repetindo os argumentos expendidos na decisão anterior que se lhe decretou a custódia preventiva.

A invocação tem por finalidade chamar a atenção para a importância dele para a provável organização criminosa, a ponto de o “grupo” reconhecer a imprescindibilidade de ele “continuar solto”.

Todas as circunstâncias apontam no sentido de que as situações que fragilizavam o coagido, Ten.-Cel. Soares, foram mesmo passadas por Paulo Taques, cujos segredos – da sabença de ninguém –, recebeu quando patrocinou-lhe a defesa de uma causa na justiça.

Aí encontram-se suas digitais. Do contrário, como o grupo criminoso tomou conhecimento dos segredos?

Conhecendo-os, fácil foi subjugar o Ten.-Cel. Soares, um homem cuja situação de dependência química – que busca superar – o fragilizava e o colocava de joelhos.

Sabiam eles do seu estado emocional delicado, franzino nas circunstâncias de quem lutava para se reerguer. A própria abstinência de drogas já o debilitava emocionalmente.

Conhecendo seu calcanhar de Aquiles, tornou-se presa fácil do grupo, tanto que acreditou na provável invencionice de a Secretaria de Segurança Pública ter “posse de interceptações e vídeos que revelavam sua dependência química”.

Totalmente dominado e constrangido, aquiesceu ao diabólico plano que ele próprio revelou no seu depoimento, verbis:

“QUE então HELEN disse que CEL. LESCO estava preso e que precisava resolver essa questão; QUE então HELEN pediu para o depoente avisar todo o ocorrido que acontecesse no curso do inquérito policial militar, bem como que monitorasse todos os passos do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE então o depoente, sentindo-se coagido e receoso do vazamento dessas informações pessoais, aceitou ajudar HELEN; QUE passados alguns dias desse encontro com HELEN, o CEL. CATARINO o convidou para participar de uma reunião com o DESOR ORLANDO PERRI; QUE o depoente não tinha conhecimento dessa reunião previamente; QUE o CEL. CATARINO o convidou e foram para essa reunião; QUE então o depoente gravou em seu celular toda a reunião; QUE estavam presentes nessa reunião, além do depoente, o CEL. CATARINO, DESOR ORLANDO PERRI, A DELEGADA ANA CRISTINA FELDNER e o assessor do DESEMBARGADOR; QUE tratou-se de uma reunião de trabalho, para o depoente ser apresentado para o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE, então, aproveitou a oportunidade para gravar a reunião em áudio, atendendo as exigências que lhe foram feitas; QUE foram 2hs de gravação em seu celular; QUE o segundo encontro com o grupo se deu na casa da HELEN, e o CEL LESCO continuava preso; QUE encontraram-se novamente no POSTO BOM CLIMA, sendo que o depoente deixou seu veículo naquele local e entrou no veículo de HELEN e dirigiram-se à sua residência; QUE na residência de HELEN entregou via bluetooth todo o conteúdo da reunião para o celular do advogado do CEL. LESCO, Dr. MARCIANO; QUE nessa gravação havia a informação de que o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI manifestou que estava pensando em soltar o CEL. LESCO e CEL. BARROS; QUE então HELEN agradecia ao depoente e o incentivava dizendo: ‘isso aí! Assim vai dar tudo certo! O LESCO vai ficar contente’; QUE neste contexto ficava entendido que nada aconteceria contra o depoente; QUE as informações que o desabonavam continuariam sendo guardadas”.

Extrai-se deste trecho a direta e incisiva participação tanto de HELEN CHRISTY [esposa do Cel. PM Lesco], quanto do advogado MARCIANO XAVIER NEVES, no grupo criminoso.

Contudo, por incrível que pareça, o estratagema montado foi mais longe, pois, não satisfeitos com a escuta ambiental ilegal captada pelo Ten.-Cel. Soares, o grupo queria mais, queria o monitoramento audiovisual deste Relator:

“QUE então o CEL LESCO foi solto; QUE então HELEN ligou para o depoente solicitando um encontro do mesmo com o CEL. LESCO, dizendo ‘LESCO quer te ver’; QUE o depoente dirigiu-se à residência deles, sendo adotado o mesmo procedimento, de deixar o veículo do depoente no POSTO BOM CLIMA e então ia no veículo da HELEN; QUE nesse encontro LESCO agradeceu e voltaram a reafirmar sua parceria; QUE LESCO perguntou sobre a prisão do CEL. SIQUEIRA; QUE também LESCO solicitou que não houvesse novos indiciamentos, que dizia que isso iria ‘fragilizar o grupo’; QUE o depoente disse que o CEL. CATARINO havia pedido para começar a fazer essa representação de prisão, tendo LESCO dito que essa prisão não poderia ocorrer de forma alguma; QUE dizia ‘faça o que tiver que ser feito, mas não deixe acontecer’; QUE o depoente acredita que há nos autos elementos para requerer a prisão do CEL. SIQUEIRA, porém em razão dessa coação sofrida não concluiu essa representação da prisão; QUE depois voltou a encontrar com o CEL LESCO por mais umas 03 vezes, sendo utilizado o mesmo procedimento, de deixar seu veículo em algum lugar e sempre sendo conduzido por HELEN, esposa do CEL. LESCO; QUE HELEN sempre participava das conversas e sabia de tudo, além de ajudar com os recados e conduções; QUE então num dos encontros, com o mesmo procedimento, porém não recorda a data, o CEL. LESCO solicita que o depoente faça o monitoramento audiovisual do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE diziam claramente que queria que o depoente gravasse qualquer parte de uma conversa, que pudesse comprometer o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE dizia que o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI estava atrapalhando o grupo; QUE insistiam que queria desacreditar a pessoa do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, que queria qualquer tipo de expressão que eventualmente o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI falasse; QUE a intenção era utilizar de qualquer frase ou palavra para solicitarem a suspeição do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE deixavam claro que queria o afastamento do mesmo; QUE o depoente acredita que essas reuniões que tiveram foram gravadas por eles; QUE acredita que eles sejam capazes de utilizar trechos, partes fragmentadas, dessas conversas para poderem utilizar em seu favor; QUE então em uma das reuniões, na terceira ou quarta, o SGTO SOLER aparece com um equipamento em mãos; QUE o SGTO SOLER é investigado nos autos do INQUÉRITO POLICIAL MILITAR; QUE então o depoente é comunicado que aquele equipamento deve ser colocado em sua farda, pois precisava de uma imagem do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE reforça que esse encontro foi também na casa do CEL. LESCO; QUE diziam que apenas o áudio gravado pelo depoente não era suficiente; QUE então o SGTO SOLER ensinou o depoente a manusear o equipamento; QUE então combinaram do depoente levar suas duas fardas para que o SGTO SOLER verificasse qual das duas seria melhor para instalar o equipamento; QUE após esse encontro na casa do CEL. LESCO, o depoente passou em sua residência e levou suas duas fardas para o SGTO SOLER, encontrando-o no POSTO GOLD, ao lado do MOTEL PLAZA; QUE o SGTO SOLER estava em um veículo Corola e levou as fardas para sua residência, para verificar e instalar o equipamento que capta áudio e imagem; QUE depois de umas 48hs o CEL LESCO manda mensagem via WhatsApp da HELEN dizendo que ‘o peixe está pronto’; QUE esse foi o código para avisar que a farda com o equipamento estava pronta; QUE isso ocorreu no dia 12/09; QUE inclusive apresenta seu celular para exibição dessas mensagens; QUE então o depoente manteve contato com o SGTO SOLER pelo número informado e marcaram de encontrar no estacionamento da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, no último nível, porque assim teriam a visão de tudo, pois tinham receio de estarem sendo monitorados; QUE SGTO SOLER chegou num carro UNO, azul, com películas nos vidros; QUE então o depoente entrou no veículo dele, tendo então o SGTO SOLER mostrado como foi feita a instalação do equipamento na farda; QUE justificou que só foi possível instalar em uma das fardas em razão da costura da outra e dos breves serem metálicos; QUE ele ensinou como funciona, entregou também o carregador; QUE foi informado que a bateria tem autonomia para 3h ininterruptas de gravação e orientou a realizar como fazer o carregamento; QUE ainda disse que caso o depoente fosse pego que não era para delatá-lo; QUE nesse dia o SGTO SOLER contou que seria transferido da CASA MILITAR para o BOPE, pois queria ficar ‘esquecido’; QUE esse encontro ocorreu por volta de 19h; QUE após essa entrega não houve nenhum encontro com o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, por isso não foi possível utilizá-lo”.

Surge, aqui, mais uma figura importante no seio da organização criminosa, no caso, o 2º Sgt. PM João Ricardo Soler.

O 2º Sgt. PM Soler, como bem salientou o Ten.-Cel. Soares em seu depoimento, figura como investigado nos autos do Inquérito Policial Militar, pois, em razão do seu conhecimento na área de inteligência, ele teve acesso ao Sistema Sentinela, nele atuando nas escutas telefônicas ilegais.

Porém, a despeito da representação apresentada pelo Encarregado do IPM, Cel. PM Jorge Catarino Morais Ribeiro, não houve a decretação da prisão preventiva do 2º Sgt. Soler nos autos do IPM, porque não visualizei presentes, naquele momento, indícios suficientes de autoria, na prática dos crimes militares. Sua situação se identificava com a do Cb. PM Euclides Luiz Torezan.

No entanto, agora, após a inquirição do Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares ficou evidenciado, às escâncaras, seu envolvimento com o grupo criminoso, e, consoante destaquei naquela ocasião, aquela conclusão poderia ser modificada se, no curso das investigações, adviessem novos fatos a evidenciar sua participação direta e incisiva no propalado esquema criminoso, o que, de fato, ocorreu.

A participação do 2º Sgt. Soler mostra a hierarquização da provável organização criminosa. Como sói acontecer nas empresas, figurava ele como operador do grupo, dado sua expertise em espionagem, angariada nos longos anos que serviu no GAECO.

Nos autos do Inquérito Policial Militar há provas exuberantes – e inconteste de dúvidas –, de que o Sgt. Soler participou ativamente das escutas telefônicas clandestinas, sendo ele um dos integrantes do falso Núcleo de Inteligência da Polícia Militar.

Agora, sua atuação se confirmou na tropelia de instalar – a mando do grupo – na gandola do Ten.-Cel. Soares, o equipamento de gravação audiovisual, que captaria minhas imagens e falas – se preciso editadas –, que tanto necessitavam para assestar a bateria de escândalos contra este Relator.

Tamanha felonia, fosse em tempos de guerra, a pena seria o paredão.

Além dos envolvidos já descobertos, surge outro participante importante do grupo criminoso, até então desconhecido nos autos, o Maj. PM Ferronato:

“QUE ainda no último dia que esteve na casa do CEL. LESCO, quando entregou sua farda para instalação do equipamento, o CEL. LESCO disse expressamente que ‘o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria determinar que alguém o procurasse', e que era para o depoente ser bastante solícito e atender as orientações que fossem recebidas; QUE nesta oportunidade CEL. LESCO disse que o plano seria que o depoente deveria seguir todas as orientações passadas pela pessoa enviada pelo SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA; QUE haviam decidido que o plano seria o seguinte: ‘que o depoente iria se apresentar como se insurgindo contra a atuação do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, dizendo que o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI estava fazendo ingerências na investigação e que não estaria sendo imparcial, e que então, o depoente não estaria concordando com isso e iria denunciar’; QUE então o CEL. LESCO disse que essa pessoa encaminhada pelo SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria passar todas as informações para que esse plano fosse executado; QUE no dia que o depoente recebeu a farda do SGTO SOLER, 12/09, foi jantar na PEIXARIA LELIS; QUE tem por hábito frequentar aquele restaurante; QUE naquela noite viu algumas pessoas da SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA naquele mesmo restaurante; QUE o depoente estava sozinho na mesa, quando o MAJOR FERRONATO se dirigiu até sua mesa e disse para o depoente que no dia seguinte, de manhã, iria fazer uma caminhada no Parque Mãe Bonifácia e que era para o depoente o encontrar lá; QUE naquele instante o depoente deduziu que o MAJOR FERRONATO seria a pessoa enviada pelo SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA, uma vez que não tem intimidade com o mesmo para ter sido ‘convidado’ para caminhar juntos; QUE então na manhã do dia seguinte, o depoente encontrou na praça central do Parque Mãe Bonifácia com o Maj. FERRONATO; QUE o MAJOR FERRONATO iniciou a abordagem com o depoente questionando o mesmo a respeito de como estaria sua promoção para o cargo de coronel; QUE dizia o quanto era injusta a situação de que às vezes o policial militar recebia boa pontuação, mas não era promovido, uma vez que no final quem decide é o GOVERNADOR; QUE então o Major Ferronato começou a questioná-lo mais contundente sobre o andamento das investigações; QUE dizia que sabia da gravação feita pelo depoente e que o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria precisar utilizar dessa gravação; Que o depoente percebeu que inicialmente foi cooptado para agir em favor dos militares, porém houve um avanço nas investigações e nessa semana o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA ficou exposto, em razão da denúncia feita na imprensa da irregularidade do SECRETÁRIO no curso CSP e do avanço nas investigações conduzidas pela Delegada ANA CRISTINA FELDNER; QUE o depoente acredita que passou a ser útil para ajudar também o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA; QUE inclusive o Major FERRONATO voltou a dizer que essa gravação seria importante para afastar o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE o MAJOR FERRONATO questionou também sobre a prisão do CEL. SIQUEIRA, bem como se havia indícios de ser feita a delação por parte do CEL. ZAQUEU; QUE depois, no mesmo dia, o MAJOR FERRONATO ligou para o depoente e marcou outra caminhada, no mesmo local, no dia seguinte; QUE nesse segundo encontro o MAJOR FERRONATO ofereceu a promoção de CORONEL para o depoente, em razão dos serviços que estaria prestando para o grupo; QUE esse oferecimento foi explícito, perguntando inclusive ao depoente, qual seria a garantia que o depoente queria; QUE o depoente afirma com veemência que ficou caracterizado dois momentos de cooptação do depoente; QUE no primeiro momento foi abordado mediante coação cabendo ao depoente proteger os policiais militares; QUE, em troca, a sua situação de dependente químico e eventuais crimes militares permaneceriam em segredo (em razão de ter mantido uma sociedade empresarial), sem comprometimento de sua carreira profissional; QUE num segundo momento, percebendo a utilidade do depoente, o procuraram para ajudar o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA, oferecendo neste momento a sua promoção ao cargo de CORONEL DA POLÍCIA MILITAR; QUE então nesse segundo encontro com o MAJ. FERRONATO foi questionado especificamente sobre o que ele sabia a respeito das investigações conduzidas pela POLÍCIA CIVIL em desfavor do SECRETÁRIO ROGERS JARBAS; QUE o MJ FERRONATO disse que a situação em desfavor do SECRETÁRIO ROGERS JARBAS estaria indo longe demais; QUE o MJ FERRONATO perguntou se o depoente tinha conhecimento se alguma medida estava sendo feita em desfavor do SECRETÁRIO e orientou o depoente perguntar diretamente a delegada ANA CRISTINA FELDNER essa informação; QUE o depoente respondeu que acreditava que teria uma medida vindo por parte da Delegada, em razão da sua postura profissional, de ser séria, porém não tinha conhecimento de qual medida seria; QUE o MJ FERRONATO disse que precisaria resolver tudo nessa próxima semana; QUE informou que deveriam prosseguir com o plano de gravar qualquer frase do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI para afastá-lo das investigações; QUE inclusive o depoente teria a missão de provocar o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI a falar qualquer coisa, caso o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI se mantivesse calado; QUE então o MAJ. FERRONATO informa que na segunda-feira próxima, dia 18/09, deveria haver nova reunião entre o depoente, MAJ. FERRONATO e UM PROMOTOR DE JUSTIÇA; QUE então foi explicado que seria designado um promotor de justiça para ajudar na blindagem do grupo; QUE o MAJ. FERRONATO então disse que esse Promotor de Justiça iria receber a ‘denúncia’ do depoente e instrui-lo de como deveria falar, como falar, o que falar e de quem falar; QUE assim, o promotor de justiça é quem iria instruir o depoente quanto a denúncia contra o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI no sentido: que o depoente iria se apresentar como denunciante, se insurgindo contra a inventada interferência do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI para afastá-lo das investigações; QUE o MAJ. FERRONATO disse que referido promotor de justiça teria uma conduta proativa, pois iria instruir o depoente sobre como proceder; QUE o MAJ. FERRONATO dizia que seria designado um ‘promotor de justiça de confiança do grupo’; QUE ficou claro que a escolha desse promotor de justiça seria para ajudar no plano, pois não foi dito para procurar o Ministério Público e sim, que era para aguardar o nome de um Promotor de Justiça específico; QUE inicialmente eles queriam a captação da imagem do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI com outras falas, mesmo sendo provocadas; QUE no entanto, como as investigações em desfavor do SECRETARIO DE SEGURANÇA PÚBLICA haviam avançado, eles teriam que agir ainda nessa semana, apresentando a gravação clandestina realizada pelo depoente com imagens que fossem obtidas no decorrer da semana”.

Temos aqui, portanto, uma segunda situação.

Na primeira, o Ten.-Cel. Soares foi aliciado pelo grupo criminoso para favorecer os militares, em especial, o Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, cuja prisão, conforme palavras do Cel. PM Lesco, não poderia ocorrer de forma alguma, e que era para fazer o que tivesse que ser feito para impedi-la, pois, com ela, o grupo ficaria enfraquecido. Em troca, sua condição de dependente químico e a prática de crimes supostamente praticados, permaneceriam em segredo.

No segundo momento, a intenção do grupo foi, deliberadamente, blindar o Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso, Rogers Elizandro Jarbas, pois, com o avançar das investigações no inquérito policial contra ele instaurado, haveria o risco de ele sofrer alguma medida judicial, e que deveria “resolver tudo na próxima semana”, ou seja, teria que entregar a captação de minha imagem, no intuito de suscitar minha suspeição, prometendo, em contrapartida, sua promoção ao cargo de Coronel da Polícia Militar.

Provavelmente, tomou ele conhecimento de que a Delegada condutora do Inquérito, Ana Cristina Feldner, havia representado pelo afastamento dele do cargo de Secretário de Segurança Pública e das funções de Delegado.

Daí a pressa em se “resolver tudo na próxima semana”. Depois, segundo dissera o Major Ferronato, “a situação em desfavor do Secretário Rogers Jarbas estava indo longe demais”.

A intenção era excepcionar o relator antes que os autos lhe fossem conclusos para decisão sobre a representação da Delegada, já em andamento.

Era preciso apertar o passo.

Havia mesmo o risco iminente de o Secretário de Segurança Pública sofrer medidas cautelares, como de fato veio a suceder.

A preocupação do Maj. PM Ferronato era com a situação do Secretário Rogers Elizandro Jarbas, a quem representava na corrupção do Ten.-Cel. Soares.

O grupo de militares e o Secretário de Segurança Pública tinham um ponto de interesse comum: expulsar-me das investigações, desonrosamente, diga-se de passagem, porque – aforante a pecha de corrupção – nada mais ofensivo ao juiz do que libelá-lo de parcial.

O conluio entre eles parece insofismável, do contrário, como o Maj. PM Ferronato tomou conhecimento da gravação já em poder do grupo? Como sabia ele da bernardice que estavam por realizar por meio do aparelho espião?

As gravações, disse o Maj. PM Ferronato, “seria importante para afastar o Desembargador ORLANDO PERRI”.

Dirão que é mentira, pura invencionice do Ten.-Cel. Soares.

De qualquer forma, o instrumento espião, colocado no fardamento do Ten.-Cel. Soares [e apreendido pela autoridade policial], prova a intenção criminosa.

Porém, o mais aterrorizante na declaração prestada pela da testemunha, Ten.-Cel. PM José Henrique Costa Soares, é a afirmação de que um PROMOTOR DE JUSTIÇA foi designado para “ajudar na blindagem do grupo”, que seria, inclusive, “de confiança do grupo”.

Realmente, segundo afirmações da provável organização criminosa, os tentáculos dela alcançaram um grupo do Ministério Público, que tinha o interesse de também afastar-me das investigações.

A afirmação avulta em importância na medida em que ela proveio da língua do Cel. Lesco, gravada em áudio pelo bagaxa que julgavam estar a tratar, segundo se depreende de excerto da degravação feita pelos investigadores de polícia:

Ten.-Cel. Soares: Hein Lesco? É ainda bem que tem o Ministério Público do nosso lado, por que, porra, se não tivesse, tava fodido né [risadas].

Cel. Lesco: ... coisa grande.

Ten.-Cel. Soares: Aí tava pior ainda né.

Cel. Lesco: [nome do promotor] enfrentou só que é um contra trinta é foda né, ele falando sozinho.

Ten.-Cel. Soares: É uma desleal

Cel. Lesco: Desleal, desleal...

Ten.-Cel. Soares: É uma briga desleal.

Cel. Lesco: E é bom que o [nome de procurador de justiça] já comprou a briga de novo né.

Ten.-Cel. Soares: Ham, ham.

[...]

Ten.-Cel. Soares: Hum, deixa eu te falar, dessa época aí meu irmão eu bati de frente com o Ministério Público. Assim, eu falei: “cadê oh”, fala que houve enriquecimento ilícito, tudo bem, mas cadê?

Cel. Lesco: Agora não, agora o Ministério Público é nosso aliado”.

Assim, é um próprio integrante da provável organização criminosa quem anunciou a adesão de membros do Ministério Público na sesquipedal deslealdade contra um integrante do Tribunal do Justiça, voltada a descartar-me da frente das investigações envolvendo as escutas telefônicas clandestinas no Estado de Mato Grosso.

E não seria qualquer membro do Ministério Público, a quem pudesse apresentar a febricitante e façanhosa assacadilha. Tratava-se, segundo o confessante, de um membro que representava um grupo do Ministério Público interessado no meu afastamento dos processos.

A denúncia é muito grave.

Em sua primeira declaração à autoridade policial, embora não registrado no depoimento escrito, as gravações de trechos dela mostram as falas do Ten.-Cel. Soares, que merecem reprodução:

“Não passaram o nome [do Promotor de Justiça], mas falaram que seria alguém do Ministério Público. Segundo eles, a conversa que tive com ele, haveria um grupo do Ministério Público ligado aos interesses deles. Um grupo. E aí a gente deduz quem seja. Por dedução a gente sabe quem possa ser. Então, por isso, haveria a necessidade de indicação de qual promotor deveria procurar.

[...]

Nessa última conversa ele fala que no próximo encontro – que seria na semana que vem, né –, haveria a indicação do membro do Ministério Público que eu deveria contatar para fazer a denúncia, formalizar a denúncia, passar esses fatos – diga-se de passagem, que não condizem com a realidade, totalmente distorcidos –, e que eu apresentasse também o áudio, a gravação que eu fiz de duas horas. Eu assumiria essa postura”.

Noutros lances têm-se os seguintes diálogos entre a autoridade policial e a testemunha:

Delegada: Aí, esse segundo encontro, né? Como que entra a parte do promotor de justiça?

Testemunha: O promotor de justiça, ele fala que na segunda-feira, nessa semana, depois de amanhã, ele ia ligar para mim, para marcarmos nova caminhada, no mesmo lugar, que ele ia passar novas instruções, com a indicação do promotor que eu deveria procurar.

Delegada: Vai ser dia 18, né? Segunda-feira?

Delegado: Segunda-feira.

Testemunha: Devia procurar, que esse promotor ia me passar, me orientar no depoimento, o que eu deveria falar, como eu deveria falar, de quem eu deveria falar.

[...]

Delegada: Major Ferronato que falou que havia um grupo dentro dos promotores de justiça e eles iriam designar, como que foi, como seria essa designação?

Testemunha: Não, ele falou que iria indicar na segunda-feira, ia passar o nome do promotor, não do grupo, do promotor que iria formalizar a denúncia e orientar no conteúdo.

Delegada: E aí, ia ajudar na blindagem do grupo?

Testemunha: Sim, sim. E que deveria ir em mãos já com o celular para fazer exibição para o promotor, com a gravação.

Delegado: Essa nova gravação, que essa outra que o senhor já fez será que ainda está com o promotor?

Testemunha: Não sei falar para o senhor, porque eu entreguei para eles, então, pode ser que esteja.

Delegada: Acho que eles não tem como fazer a exibição, né?

Testemunha: É, direta, exatamente, precisava de alguém para fazer.

Delegada: Não tem como formalizar.

Testemunha: Olha, com certeza, com certeza, senão eles não falariam isso. Eles poderiam fazer, vai no ministério Público e denuncia.

Delegado: Procura qualquer um.

Testemunha: É, eles falaram, vamos indicar na segunda-feira o promotor que você vai procurar, não é todo, não é qualquer promotor que você vai procurar, o promotor da nossa confiança, como se existe o promotor da confiança dele, vai existir outros promotores, né? Então?

Delegado: E vai estar aguardando certo, né?

Testemunha: Aguardando para receber”.

A participação do membro do Ministério Público foi ratificada pela testemunha Ten.-Cel. Soares durante depoimento prestado pelo sistema de gravação audiovisual, em 18/9/2017, onde afirma ter gravado o diálogo mantido com o Cel. PM Lesco:

Testemunha: Estava no banheiro, acionei o gravador do celular, e voltei já falando da novidade que tinha acontecido, que informação muito aguardada, que o grupo sempre esperava. Todos sempre esperavam isso.

Delegado: Para conversar...

Testemunha: Pra conversar, reunião...

Delegado: Conversar com o desembargador?

Testemunha: E a utilização do equipamento. Então, momento no qual quando eu saio eu falo isso, tá na gravação que tá contido no arquivo no celular, na memória do celular, que fiz a exibição.

Nesse momento, ele fala não é, eu falo que há novidade, a grande novidade, que é a reunião que foi marcada para segunda-feira, hoje à tarde, com o desembargador Orlando Perri.

Delegado: E a reação dele?

Testemunha: A reação foi de euforia, bom. Em seguida, eu menciono, ainda bem que o Ministério Público tá do nosso lado, né? Seria difícil sem ele. E ele [Cel. PM Lesco] fala, comenta do, que o é doutor Promotor [...] estava do lado, estava participando, estava colaborando com o grupo.

Delegado: E ele chega também a dizer o nome de outros promotores, ou fica só no [...]?

Testemunha: Ele fica só no [...], ele não menciona outro nome. Ele menciona o nome do também promotor [...], fala que esse promotor tá na ação de improbidade administrativa, e que eles temem enormemente, há um temor.

Delegado: Quanto ao [...] não é do grupo?

Testemunha: Não é do grupo, mas há a intenção de se adotar procedimentos de aliciamento do mesmo, para que o melhor resultado aconteça depois disso tudo”.

O grupo criminoso é tão bem estruturado e articulado, que iriam se valer até mesmo da imprensa para colocar seu plano em prática, conforme asseverado pelo Ten.-Cel. Soares:

“QUE, também foi revelado ao depoente que um repórter iria procurá-lo para produzir uma matéria sobre a suspeição do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, para desmoralizá-lo para a opinião pública”.

Vejam bem!

O repórter não procuraria o Ten.-Cel. Soares para simplesmente publicar a reportagem, mas, sim, para PRODUZIR A MATÉRIA, demonstrando, com isso, tratar de grupo com ramificações, inclusive, na imprensa.

Podemos mencionar, ainda, a presença de outras duas importantes figuras na provável organização criminosa, e que foram mencionados pelo Ten.-Cel. Soares no seu depoimento.

A primeira delas diz respeito a José Marilson da Silva, ex-sócio-proprietário da Empresa SIMPLES IP.

José Marilson, apenas a título de informação, foi o responsável pelo desenvolvimento do Sistema Sentinela, ao que tudo indica, adquirido pelo Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, e utilizado pelo postiço Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, para prática de interceptações telefônicas clandestinas.

Porém, ao que consta dos autos, máxime pelo depoimento prestado pelo então Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares, a participação de José Marilson da Silva não se restringiu apenas a desenvolver e a comercializar o Sistema Sentinela com a organização criminosa, e, sim, em princípio, ele integrava o próprio grupo.

Seu papel não era meramente secundário, de coadjuvante, até mesmo porque o Cel. PM Lesco disse ao Ten.-Cel. Soares que “o equipamento WYTRON estaria guardado com o MARILSON, ex-sócio proprietário da empresa SIMPLES IP”.

Além disso, há documento que comprova que o rack do Sistema Sentinela – cujo paradeiro, até o presente momento, é desconhecido – foi retirado da empresa Titânia justamente por José Marilson da Silva, havendo fortes indícios de que a parafernália esteja sob sua responsabilidade.

Não bastassem tais fatos, a autoridade policial relatou que há indícios de que José Marilson da Silva tem frequentado a Secretaria de Estado de Segurança Pública, o que corrobora sua provável ligação com o grupo criminoso.

Por fim, temos a participação da advogada Samira Martins.

Na primeira inquirição do Ten.-Cel. Soares, a participação de Samira Martins não ficou evidenciada de modo iniludível, porquanto ela somente abordou o Escrivão do IPM com os seguintes dizeres: “você é amigo do LESCO, né? A gente sabe o que você fez”.

Apesar de o Ten.-Cel. PM Soares ter afirmado que “ela estava falando que sabia de tudo, de sua dependência química, da situação o envolvendo na empresa e até da gravação”, isto é, “parecendo estar querendo dizer ao depoente que era do mesmo ‘grupo’, que ele poderia confiar nela”, não há elemento suficiente, até este instante, a demonstrar seu envolvimento com a organização, não a ponto de se tomar contra ela medidas cautelares drásticas, como prisão, por exemplo.

Com o avançar das investigações, constatou-se que Samira Martins, ao que parece, possui estreita – para não se dizer estreitíssima – ligação com Helen Christy Carvalho Dias Lesco [esposa do Cel. PM Lesco e também investigada no presente inquérito policial], tanto que a acompanhou até à residência do Ten.-Cel. Soares no domingo à noite [17/9/2017], chegando a emprestar seu aparelho celular para que Helen pudesse conversar com o Escrivão do IPM.

Segundo asseverado pelo Ten.-Cel. Soares, em seu segundo depoimento, a investigada Helen, sob o pretexto de saber se havia esquecido o celular no seu carro, dirigiu-se até à residência dele. Antes, porém, a advogada Samira, do celular dela, ligou ao depoente, conforme depreende deste trecho da sua narrativa:

Testemunha: Saindo de lá passei, fui pegar alguma coisa para comer, porque eu não comi muito bem, até fiquei com receio. Então eu não comi muito bem, então eu passei no Japidinho e peguei, fiz um prato e fui comer em casa. Por volta das, senão me engano, se não me falha a memória, tá tudo no celular, porque tem todas as ligações que eu recebo, tem todas as mensagens que eu recebo, inclusive que eu recebi também, mostrei, tudo mais, ela [Helen] fala que o celular dela ficou no meu carro. Não é ela que me liga. Quem me liga é a doutora Samira. Ela manda mensagem, e liga via WhatsApp, se não me engano, tá tudo no celular.

Ela fala que o celular da Helen provavelmente estava no meu carro. Eu falei, meu carro tá aqui, vou dar uma olhada e retorno.

Delegada: Mas seria possível o celular dela ter ficado lá? Ela entrou no seu carro?

Testemunha: Não, porque ela não entrou no meu carro, eu entrei no carro dela. Segundo depois, lá em casa já ela fala que provavelmente ficou na, eu estava portando uma bolsa térmica, eu levei minha bebida, uma cerveja né.

Então, neste momento, voltando um pouco no diálogo com a doutora Samira, ela pergunta, isso já deduzi que ela estivesse já com a Helen, porque a Helen também manda um áudio pelo WhatsApp da Doutora Samira, falando de que não conseguiu encontrar minha casa, que me ajudasse, que ajudasse Helen a encontrar minha casa, porque ela queria ver se o celular dela havia ficado no meu carro. Eu prontamente franqueei a entrada da Helen em casa.

Delegado: A doutora Samira entrou também?

Testemunha: Não, a doutora Samira permaneceu no carro”.

A despeito do “apoio” prestado pela advogada Samira Martins à sua amiga Helen, e em que pese ela ter conhecimento da situação do Ten.-Cel. Soares, estas circunstâncias, por si sós, não demonstram, efetivamente, sua concreta ligação com a organização criminosa que se formou.

Obviamente que, com o decorrer das investigações, surgindo novos fatos, esta conclusão poderá ser modificada.

Porém, pelo menos por ora, não vejo elementos hábeis a confirmar o envolvimento de Samira Martins com a organização criminosa, salvo, repito, sua amizade íntima com a investigada Helen.

De outro giro, sobejam provas e indícios da autoria e/ou participação dos demais envolvidos no enredo criminoso, especialmente a do atual Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso, Rogers Elizandro Jarbas, do Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, do ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, Paulo Cesar Zamar Taques, do ex-Secretário-Chefe da Casa Militar, Cel. PM Evandro Alexandro Ferraz Lesco, de sua esposa Helen Christy Carvalho Dias Lesco, do advogado Marciano Xavier das Neves, do 2º Sgt. PM João Ricardo Soler, do Major Michel Ferronato, e do empresário José Marilson da Silva.

Resta ainda confirmar possível participação de membro[s] do Ministério Público, que, por certo, será apurado pelo próprio órgão, conforme dispõe nossa Lei de regência, segundo a qual “quando no curso da investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração” [Lei n. 8625/93, art. 41, parágrafo único, e Lei Complementar Estadual n. 27/1993, art. 76, parágrafo único].

Importante destacar que, em termos de medidas cautelares, não se exige prova segura e inconteste de dúvidas quanto à autoria do[s] delito[s], contentando-se a lei com simples indícios, não da ordem daqueles referidos no artigo 239 do CPP.

Sobre o tema, ninguém tratou melhor a questão do que Odone Sanguiné, que colocou no mercado uma das melhores obras sobre prisão cautelar, ad verbum:

“A expressão ‘indício suficiente de autoria’ contida no art. 312 do CPP possui significado técnico diverso do conceito de ‘indícios’ pertencente à concepção clássica da prova, como prova indiciária lógica ou indireta contida no art. 239 do CPP (que indica o procedimento lógico mediante o qual de um fato conhecido se deduz a existência de um fato a provar mediante a aplicação de máximas de experiência ou leis científicas), não exigindo a univocidade e a convergência, ou seja, a pluralidade dos dados indiciários, mas somente a gravidade de qualquer fonte de prova que possua um significado de ‘culpabilidade provável’. A nota comum aos dois conceitos de indícios é a imperfeição, embora de natureza diversa. Enquanto os indícios como prova indireta podem desempenhar as funções somente se ‘completados’ mediante uma operação lógica consistente em combinar os dados indiciários com outros dados da mesma espécie, o ‘indício’ cogitado para formar o fumus commissi delicti é ‘incompleto’ em uma sentido diverso: não pode ser considerado prova porque formado de maneira unilateral, sem observar a oralidade, faltando uma operação jurídica de formação da prova no contraditório. Trata-se, portanto, de incompletude somente na perspectiva do juízo de culpabilidade. A expressão ‘indício suficiente de autoria’ significa um elemento cognoscitivo de natureza lógica adquirido durante a investigação no sentido de prova incompleta ou semiplena da autoria, prova leve com menor valor persuasivo, ainda em evolução à espera de receber uma confirmação plena por meio do contraditório e suscetíveis de acrescentar-se e modificar-se com a aportação de posteriores informações que estimulam a contínua verificação da capacidade acusatória de resistir à hipóteses alternativas. A expressão significa, assim, um quantum (ou standard) de prova que serve para legitimar a medida cautelar. Com base nele, o juiz deve formular um juízo prognóstico delibatório funcional concernente não à certeza, nem à mera possibilidade, mas à probabilidade (elevado grau de credibilidade) da autoria ou participação criminal e razoabilidade de culpabilidade e consequente condenação.

Destarte, o legislador utiliza a expressão ‘indício suficiente de autoria’ aos efeitos de decretar a prisão preventiva com relação a elementos cognoscitivos de natureza diversa, de per si idôneos a concretizar somente uma situação de fumus commissi delicti, mas não dotados de eficácia probatória plena, tendo em conta também a fase do procedimento em que são valorados e, todavia, potencialmente suscetíveis de desenvolver-se em verdadeira e própria prova. Assim, ‘indício’ significa aqui uma probatio minor incompleta ou provisória, pois obtida durante a fase de investigação preliminar, indicando um prognóstico ou grau de probabilidade suficiente para considerar subsistente o fumus commissi delicti, mas inidôneo para justificar uma plena afirmação de responsabilidade, seja pela ‘qualidade inferior’ àquela que é necessária para uma sentença condenatória sobre a culpabilidade do imputado, seja em relação ao ‘momento cronológico’ no qual se aplicam as medidas cautelares pessoais. Em suma, trata-se de manter separado no plano lógico dois estados epistemológicos: juízo de certeza necessário para condenar e juízo de probabilidade de culpabilidade como suporte das medidas cautelares pessoais.

O indício como pressuposto para a aplicação da prisão provisória altera a própria função, porque serve como um instrumento cognitivo de eficácia provisória, dirigido a satisfazer exigências conexas ao desenvolvimento do processo penal, e não à fixação do fato objeto do mesmo, de maneira que não se pode aprioristicamente saber se, no âmbito do processo cautelar, a sua utilização será para a verificação da res iudicata.

Não há necessidade de pluralidade de indícios. Basta um único indício ou elemento probatório de gravidade suficiente para legitimar a decretação da prisão cautelar. Não obstante, a suficiência ou gravidade do indício exige uma valoração global de todos os elementos coligidos, de modo que é inadmissível uma valoração fracionada e atomística da pluralidade de elementos indiciários obtidos” [Prisão Cautelar, Medidas Alternativas e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 121/123].

Com base em tais razões, podemos afirmar, com segurança, que estão presentes a prova da materialidade e indícios suficientes de autoria em relação a vários tipos penais distintos, a saber: corrupção ativa [art. 333, CP], com pena de dois a doze anos de reclusão e multa; coação no curso do processo [art. 344, CP], que prevê a reprimenda de um a quatro anos de reclusão e multa; integrar organização criminosa [art. 2º, Lei n. 12.850/2012], com pena de três a oito anos de reclusão; embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa [art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/2013], com pena de três a oito anos de reclusão; e do delito de prevaricação [art. 319, CP], cuja pena é de três meses a um ano de detenção; e de denunciação caluniosa, em sua modalidade tentada [art. 339, c.c. art. 14, inciso II, ambos do CP], com reprimenda de dois a oito anos de reclusão.  

Some-se a isso, a prática do delito de violação do segredo profissional cometido, em tese, por Paulo César Zamar Taques, cuja apuração está condicionada à representação [art. 154, CP], configurando, assim, o pressuposto do fumus commissi delicti.

Apenas a título de informação, somente pelos crimes acima mencionados, os representados podem sofrer reprimenda de trinta e sete anos e quatro meses de reclusão e um ano de detenção.

Passo, agora, à análise do periculum libertatis.

A autoridade policial justificou a imprescindibilidade da custódia cautelar para garantia da ordem pública e para conveniência da instrução criminal.

DA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA

A expressão ordem pública, tendo caráter aberto e indeterminado, tem se prestado às mais diversas e disparatadas interpretações.

A pouca compreensão do conteúdo jurídico do que seja “ordem pública” tem levado juízes e tribunais a desnaturar a finalidade da prisão, que não é outra senão “evitar a prática de infrações penais” [CPP, art. 282, IV].

Sobre o tema, desponta, como doutrinador de primeira ordem, Gustavo Henrique Badaró, que o abordou nestes termos:

“A prisão para garantia da ordem pública não tem a finalidade de assegurar a ‘instrução criminal’ nem a ‘aplicação da lei penal’, até mesmo porque tais escopos são expressamente previstos no próprio caput do art. 312, ao lado da garantia da ordem pública. Portanto, a única interpretação que, de maneira menos imperfeita, poderia compartilhar o art. 282, caput, I, com o caput do art. 312 é considerar que a prisão preventiva para ‘garantia da ordem pública’ representa um dos ‘casos expressamente previstos’ em que a medida, por exemplo, a prisão, é decretada para evitar a prática de infrações penais. Ou seja, mesmo para aqueles que admitem a constitucionalidade da prisão para garantia da ordem pública, sua aplicação tem que ficar restrita aos casos em que se busca evitar a reiteração criminosa” [Processo Penal, Ed. RT, 2015, p. 979/981].

Reputo, ainda, conveniente trazer à baila o pensamento de outros doutrinadores, a respeito do conceito de ordem pública.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

“A garantia da ordem pública é a hipótese de interceptação mais ampla e flexível na avaliação da necessidade da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.

A garantia da ordem pública pode ser visualizada por vários fatores dentre os quais: gravidade concreta da infração + repercussão geral + periculosidade do agente. Um simples estelionato, por exemplo, cometido por pessoa primária, sem antecedentes, não justifica histeria, nem abalo à ordem, mas um latrocínio repercute negativamente no seio social, demonstrando que as pessoas honestas podem ser atingidas, a qualquer tempo, pela perda da vida, diante de um agente interessado no seu patrimônio, elementos geradores, por certo, de intranquilidade.

Nota-se, ainda, que a afetação da ordem pública constitui importante ponto para a própria credibilidade do Judiciário, como vêm decidindo os tribunais pátrios. Apura-se o abalo à ordem pública também, mas não somente, pela divulgação que o delito alcança nos meios de comunicação – escrito ou falado. Não se trata de dar crédito único ao sensacionalismo de certos órgãos da imprensa, interessados em vender jornais, revistas, ou chamar audiência para seus programas, mas não é menos correto afirmar que o juiz, como outra pessoa qualquer, toma conhecimento dos fatos dia a dia acompanhando as notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação. Por isso é preciso apenas bom senso para distinguir quando há estardalhaço indevido sobre um determinado crime, inexistindo abalo real à ordem pública, da situação de divulgação real da intranquilidade da população, após o cometimento de grave infração penal. Outro fator responsável pela repercussão social que a prática de um crime adquire é a periculosidade (probabilidade de tornar a cometer delitos) demonstrada pelo indiciado ou réu e apurada pela análise de seus antecedentes pela maneira de execução do crime. Assim, é indiscutível que pode ser decretada a prisão preventiva daquele que ostenta, por exemplo, péssimos antecedentes, associando a isso a crueldade particular com que executou o crime. Em suma, um delito grave – normalmente são todos os que envolvem violência ou grave ameaça à pessoa – associado à repercussão causada em sociedade, gerando intranquilidade, além de se estar diante de uma pessoa reincidente ou com péssimos antecedentes, provoca um quadro legitimador da prisão preventiva. Mas não se pode pensar nessa medida exclusivamente com união necessária do trinômio aventado. Por vezes, pessoa primária, sem qualquer antecedente, pode ter sua preventiva decretada porque cometeu delito muito grave, chocando a opinião pública (ex.: planejar meticulosamente e executar o assassinato dos pais). Logo, a despeito de não apresentar periculosidade (nunca cometeu crime e, com grande probabilidade, não tornará a praticar outras infrações penais), gerou enorme sentimento de repulsa por ferir as regras éticas mínimas de convivência, atentando contra os próprios genitores. A não decretação da prisão pode representar malfadada sensação de impunidade, incentivadora da violência e da prática de crimes em geral, razão pela qual a medida cautelar pode tornar-se indispensável. Outros dois elementos, que vêm sendo considerados pela jurisprudência, atualmente, dizem respeito à particular execução do crime (ex.: premeditados meticulosamente, com percurso criminoso complexo; utilização da extrema crueldade etc.) e o envolvimento com organização criminosa. Portanto, cabe ao juiz verificar todos os pontos de afetação da ordem pública, buscando encontrar, pelo menos, um binômio para a sua decretação (ex.: gravidade concreta do crime + péssimos antecedentes do réu; envolvimento com organização criminosa + repercussão social; particular execução do delito + gravidade concreta da infração penal etc.)” [Manual de Processo Penal e Execução Penal, Forense, 2014, 11ª ed., fls. 553/555].

Outro não é o posicionamento de Paulo Rangel:

“Por ordem pública, devem-se entender a paz e a tranquilidade social, que devem existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais.

Ordem pública não é conceito vago. A vagueza, muitas vezes, está na decisão e não no conceito de ordem pública. Quando o juiz diz que 'decreta a prisão para a garantia da ordem pública', a vagueza e a imprecisão não estão no conceito de ordem pública, mas na decisão do magistrado que não demonstra onde a ordem pública está ameaçada e agredida com a liberdade do acusado. Não pode haver paz e ordem possíveis em um Estado de Direito se o acusado, meliante contumaz, continuar livre cometendo crimes e desafiando a paz a que todos têm direito. Não há, em nosso sentir, inconstitucionalidade na expressão 'ordem pública'. Em nenhum país civilizado o réu que ameaça a ordem pública permanece solto. Muito pelo contrário. O CPP português, por exemplo, autoriza a medida de coação se houver 'fuga ou perigo de fuga; perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa ' (art. 204)” [Direito Processual Penal, Atlas, 2013, 21ª ed., fl. 796].

E, por fim, cito, ainda, doutrina de Heráclito Antônio Mossim:

“Ordem pública é a paz, a tranquilidade no meio social. Assim, a prisão preventiva deve ser decretada para garantir a paz coletiva. São exemplos alusivos a essa hipótese quando o indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações penais; se estiver fazendo apologia ao crime; reunindo-se em quadrilha ou bando. Por outro lado, não caracteriza a situação sublinhada quando estiver o indiciado ou réu ameaçado por familiares da vítima, pela própria vítima, pela população. Assim, ao invés de decretar a prisão preventiva do autor do fato punível, é dever do Estado dar-lhe proteção. A garantia da ordem pública, por não guardar nenhum interesse de ordem processual, não deveria constituir-se em hipótese autorizadora dessa medida cautelar. A função da coação nessa circunstância somente atende ao interesse coletivo e jamais processual, uma vez que em nada interferirá quanto à eficácia do resultado final do processo penal de natureza condenatória. Doutrinando a respeito da matéria enfocada, Jose Frederico Marques defende a pertinência da prisão preventiva na seguinte construção mental: 'Desde que a permanência do réu, livre ou solto, possa dar motivo a novos crimes, ou cause repercussão danosa e prejudicial ao meio social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva como garantia da ordem pública. Nessa hipótese a prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar, constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira medida de segurança. A potesta coercendi do Estado atua, então, para tutelar não mais o processo condenatório a que está instrumentalmente conexa, e sim, como fala o texto do art. 312, a própria ordem pública. No caso, o periculum in mora deriva dos prováveis danos que a liberdade do réu possa causar – com a dilação do desfecho do processo – dentro da vida social e em relação aos bens jurídicos que o Direito Penal tutela'” [Comentários ao Código de Processo Penal, Manole, 2005, fl. 626].

Em suma: a decretação da prisão preventiva, para garantia da ordem pública, exige, precipuamente, a presença de elementos concretos de que os investigados, em liberdade, voltarão a delinquir.

Colho da jurisprudência:

“[...] 2. O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem da cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social. 3. É certo que, para condenar penalmente alguém, o órgão julgador tem de olhar para trás e ver em que medida os fatos delituosos e suas coordenadas dão conta da culpabilidade do acusado. Já no tocante à decretação da prisão preventiva, se também é certo que o juiz valora esses mesmos fatos e vetores, ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente. Não propriamente da culpabilidade. Logo, o quantum da pena está para a culpabilidade do agente assim como o decreto de prisão preventiva está para a periculosidade, pois é tal periculosidade que pode colocar em risco o meio social quanto à possibilidade de reiteração delitiva (cuidando-se, claro, de prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública). 4. Na concreta situação dos autos, o fundamento da garantia da ordem pública, tal como lançado, basta para validamente sustentar a prisão processual do paciente. Prisão que se lastreia no concreto risco de reiteração criminosa. Pelo que não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem pública se o caso em análise evidencia a necessidade de acautelamento do meio social quanto àquele risco da reiteração delitiva. Situação que atende à finalidade do art. 312 do CPP. 5. Não há que se falar em inidoneidade do decreto de prisão, se este embasa a custódia cautelar a partir do contexto empírico da causa. Contexto revelador da incomum gravidade da conduta protagonizada pelo paciente, caracterizada pela exacerbação de meios. A evidenciar, portanto, periculosidade envolta em atmosfera de concreta probabilidade de sua reiteração; até mesmo pela consideração de que o paciente já foi condenado definitivamente por outro crime de roubo. Precedentes: HCs 92.735, da relatoria do ministro Cezar Peluso; 96.977, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; 96.579 e 98.143, da relatoria da ministra Ellen Gracie; bem como 85.248, 98.928 e 94.838-AgR, da minha relatoria. 6. Em suma, sempre que a maneira da perpetração do delito revelar de pronto a extrema periculosidade do agente, abre-se ao decreto prisional a possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o modus operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública. Precedentes: HCs 93.012 e 90.413, da relatoria dos ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, respectivamente. 7. Ordem denegada. [STF, HC 104877, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe-116 DIVULG 16-06-2011 PUBLIC 17-06-2011 EMENT VOL-02546-01 PP-00168].

No caso dos autos, dúvidas não há quanto à imprescindibilidade da prisão cautelar para garantia da ordem pública.

Não se pode menosprezar o poderio do grupo criminoso formado, em sua grande maioria, por autoridades pertencentes à alta cúpula do Governo do Estado de Mato Grosso, e responsável por arregimentar policiais, advogado, membro ou membros do Ministério Público Estadual, dentre outros participantes, diuturnamente desvendados com o andamento das investigações, não sendo possível, neste momento, conjeturar, com precisão, a extensão da ramificação ou das ramificações da suposta organização criminosa.

Contudo, o que não se discute, é a desfaçatez, a ousadia com a qual a provável organização criminosa vem agindo, que chegou ao absurdo de aliciar servidor público, no caso, o Escrivão do IPM, cooptando-o para obtenção de favores, informações e provas indevidas, mediante coação e suborno.

E o pior de tudo isso.

A atitude do grupo criminoso de exigir dele a obtenção de gravações, inclusive visual, com o propósito de suscitar minha suspeição nos inquéritos policiais instaurados, assim como na ação penal deflagrada, demonstra, indene de dúvidas, atrevimento e destemor, indicativo da periculosidade dos seus integrantes.

Não podemos olvidar, ainda, que dois dos membros da provável organização criminosa, a saber, Paulo Cesar Zamar Taques e Cel. Evandro Alexandre Ferraz Lesco, já estiveram presos provisoriamente em outros inquéritos policiais, e mesmo depois de colocados em liberdade, continuaram, em tese, a praticar infrações penais, demonstrando, com tais comportamentos, que possuem personalidades distorcidas e voltadas a cometimento reiterados de delitos.

Vale destacar, ainda, que nem mesmo estando em prisão domiciliar, o Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco deixou, ao que tudo indica, de praticar infrações penais em prol do grupo, demonstrando, nitidamente, propensão à prática de atos criminosos.

A firme vigilância e severas restrições que se impôs a ele – com a fixação de diversas medidas cautelares – não arrefeceu o ânimo criminoso.

Como colega de turma do Ten.-Cel. Soares, não se enrubesceu em colocá-lo como ponta de lança na façanha criminosa arquitetada.

Quando ainda recolhido no cárcere da Polícia Militar, usou sua esposa, Helen Christy Carvalho Dias Lesco, para desencadeamento do plano infernal.

E teve ela papel relevantíssimo na construção da perversa armadilha. Foi obreira do mal urdido.

No que tange ao investigado Paulo Cesar Zamar Taques, sua participação na organização criminosa é ainda agravada porque vem se valendo de segredos que lhe foram confiados em razão de sua profissão, em benefício próprio, bem como em favor do grupo criminoso formado, e do qual, tudo leva a crer, faça parte.

Este fato, aliás, foi muito bem retratado pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, em seu substancioso depoimento, que vale repetir:

“QUE esclarece que no ano de 2015, o depoente teve como Advogado o Dr. PAULO TAQUES em uma ação de reconhecimento de sociedade de fato e dissolução sobre uma empresa, ação essa que movia contra o seu irmão, IVAN COSTA SOARES; QUE o depoente, na ocasião, confidenciou ao Dr. PAULO TAQUES que era dependente químico, pois achava que isso poderia prejudicá-lo na ação e até porque lhe implicar em crime militar, o que lhe prejudicaria em sua carreira; QUE, o depoente esclarece que administrava a empresa, o que é proibido pelo Código Militar; QUE o depoente está contando isso porque acredita que o próprio PAULO TAQUES pode ter levado essa situação de sua dependência química e a administração da empresa ao tal ‘grupo’, conforme acima dito e revelado pela HELEN e o CEL. PM LESCO, mesmo porque o depoente não conhece ninguém na polícia militar que sabia, ou sabe, dessas situações, o que reforça sua suspeita”.

Embora não haja prova direta de que foi Paulo Taques quem repassou ao grupo segredos recebidos na sua profissão de advogado, é alta a probabilidade de eles terem sido por ele revelados.

Já o disse aliunde.

Nesse ponto, a testemunha é enfática em asseverar que ninguém, especialmente na Polícia Militar [e na Secretaria de Segurança Pública, por óbvio], sabia de seus pecados morais e profissionais.

Em termos de prisão preventiva, o juiz não trabalha com certezas, mas com probabilidades, que é mais do que a mera possibilidade e menos que a certeza, esta exigida apenas para juízo condenatório.

E há mesmo, repito, grandes probabilidades de que as transgressões do Ten.-Cel. Soares, os seus erros e faltas, foram desvelados pelo correr do reposteiro que guarda segredos profissionais.

Fossem eles do conhecimento da Segurança Pública – e assim reconhece a testemunha – já teria sido, há tempos, punido exemplarmente, uma vez que não se trata de pecados tolerados em certas profissões.

Mais interessante foi o uso dos segredos tão logo foi nomeado Escrivão do IPM.

Não pode haver coincidência nesse caso. Aliás, nem tudo pode ser levado e considerado em nível de coincidência.

Assim, se afigura forte a probabilidade do investigado Paulo Taques haver repassado ao grupo os segredos recolhidos no tribunal de penitência dos advogados.

Se não agiu diretamente na coação do Ten.-Cel. Soares, provavelmente foi quem carregou e forneceu o fuzil que abateria até gigantes.

Destarte, são fortes os indícios de que o investigado Paulo Taques, faça parte da organização criminosa, assim conceituada nos termos da Lei:

“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional” [Lei n. 12850/2013, art. 1º, § 1º].

E nem se diga que a ligação de Paulo Taques com o ficto Núcleo de Inteligência é mera ilação ou conjectura, desprovida de plausibilidade.

Muito pelo contrário.

Embora repetitivo, reafirmo a altíssima probabilidade da existência de elos entre Paulo Taques com a refalsado Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, usado na implantação – com aparência de legalidade –, de escutas telefônicas de sua ex-amante Tatiane Sangalli Padilha, de advogados [que atuaram em situações opostas a ele nas eleições de 2014], de jornalista e parlamentar que faziam ferrenhas e ardentes críticas ao Governo, quando ocupou o poderosíssimo cargo de Chefe da Casa Civil.

Não, não pode ser mera coincidência o aparecimento dos mesmos nomes que insistiu colocar sob escuta na situação envolvida nas Operações Forti e Querubim.

Estou a me referir, evidentemente, a Tatiane Sangalli e o jornalista José Marcondes dos Santos Neto, conhecido por Muvuca.

Quanto aos advogados José Antônio Rosa e José do Patrocínio, trabalharam eles para Janete Riva e Lúdio Cabral, respectivamente, adversários do candidato José Pedro Taques, para quem o representado Paulo Taques prestou serviços na campanha eleitoral de 2014.

E torno a asseverar: coincidentemente ou não, o único advogado – dos principais candidatos ao Governo do Estado – que trabalhou na campanha eleitoral de 2014 e que não foi interceptado, foi, justamente, Paulo Taques, razão pela qual é fácil concluir indícios de sua ligação com o grupo criminoso instalado para realização de grampos ilegais.

Há ainda um elemento a ser colocado na balança, e que não pode ser desprezado: os fortes laços que o irmana ao Cel. Zaqueu e ao Cel. Siqueira, de sabença pública e notória.

Verdade é que circunstâncias indicam que não estamos diante de mera reunião de pessoas para a prática de crimes, mas, provavelmente, de uma organização muito bem articulada, inclusive com aporte financeiro considerável, pois, segundo levantamento feito pelo Encarregado do IPM, o investimento inicial foi de R$ 24.000,00 [vinte e quatro mil reais], que, acrescentadas as despesas de aluguel [R$ 1.500,00], luz, água, telefone, internet e o “colocation” [R$ 1.000,00], fora as despesas com combustível, viaturas e efetivo, chega-se a um valor considerável, não se sabendo ao certo quem era o principal mantenedor.

Seria apenas o Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco? Ao que tudo indica não, uma vez que este adquiriu o Sistema Sentinela e ajudou a pagar o aluguel do imóvel, ou seja, ele arcou com parte das despesas, mas não sua totalidade.

Certa é a existência latente de risco real de reiteração delitiva, até porque – ao que se descortinou até o presente momento –, os fatos criminosos vêm se sucedendo na linha do tempo, o que indica a alta probabilidade de o grupo, pelo poder [inclusive, hierárquico], continuar com os grampos ilegais, máxime porque, repita-se à exaustão, não se localizou a parafernália que os instrumentalizava.

Destarte, há sérios e fundados indícios de que Paulo Taques tenha participação incisiva no grupo criminoso formado, inclusive sendo um [ou, quiçá, o mais importante] de seus mantenedores.

Não menos grave, ou de somenos importância, é a participação dos demais envolvidos na trama delituosa.

Conforme algures salientado, a investigada Helen Christy Carvalho Dias Lesco e o advogado Marciano Xavier das Neves tiveram papel determinante no sucesso da empreitada delituosa, pois ela foi a responsável por cabalar o Escrivão do IPM para atuar em prol dos interesses da organização criminosa, enquanto o causídico Marciano não apenas serviu de ponte entre Helen e o Ten.-Cel. PM Soares, como também recebeu o conteúdo gravado em uma reunião realizada em meu gabinete, ilegalmente captado pelo aludido militar.

Enfatize-se que a investigada Helen Christy Carvalho Dias Lesco assumiu o protagonismo com a prisão de seu marido, o Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, não só no sentido de cooptar e de ameaçar o Escrivão do Inquérito Policial Militar, Ten.-Cel. Soares, como, também, de orquestrar o plano, e dirigindo as reuniões em sua residência, no período de recolhimento de seu cônjuge.

Não custa lembrar que o arquivo da reunião gravada pelo Ten.-Cel. Soares, em meu Gabinete, foi entregue para o advogado Marciano Xavier das Neves, cujo encontro ocorreu, justamente, na residência de Helen Lesco, contando, por óbvio, com sua participação. 

Por esta razão, é expressiva a probabilidade [e não mera possibilidade] de que, em liberdade, a investigada Helen Christy Carvalho Dias Lesco continuará agindo em prol do grupo, inclusive, mediante a prática de infrações penais, ou no intuito de prejudicar as investigações policiais.

Digno de elogio é a coragem e o desprendimento de Helen Lesco em trabalhar em prol do grupo, chegando ao ponto de se dirigir até à residência do Ten.-Cel. Soares, altas horas da noite, para recuperar dois celulares que ele havia surrupiado, momentos antes, de sua residência, conforme narrado em sua terceira inquirição:

“[...] momentos depois a Helen fala que está procurando a casa, depois que eu ouço o áudio ela fala que está sendo perseguida, ela entra e eu fico pensando naquele momento: ‘eu entrego ou não entrego, o que eu faço agora?’

Eu tava sob, realmente, ali perigo de acontecer alguma coisa com meu filho, a ameaça que ele fez me deixou numa situação muito complicada, então quando ela vem de frente para mim, eu abro o portão, ela se encontra comigo, eu já mostro que está na parte do carro, na parte do banco do passageiro né, tem aquele, onde você coloca as coisas. Ela pega e coloca no short, e, pergunta se por acaso eu não peguei mais nada por engano, em tom irônico”. 

  Não bastasse sua atuação ativa em benefício do grupo criminoso, em determinado momento da conversa gravada entre o Ten.-     -Cel. Soares e o Cel. Lesco, este assevera de modo insofismável que Helen tem conhecimento de tudo que se passa, apesar de ela não gostar de tocar neste assunto:

“Cel. Lesco: Não sei, mas é um assunto...

Ten.-Cel. Soares: Aí transcende a nossa, a nossa, o nosso entendimento, né?

Cel. Lesco: É assunto tenso... a minha Preta (Helen Christy) fica zangada, ela não gosta de ficar zangada...

Ten.-Cel. Soares: Não, hein, oh, não fica zangada não (Soares falando para Helen).

Helen: Eu não gosto desse assunto, eu fico nervosa”.

No dizente aos atuais Secretários de Estado de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, e de Justiça e Direitos Humanos, Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, a prisão se patenteia imprescindível para garantia da ordem pública, pois, permanecendo no exercício dos seus cargos, por certo continuarão a praticar os mesmos e outros delitos.

“A necessidade combina os homens e os reúne” (Montaigne).

Não é por outra razão a preocupação do grupo com uma provável prisão do Cel. PM Siqueira, que, como já salientado algures, precisa livrar-se solto para atuar em favor dos integrantes que estão com a liberdade de locomoção cerceada ou limitada, conforme seguinte passagem, que torno reproduzir:

“QUE LESCO perguntou sobre a prisão do CEL SIQUEIRA; QUE também LESCO solicitou que não houvesse novos indiciamentos, que dizia que isso iria ‘fragilizar o grupo’; QUE o depoente disse que o CEL CATARINO havia pedido para começar a fazer essa representação de prisão, tendo LESCO dito que essa prisão não poderia ocorrer de forma alguma; QUE dizia: ‘faça o que tiver que ser feito, mas não deixe acontecer’ [...]; QUE o depoente se recorda que, em uma das conversas que teve com o CEL. LESCO, ele deixou bem claro que não poderia sair a prisão do CEL. PM SIQUEIRA, que o depoente deveria fazer o que pudesse para evitar essa prisão, dando a entender que o CEL. SIQUEIRA também fazia parte do grupo [...]”.

A toda a evidência, a expressão “enfraquecer o grupo” somente pode ser compreendida como perda do poder, da influência exercida pelo Cel. PM Siqueira, que, como Secretário de Estado, diretamente ligado ao Governador do Estado, teria toda liberdade e poder para determinar os rumos da organização criminosa, blindando-a de possíveis represálias que possam vir a sofrer, inclusive, a partir de investigações policiais.

A propósito, pelo que se extraem dos documentos encartados aos autos, o Cel. PM Siqueira incorporou o cargo ostentado, chegando a dizer, em determinada situação, que, por “ser” do Governo, estaria imune a qualquer tipo de penalidade ou de represália, consoante se infere do depoimento prestado pelo Ten.-Cel. Aluísio Metelo Júnior:

“QUE com relação ao noticiado na imprensa de Barra do Garças referente a uma notícia onde ‘DOIS OFICIAIS DE ALTA PATENTE DA POLÍCIA MILITAR TERIA SE ESTRANHADO’, esclarece que o fato ocorreu entre CEL. AIRTON SIQUEIRA e o depoente [...] QUE CEL. SIQUEIRA insistia em dizer que o depoente deveria procurar seu irmão e conversar para que eles alinhassem os depoimentos, pois temia que essa investigação [Lucas do Rio Verde] pudesse não acabar bem; QUE o depoente pedia para ele se afastar pois CEL. SIQUEIRA conversava de forma próxima ao depoente; QUE o depoente insistia que não tinha conhecimento dos fatos e que não iria se envolver; QUE o CEL SIQUEIRA começou a se exaltar dizendo: ‘a gente vai se dar mal nessa história, mas eu sou do Governo e vocês vão quebrar a cara’; QUE o depoente respondeu que também fazia parte do Governo, e que não estava entendendo o que ele estava dizendo com ‘EU SOU DO GOVERNO’; Que neste momento o depoente percebendo que o CEL. SIQUEIRA estava se exaltando, pediu para que ele ligasse diretamente para seu irmão quando o mesmo respondeu que ‘VOCÊ NÃO ESTÁ ENTENDENDO, EU ESTOU NO GOVERNO, É ELE QUEM DEVE ME PROCURAR, SENÃO EU VOU FUDER ELE [...]” [doc. 5].

Não pertencesse ele ao grupo, por certo que não haveria tamanha preocupação em livrá-lo até do indiciamento no IPM.

Percebe-se que a posição ocupada pelo Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior é estratégica para o sucesso da organização criminosa, uma vez que está à frente de uma das principais pastas do alto escalão do Governo do Estado, no caso, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

Seria mesmo trágico para o grupo que a Justiça manietasse o Cel. PM Siqueira, o que provavelmente impossibilitaria ou dificultaria as suas ações, inclusive aquelas relacionadas à obstrução da justiça.

Daí a importância e a preocupação que continuasse, a qualquer custo, em liberdade.

Afinal, por que tamanha preocupação – que o grupo demonstrava – com a possibilidade do seu indiciamento ou prisão?

Tudo indica mesmo que o grupo criminoso tem buscado utilizar todo tipo de artifício para evitar a aplicação de qualquer medida contrária aos interesses do Secretário de Estado de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas.

Tanto é que foi designado um de seus homens de confiança, no caso, o Major PM Michel Ferronato, assessor da Secretaria Adjunta de Inteligência e responsável pela Escola Superior de Inteligência de Mato Grosso (Esimat), para arregimentar o Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, a fim de que este atuasse em prol dos interesses de Rogers Elizandro Jarbas, repassando-lhe informações sigilosas, além de provas que pudessem me comprometer, afiançando-lhe, em troca, sua promoção para o coronelato. Prontificaram até dar-lhe garantias do prêmio.

Apenas usaram de outra artimanha, igualmente deplorável: a corrupção.

Ao invés da coação, ofereceram-lhe, como recompensa da deslealdade e traição, o posto de coronel.

Vale consignar, ainda, porque importante e necessário, que tão próximas são as relações entre o Secretário Rogers Elizandro Jarbas e o Major Ferronato, que este foi arrolado como sua testemunha na exceção de suspeição que levantou contra a Delegada Ana Cristina Feldner, já rejeitada por este juízo diante da sua manifesta improcedência.

Relembro ainda a informação do Cel. Lesco, no sentido de que “o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria determinar que alguém o procurasse, e que era para o depoente [Ten.-Cel. Soares] ser bastante solícito e atender as orientações que fosse recebidas”.

O intermediador não foi outro senão o Major PM Ferronato, que, já seguindo seus passos, o abordou na PEIXARIA LÉLIS – que costuma frequentar –, quando o convidou para uma caminhada, no dia seguinte, no Parque Mãe Bonifácia, consoante asseverado pelo Ten.-    -Cel. Soares, em sua terceira inquirição:

“A minha rotina diária era, antes de pegar meu filho na escola, por volta de umas sete horas, ficar ali na Lélis, na parte externa, quem passasse ali na frente poderia me ver. De costume sempre ficava ali na frente da Lélis, esperando meu filho sair da escola, que ele saí da escola ia para academia, por volta de oito e meia ele estava pronto, pegava na escola ou na academia e levava para casa. Era minha rotina diária, essa era minha rotina. Não todos os dias eu ia lá, mas com frequência, quase todos os dias da semana, essa era minha rotina.

Nesse dia, se não me engano, o encontro que eu tive com o Maj. Ferronato, se não me engano o meu filho foi de Uber, porque ele não conseguiu contato comigo, normalmente quando acontece isso ele pega o Uber e vai embora.

Eu fiquei um pouco até mais tarde. Eu fiquei até umas onze horas mais ou menos. É fácil até pegar os registros das câmaras da Lélis para confirmar o que eu estou falando.

A primeira abordagem que aconteceu nesse dia, no encontro com o Maj. Ferronato, foi ele mesmo que me abordou, no primeiro plano, primeiro momento. No local estava ele, o Maj. Alessandro, e o atual Secretário de Segurança Pública, Dr. Gustavo. Então, no dia lá, ele era Secretário-Adjunto, senão me engano.

Quem me fez a primeira abordagem foi o Ferronato. Na segunda abordagem, o Maj. Ferronato, na presença também do Maj. Alessandro. A gente começa a falar do inquérito, das coisas que estão acontecendo com o Secretário e tudo mais.

Essa conversa dura em torno de uns vinte minutos, mais ou menos [...]. Na mesma ocasião, depois dessa segunda abordagem, já com o Major Ferronato e o Major Alessandro, por último, já ele saindo, o Major Ferronato também me aborda pela última vez, e ele fala desse encontro lá no Parque Mãe Bonifácia, uma caminhada que a gente faz no dia seguinte”.

Era óbvio que o próprio Secretário, Rogers Elizandro Jarbas, não iria, a cara aberta, procurar a alma já seduzida e prostrada pela coação.

Não é assim que funciona nas organizações criminosas, onde o peão, no mais das vezes, nunca viu sequer a silhueta do rei ou da rainha.

No tabuleiro de xadrez, movimentou-se um bispo, que fez a oferenda do coronelato ao peão que se sacrificaria para o lance do xeque-mate.

O próprio Ten.-Cel. Soares, inquirido pela autoridade policial, afirma, com convicção, que o Maj. PM Ferronato falava em nome do Secretário de Segurança Pública:

Delegada: Restou alguma dúvida, só reforçando aqui, que o Maj. Ferronato estaria a mando do Secretário de Segurança Pública?

Testemunha: Com certeza, ficou evidente que ele estava ali como mediador, até para proteger a figura do Secretário de Segurança, até para proteger, porque era a forma de fazer uma blindagem, para que ele não aparecesse.

Então, todas as vezes que ele falava comigo dava a entender, levava a crer que ele estava falando em nome do Secretário de Segurança”.

 Neste ponto, convém transcrever excerto da representação policial apresentada, onde os delegados de polícia tratam com perspicácia da presente situação:

“ROGERS JARBAS: utiliza-se do MAJOR FERRONATO para tratar de seus interesses, inclusive a promoção para o posto de CORONEL DA POLÍCIA MILITAR, que jamais poderia ser garantida pelo FERRONATO, vez que este é assessor do ROGERS, não detendo de nenhum poder nessa escolha, mesmo porque se trata de um MAJOR, patente inferior à do denunciante. Vale esclarecer que a promoção se dá através de uma avaliação interna (realizada por coronéis da polícia militar), onde são avaliados por notas, no entanto, ao final, quem escolhe é o GOVERNADOR DO ESTADO, não ficando adstrito às notas dadas. Fica clara aqui a promessa de vantagem indevida ao TC SOARES. Sabemos que na praxe é o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA quem faz as indicações para o GOVERNADOR, vez que são promoções de cargos afetos diretamente à sua pasta”.

Assim, o espírito do Ten.-Cel. Soares foi trabalhado sob duas forças: a da coação e o da corrupção; uma representando a violência, outra a recompensa.

De qualquer sorte, cumprida a missão, livrar-se-ia da exposição de suas desditas e ainda ascenderia o último degrau da sua carreira, sonho ou quimera de todo militar.

Sabiam que tinham a frente um homem fragilizado por sua dependência química, e aterrorizado pela possibilidade de ter, prematuramente, encerrada sua carreira militar, provavelmente com uma expulsão desonrosa.

A sagacidade do grupo prova também a periculosidade dele, pela capacidade de aliciamento de pessoas, máxime quando, pelas posições ocupadas em postos-chaves da segurança pública, trabalham com informações privilegiadas.

Por fim, em relação à situação do Promotor de Justiça, conforme dito em outro lugar, uma das prerrogativas conferidas aos membros do Ministério Público é que, havendo indícios da prática de infração penal, a autoridade policial remeterá os autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.

As circunstâncias indicam ainda que a periculosidade do grupo criminoso, aparentemente se espraia sobre a cúpula da Gloriosa Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.

Estou a me referir à estranhíssima situação de o atual Corregedor-Geral da Polícia Militar, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, um dia após a instalação do apetrecho espião na gandola do Ten.-Cel. Soares, haver alterado a farda dos policiais com funções no órgão.

Por que alterou-se o fardamento, que, segundo o Cel. PM Jorge Catarino Morais Ribeiro – Encarregado do IPM – sempre foi o de passeio?

Por que, de uma hora para outra, sem qualquer explicação, se o mudou para o de operações?

A situação parece ter resposta no depoimento do Ten.- -Cel. Soares, que, revelando a exigência do grupo em obter imagens e áudios que pudessem comprometer ou colocar em dúvidas a imparcialidade deste Relator, dele exigiu duas fardas, que seriam analisadas pelo Sgt. Soler, sobre qual melhor se acomodaria o aparelho espião.

Por lazeira, o dispositivo somente pode ser instalado na farda de operações, “em razão da costura da outra e dos breves serem metálicos”.

Na vida em caserna, o uso de fardamento diferente do determinado pelo comandante pode resultar na prática de transgressão militar, ou mesmo, do crime de desobediência, previsto no art. 301 do Código Penal Militar.

Por isso a necessidade que houve, da noite para o dia, em se mudar o fardamento toda vida utilizado na Corregedoria da Polícia Militar, do de passeio para o de operações.

De outro modo, como poderia o Ten.-Cel. Soares utilizar a ferramenta espiã?

Este ponto – substituição do fardamento – foi explorado pelo Ten.-Cel. Soares, em seu depoimento:

Delegada: Gostaria também de esclarecer sobre a troca da farda, realizada na Corregedoria.

TC Soares: A situação acontece muito sutil e muito visível. O que acontece. No dia doze, senão me engano, está nos autos também, no momento em que recebo a farda já com o material, o equipamento instalado na farda, no dia treze há mudança de farda na corregedoria. Antes utilizava-se o agasalho e o uniforme de representação. Na doutrina, na vida administrativa da Corregedoria, o uniforme de instrução utilizado pelo policiamento ostensivo fardado, normalmente é o fardamento que não se utiliza na Corregedoria, a não ser no plantão. Nesse dia houve a determinação verbal do Corregedor, e depois inserida na escala de serviço de que, a partir daquele dia, o uniforme seria o uniforme de instrução, justamente o uniforme que foi instalado o equipamento de monitoramento audiovisual, que foi colocado na farda.

[...]

Delegada: Essa determinação para troca da farda é de responsabilidade do Corregedor-Geral?

TC Soares: Atribuição dele. É atribuição do Comandante.

Delegada: Quem é o atual...

TC Soares: Cel. Pinheiro.

Delegada: Ele tem ligação com algum outro Coronel?

TC Soares: Da investigação, que nós conhecemos, ele é muito amigo e tem muita proximidade com o Cel. Siqueira Júnior, que é um dos investigados no nosso inquérito.

Delegada: É uma amizade íntima?

TC Soares: Não digo íntima, mas próxima. Eles são colegas de turma.

Delegada: O conhecimento que se tem, existe uma relação de amizade, ou relação de coleguismo, por ser colega de turma?

TC Soares: Amizade. Amizade”.

Neste ponto, transcrevo excerto da representação apresentada, onde as autoridades policiais abordam a questão:

“Assim, o denunciante apresentou suas duas fardas (a de instrução e a de expediente) para o SGTO PM SOLER, tendo o sargento ficado responsável por implantar o equipamento de captação de áudio e imagem, o que foi feito e entregue para o denunciante na noite do dia 12/09, no pátio da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, no último patamar do estacionamento, pois assim teriam a visão completa para evitar que alguém se aproximasse (contramedida adotada), o que demonstra mais uma vez a enorme capacidade de articulação dessa ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

No dia seguinte, 13/09, por razões ainda não apuradas, em razão da incrível ‘coincidência’ (pra não falar de mais uma ação do braço operacional), que podem desnudar ainda mais o poderio e o alcance do poder dessa ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, a CORREGEDORIA DA POLÍCIA MILITAR, através de seu Corregedor CEL PINHEIRO, por motivos até o momento desconhecidos, determinou que a farda de instrução passasse a ser a farda do expediente comum.

Ocorre que tal fato não guarda muita lógica, porque a farda de INSTRUÇÃO é uma vestimenta mais policial, enquanto a farda de expediente tem características sociais, até mesmo pela função da CORREGEDORIA, de se identificar com a sociedade, evitando a intimidação de eventuais denunciantes, além do fato de que a farda do expediente é composta por um sapato social, enquanto a de instrução é o coturno, de notório desconforto comparado ao sapato social e as atividades desenvolvidas pela CORREGEDORIA. Importante mencionar que, segundo informações, inclusive colhidas no áudio captado pelo denunciante com CEL. LESCO, este deixa evidenciado que o CORREGEDOR CEL PINHEIRO é amigo do CEL. SIQUEIRA”.

De fato, informações obtidas pela autoridade policial dão conta que são mesmo próximas as relações entre o atual Corregedor-Geral da Polícia Militar, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, e o Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, que são, inclusive, da mesma turma.

Além do risco concreto de reiteração da prática de delitos, entendo que a prisão preventiva dos envolvidos se patenteia igualmente imprescindível para assegurar a integridade física e moral não só da testemunha, Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, como também de seu filho, porquanto há base empírica a comprovar que o “grupo” sabe que ela não está mais interessada em dar continuidade ao plano outrora arquitetado, consoante se extrai de seu depoimento gravado pelo sistema áudio visual, em 18/9/2017:

Delegado: A partir do sábado, do término do seu depoimento, qual foi o desenrolar dessa situação?

Testemunha: No mesmo sábado, na mesma data, no sábado, à noite, eu recebi uma mensagem do Major Ferronato, convidando para fazer uma caminhada, como de costume, no Parque Mãe Bonifácia, na parte ali principal, de cima, onde tem o bebedouro.

Depois daí, com a intenção de captar a conversa, eu utilizei meu celular para fazer a captação da conversa, mas não tive sucesso porque o áudio saiu com ruído.

Delegado: Isso já no domingo?

Testemunha: Isso já no domingo pela manhã, algo em torno, por volta das, senão me engano, dez horas, se não me falha a memória. E nessa conversa, ele mencionava, começou a conversa falando da garantia da promoção, que a previsão era de que haveria com certeza três vagas, em abril, e uma delas seria minha, caso eu fizesse nessa semana como se pretendia fazer, a exibição e a exposição da imagem do desembargador.

Delegado: Seria feita por meio daquele equipamento?

Testemunha: Seria feita por meio do equipamento que foi instalado pelo Sgt. Soler, na minha farda, na farda de instrução.

Delegado: No momento em que o senhor foi se encontrar com o Major Ferronato, ele percebeu alguma coisa que deixou desconfortável?

Testemunha: Percebeu, porque eu estava com o celular. E já havia combinado que não poderia ter o celular. Diante disso ele começou a ficar desconfiado, e desconversou, começou a desconversar a respeito do assunto.

[...]

Delegado: Ele cita novamente a pessoa do Secretário?

Testemunha: Ele menciona, menciona a pessoa do Secretário.

Delegado: Secretário de Segurança Pública?

Testemunha: Secretário de Segurança Pública”.

Na intenção de captar áudio que comprovasse a corrupção, intermediada pelo Maj. PM Ferronato, o Ten.-Cel. Soares acabou por denunciar a si próprio quando levou consigo, na caminhada, o seu celular, o que despertou desconfianças da sua companhia, tanto que, falando sobre a promoção, imediatamente desconversou sobre o assunto quando o viu portando o aparelho telefônico.

Foi aí que a pulga se colocou atrás da orelha do grupo.

Esse fato se passou no domingo [17/9/2017], pela manhã, um dia após o Ten.-Cel. Soares haver procurado a autoridade policial para revelar a maquinação, a conspiração engendrada.

Na mesma data, o Ten.-Cel. PM Soares foi almoçar na residência do Cel. PM Lesco, com a finalidade de repassar informações sobre os últimos acontecimentos das investigações.

Esse encontro era, por certo, do conhecimento de outros integrantes do grupo, até porque nele se faria as tratativas finais do complô, visto que entravam em semana decisiva, especialmente para os interesses do Secretário de Segurança, Rogers Elizandro Jarbas.

Segundo narrado pelo Ten.-Cel. PM Soares, no começo do encontro o comportamento do Cel. PM Lesco foi amistoso. Posteriormente, após o Cel. PM Lesco receber uma ligação – ao que tudo indica – do Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, o tratamento, que antes era cordial, modificou-se radicalmente, verbis:

Delegado: Entraram no condomínio, a partir daí o que aconteceu?

Testemunha: Eu entrei no condomínio, e cumprimento que eu tive com o Lesco foi como de normal, amistoso, sempre sorridente e tal, e eu fui justamente para almoçar e conversar com ele a respeito de tudo que estava acontecendo.

[...]

Delegado: Essa ligação que ele recebe, ele menciona quem é a pessoa que liga?

Testemunha: Ele menciona o nome do Secretário de Segurança Pública, Sr. Rogers.

[...]

Ele atende essa ligação e aí já tem um comportamento totalmente contrário.

[...]

Delegado: Teve um encontro agradável até o momento...

Testemunha: Que ele recebeu a ligação, né? Nessa situação já tava quase indo embora. Já tinha almoçado, já tinha conversado. E eu já estava indo embora. Então o que eu fiz, eu resolvi ir ao banheiro novamente e parar a gravação. Já estou indo embora, né? Peguei, fiz, desliguei a gravação, salvei o arquivo que havia gravado.

Neste momento, quando saio do banheiro, volto pra mesa; neste momento, passado algo em torno de três minutos, mais ou menos, algo em torno disso, ou menos que isso, ele recebe essa ligação. Recebe essa ligação, eu não ouvi o teor da conversa, eles falaram rápido, e o Lesco só com o gesto de “uhum”, foi bem rápido neste diálogo, só mencionou: ‘pois não Secretário, pode falar Rogers”, nestes termos. E por meio deste diálogo, desta conversa, desta fala dele, eu identifiquei como sendo o Secretário de Segurança Pública.

A partir deste momento, ele já desligou o telefone, a ligação encerrou, ele já me tratou de maneira muito diferente. Muito diferente. Já seco, falou que eu deveria sair do ambiente porque ele iria receber uma outra pessoa.

Apertou minha mão de maneira bem seca, e fui embora. Eu achei muito esquisito”.

A mudança brusca de comportamento por parte do Cel. PM Lesco em relação ao Ten.-Cel. Soares tem explicação.

Consoante acima assinalado, naquele mesmo dia, pela manhã, o Ten.-Cel. Soares se encontrou com o Maj. PM Ferronato no Parque Mãe Bonifácia, e, durante a caminhada, o Maj. PM Ferronato percebeu que o Ten.-Cel. Soares portava celular, e havia um prévio acordo entre eles de que nenhum dos dois poderia utilizar tal aparelho.

Provavelmente, o Maj. PM Ferronato passou esta informação, por si ou por terceiros, ao Secretário de Estado de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, levantando suspeitas quanto ao comportamento do Ten.-Cel. Soares, que, por sua vez, as transmitiu ao Cel. PM Lesco, ainda durante o almoço que estava tendo com o Ten.-Cel. Soares, em sua residência.

Daí a razão da mudança súbita do comportamento e tratamento.

Imediatamente, e de modo protocolar, convidou-o a se retirar da sua casa, ao pretexto de que “iria receber outra pessoa”.

Esta foi a sequência dos fatos.

Outro importante acontecimento ainda estava reservado para a domingueira.

Ainda no propósito de colher elementos de provas que confirmassem a conspirata, o Ten.-Cel. Soares ousou, atreveu-se e arriscou-se ao se apoderar dos celulares do Cel. Lesco e de sua esposa Helen.

A partir de então, aquilo que era desconfiança, tornou-se certeza: o Ten.-Cel. Soares havia mudado de lado.

Preocupados com a situação, especialmente com o que os celulares surrupiados poderiam revelar se levados à autoridade policial, Helen – diante da prisão domiciliar do seu marido, controlado por tornozeleira eletrônica – assumiu a missão de recuperá-los.

Entrou em cena a sua amiga Samira, que não apenas emprestou a ela o seu celular para ligar ao Ten.-Cel. Soares, como também a conduziu até a residência dele, para reaver os celulares.

Estes fatos foram pormenorizadamente narrados pelo Ten.-Cel. Soares, em sua terceira inquirição:

“Delegada: O senhor nos informou também que gostaria de acrescentar, esclarecer a ida da Sra. Helen na sua residência após o encontro que o senhor teve na casa do Cel. Lesco.

Testemunha: Logo depois do encontro, pouco antes de terminar o encontro, o almoço que eu tive com o Cel. Lesco juntamente com sua esposa, o pai da Helen também estava no momento, mas tava na parte superior, nos quartos, então ele não participou das conversas.

No final, quando eu percebo que, senão me engano o Lesco devia estar na cozinha, com outro celular que não sei qual é, não era nenhum dos celulares que eles habitualmente manipulavam, mas ele tava com um celular e atende a ligação e fala o nome do Secretário e fala Rogers.

Eu percebo a partir daquele momento, eu não sei o conteúdo, o que eles falam, mas naquele momento fiquei apavorado, fiquei em desespero, porque eu imaginei que o Rogers falou para ele ‘a casa caiu, esse cara mudou de lado, manda ele embora, vê aí se ele não tá gravando alguma coisa’.

[...]

Depois que ele atendeu a ligação fala que eu tenho que ir embora, a Helen nesse momento tava descendo as escadarias, tava descendo da parte superior porque ela veio tomar banho, e eu no sentido de criar provas, de ter provas para apresentar do que eu tava falando, do que eu estou falando é verdade, e acrescentar mais provas ainda, eu pego o celular do Lesco e coloco no bolso, sem que ele percebesse.

Nesse momento, quando ele fala que eu tenho que ir embora, há esse lapso, que a Helen tá descendo, nesse momento eu pego, ele vira de costas, ele se distrai, vai fazer outra coisa, eu pego também o celular dele e coloco no bolso. E aí eu entro no carro com a Helen. Ele se despede de mim com aquela voz já embargada, fora do normal, como ele me cumprimenta, bem seco mesmo, bem estranho, aí eu fico mais apavorado ainda, porque eu queria sair dali de qualquer maneira, eu já tava correndo risco de estar ali.

Nesse momento, a Helen já desce as escadas e ela me leva para onde está meu carro estacionado, próximo, numa rua que dá acesso à entrada principal do condomínio.

Ao descer do carro, quando ela desce do carro, eu estou com minha bolsa térmica, também no intuito de produzir provas, também pego o celular dela sem que ela perceba. Pego e coloco no bolso também.

A partir daí vou para casa. Passo no Japidinho, para fazer um lanche e volto para casa.

Delegada: Depois dessa ligação que teria tido do Rogers com o Lesco o senhor chegou a sentir que seria o último encontro com o Lesco?

Testemunha: Com certeza, esta seria a última oportunidade que eu teria para estar ali na casa dele. Por isso que me veio de intuitivamente, eu tomei essa medida. Falei, o único momento que eu tenho para colher mais provas possíveis para provar, demonstrar que eu estou falando a verdade do que aconteceu.

[...]

Momento depois [...] eles ligam do telefone da Dra. Samira. Primeiro a Samira liga, conversa comigo, depois a Helen, eles pedem a localização de casa, pergunta se estou casa, pede a localização, ato contínuo também o Lesco liga para mim e fala: ‘olha, não sei se você pegou meu celular, porque só pode ter sido você, os dois celulares daqui sumiram, eu não sei se foi você, mas só pode ter sido você, porque só você esteve aqui. Eu não sei se você pegou por má-fé ou se você pegou por distração. Eu só quero saber o seguinte, devolva, porque seu filho está correndo risco de vida’.

Nesse momento eu já estava preocupado com minha segurança, como os senhores perceberam dias anteriores que eu cheguei aqui depondo.

Eu fiquei apavorado, eu não sabia se pegava os celulares, eu simplesmente termino a conversa, não dou continuidade à conversa. Momentos depois a Helen fala que está procurando a casa, depois que eu ouço o áudio ela fala que está sendo perseguida, ela entra e eu fico naquele momento eu fico pensando: ‘eu entrego ou não entrego, o que eu faço agora?’.

Eu tava sob, realmente, ali perigo de acontecer alguma coisa com meu filho, a ameaça que ele fez me deixou numa situação muito complicada, então quando ela vem de frente para mim, eu abro o portão, ela se encontra comigo, eu já mostro que está na parte do carro, na parte do banco do passageiro né, tem aquele, onde você coloca as coisas. Ela pega e coloca no short, e pergunta se por acaso eu não peguei mais nada por engano, de tom irônico.

Eu falo não, não peguei mais nada, é só isso mesmo que eu peguei, mas me desculpei na hora.

Percebe-se, portanto, que o Ten.-Cel. Soares somente devolveu os celulares em virtude da ameaça direta e séria proferida pelo Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco contra a vida de seu filho.

Pelo que se depreende dos autos, em especial, por força da periculosidade do grupo criminoso, o Ten.-Cel. Soares afirmou, com segurança, que a ameaça era real:

 “Delegada: A ameaça que eles fizeram, da vida do seu filho, ela foi uma ameaça real? O senhor se sentiu realmente ameaçado.

Testemunha: Mais que real. Agora, nesse momento, desde o momento em que foi cooptado, que fui ameaçado, que eu estou tendo contato com eles, eu sei com quem eu estou me dando, este pessoal é perigoso, este pessoal é muito perigoso”.

Por volta das dez horas, após a testemunha entregar o arquivo contendo a gravação da conversa mantida com o Cel. PM Lesco, a investigada Helen liga para o Ten.-Cel. Soares, de seu próprio celular – aquele mesmo que estava até então desaparecido –, e, diante da rejeição da ligação, “o Cel. Lesco faz um joia, do celular da Helen”.

Preocupado, o Ten.-Cel. Soares resolveu retornar a ligação e a Helen perguntou se ele estava em casa e se estava sozinho, no que a testemunha respondeu que sim para as duas indagações.

Neste momento, Helen diz que “eles precisavam do uniforme com o equipamento. E ao fundo o Lesco no tom numa voz, deu pra ouvir, num tom bem áspero: ‘devolve’. Eu entendi ali como uma coisa que já tinham desconfiado, já tinha desconfiança enorme do que estava acontecendo. A partir daí ele liga mais umas vezes e eu não atendo mais”.

A testemunha Ten.-Cel. PM Soares deixa transparecer, inequivocamente, sua preocupação ao asseverar, na parte final de seu depoimento:

Testemunha: Só uma questão doutor, eu estou abatido assim, porque eu não consegui dormir à noite. Só para deixar bem claro [...]. Tive proteção, mas eu não dormi [...].

Delegada: O senhor tem receio de sua integridade?

Testemunha: Com certeza, com certeza.

Delegada: Do que o senhor os conhece, que o senhor teve ao lado deles...

Testemunha: Capaz de tudo, capaz de tudo. Sou um arquivo vivo, que para eles tem que está morto. A partir de agora, com certeza. Não tenho garantia, a não ser que o Estado me dê garantias de que essa segurança vai acontecer, inclusive eu peço que me inclua no sistema de proteção à testemunha.

Por fim, o Ten.-Cel. Soares, em sua derradeira ouvida, afirmou, categoricamente, que não pode permanecer mais no Estado de Mato Grosso, porque a situação envolve o poder atual:

“Então eu fico muito preocupado com a segurança do meu filho, eu estou muito preocupado com a segurança dele. Depois dele a minha. Eu não posso permanecer no Estado. Eu não posso permanecer no Estado de Mato Grosso, a situação envolve o poder atual. Eu peço, inclusive, minha inclusão neste programa de proteção à testemunha. Não tenho mais vida na Polícia Militar, profissionalmente falando”.

Por esta razão, dúvidas não há de que a prisão cautelar se patenteia indispensável também para assegurar a integridade física do Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares e de seu filho, em face da periculosidade concreta demonstrada pelo grupo criminoso.

CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Somados aos fundamentos que autorizam a prisão cautelar para garantia da ordem pública, a medida extrema também se afigura imprescindível para a conveniência da instrução criminal.

De tudo o quanto visto e fundamentado acima, este pressuposto da prisão cautelar, até pela própria natureza dos crimes imputados aos investigados, ora representados, dispensa maiores digressões.

Se os crimes agora praticados objetivavam atrapalhar as investigações de outros em apuração, salta aos olhos a imprescindibilidade da custódia cautelar.

Nesse desígnio, não titubearam, nem tremelicaram, um segundo sequer, em coagir e corromper o Ten.-Cel. Soares no abominável e ignominioso plano de alijar-me das investigações a golpes de espada.

A estultice engendrada pôs em relevo e destaque a capacidade de atrevimento do grupo criminoso.

Se ele se mostra com destemor para achacar, acovardar e constranger um membro desta Corte de Justiça, que dizer dos cidadãos comuns, das pessoas que foram suas vítimas, como as interceptadas ilegalmente?

O terror que implantam é sentido até no meio policial.

É público e notório que incontáveis Delegados de Polícia se recusaram, com veemência, a participar das investigações.

Foi mesmo árdua a tarefa de encontrar valorosos Delegados, como os que estão hoje à frente das investigações.

Houve até ameaças em se processar delegados por usurpação de função pública e improbidade administrativa se não atendessem, em 24 horas, o pedido de “avocação” dos inquéritos, que foram abertos por ordem e determinação deste Relator.

Quiseram passar até por cima da autoridade do Tribunal.

É neste estado de ânimo e forças que caminham os procedimentos que apuram a grampolândia pantaneira.

Todo cuidado com a instrução processual faz-se necessário.

As tresloucadas ações do grupo não deixam menor fiapo de dúvidas quanto à capacidade dele em atuar contra os interesses do processo, seja no aliciamento de testemunhas, na coação de pessoas e na destruição de provas.

O episódio descortinado pelo Ten.-Cel. Soares revela a desfaçatez, própria dos atrevidos e destemidos.

Constrangeram e coagiram um militar de alta patente da Polícia Militar.

Que dizer do Zé da Ruelas, que sequer tem trancas na sua porta?

Se entram no espírito das pessoas, não podem invadir o recesso do lar das vítimas e testemunhas?

Importante destacar que muitas das testemunhas já declararam o temor e receio por suas vidas, como o Cb. PM Torezan, a Sgt. Andrea, e agora, mais recentemente, o próprio Ten.-Cel. Soares.

Por certo, e com maior razão, as testemunhas e vítimas não sentirão mesmo confortável em revelar os fatos dos quais tem conhecimento, se os suspeitos estiverem em liberdade.

Não se pode perder de vista que se tratam de pessoas com grande poder de influência dentro das forças do Estado, uma vez que ocupam, por si e por longa manus, cargos de maior relevância no atinente à segurança pública.

Estamos a falar de Secretário de Segurança Pública, de Secretário de Justiça e Direitos Humanos, ex-Secretário-Chefe da Casa Militar, ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, ex-Comandante da Polícia Militar, pessoas ligadas ao GAECO, etc.

A força de intimidação é clara e manifesta.

Veja o exemplo do Major Barros e do Cabo Raphael, que foram intimidados e ameaçados porque depuseram contra os interesses do Cel. Siqueira e de Paulo César Zamar Taques, no episódio em Lucas do Rio Verde.

Bastou prestar seus depoimentos para sofrerem represálias.

Tão logo tomaram conhecimento do teor das declarações que os comprometiam, saíram a esparrinhar que eles, sim, teriam cometido crimes nas eleições de Lucas do Rio Verde. Além de importunarem o trabalho do escritório do representado Paulo Taques, acusaram que o Maj. PM Barros e o Cb. PM Raphael, por R$ 20.000,00 [vinte mil reais], colocaram escutas clandestinas no candidato Otaviano Pivetta, para o qual a banca de advocacia atuava.

Apesar de o suposto fato ter acontecido em 28/9/2016, o trataram como avant-première

Por que guardaram segredo sobre o fato criminoso por tão longo tempo? Por que somente o denunciou após os depoimentos do Maj. PM Barros e do Cb. PM Raphael no Inquérito que apura interceptações clandestinas nas eleições de Lucas do Rio Verde? Terá sido por conta do teor das declarações que prestaram, nas quais levantam suspeitas sobre o Cel. PM Siqueira e Paulo Taques?

Por isso, há indicações fortes no sentido de que agiram em desforra e ameaça às declarações que o Maj. PM Barros e o Cb. PM Raphael prestaram no Inquérito n. 87131/2017.

E mais uma vez, formularam a denúncia diretamente ao Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas – e não à Corregedoria-Geral da Polícia Militar de Mato Grosso –, que determinou a apuração dos fatos.

A presente situação – sindicância determinada pelo Secretário de Segurança Pública – foi confirmada pelo Cel. PM Everson Cezar Gomes Metelo, durante sua ouvida nos autos do Inquérito Policial n. 87131/2017:

“QUE, o depoente tem se sentido ameaçado, constrangido e prejudicado em sua carreira profissional; QUE inclusive está respondendo SINDICÂNCIA instaurada pela CORREGEDORIA DA PM, após representação do escritório de PAULO TAQUES, protocolada na SESP junto com o Secretário de Segurança ROGERS JARBAS; QUE o fato é tão aberrante que sequer o declarante esteve na cidade de Lucas do Rio Verde/MT durante o ano de 2016 [...] QUE estava afastado de suas funções em razão de gozo por recompensa e também em razão da troca de comando da PMMT, sendo que no dia que foi apresentar-se no COMANDO GERAL foi justamente no dia em que o CEL. SIQUEIRA JÚNIOR apresentou-se espontaneamente prestando as declarações acima dita no IPM; QUE nessa ocasião o depoente ouviu que deveria aguardar um posicionamento do COMANDO GERAL, uma vez que havia ‘UMA RESTRIÇÃO DE LUCAS’ [...] QUE, sente que há uma perseguição velada por parte do CEL SIQUEIRA JÚNIOR em prejudicar o depoente; QUE não sabe precisar  a motivação dessa perseguição, porém informa que participou da equipe técnica do Secretário de Segurança MAURO ZAQUE [...].”

O propósito escancarado foi o de intimidação.

Por que o Secretário de Segurança Pública não ordenou também a investigação de provável prevaricação do Cel. PM Siqueira, que, mesmo sabendo do cometimento do suposto crime, não o denunciou à autoridade competente?

E tem ainda a contumélia, a patranha, a pantomima farfalhada no Inquérito Policial Militar, onde o Cel. PM Siqueira lançou-  -me a assacadilha de também haver feito “barriga de aluguel” na minha passagem pela Corregedoria-Geral de Justiça.

A intenção foi claramente provocar minha suspeição no processo, quando não, constranger-me a continuar na direção das investigações.

Referidos doestos, estou a respondê-los na Sindicância n. 1/2014 – CIA 0089726-12.2017.811.00000, aberta pela Presidência do Tribunal de Justiça, a meu requerimento.

O comportamento do Cel. PM Siqueira é bem retratado pela autoridade policial na sua representação, verbis:

“Ainda, logo após esse episódio, durante oitiva no Inquérito Policial Militar, o investigado CEL. AIRTON BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR lança diversas acusações em relação a terceiros, inclusive no intuito de macular imagem do Desembargador ORLANDO PERRI, tentando imputar-lhe um fato criminoso. E mais, lança mão de expediente no intuito de desacreditar policiais militares, particularmente o MAJ. BARROS, o qual trouxe elementos a uma suposta interceptação clandestina que teria ocorrido durante as últimas eleições municipais em Lucas do Rio Verde, também ressaltamos que tais fatos são objeto de outro inquérito policial. Ressalta-se, aqui, o advogado do CEL. SIQUEIRA, à época desse depoimento, era PAULO TAQUES, que inclusive o acompanhou nessa oitiva.

Nesse episódio, não é demais trazer à baila o ocorrido no município de Barra do Garças, onde CEL. SIQUEIRA teria tentado recrutar o CEL. PM ALOÍSIO METELLO, dizendo que ele (SIQUEIRA) e o irmão de ALOÍSIO [CÉSAR GOMES METELLO] deveriam ‘alinhar’ os depoimentos, momento em que teria surgido um atrito entre ambos em razão do CEL. PM ALOÍSIO METELLO demonstrar não comungar de referido expediente”. 

Outro ponto que demonstra o poderio e a influência do grupo criminoso, é a relação de proximidade entre o Cel. PM Siqueira e o atual Corregedor da PM, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, já destacada linhas atrás.

Não estou afirmando que o Corregedor-Geral da PMMT faça parte do grupo criminoso que se formou.

Absolutamente.

Ainda que repetitivo – e longe de pretender levantar falsas suspeitas – intrigou-me mesmo a situação da mudança repentina do fardamento na Corregedoria-Geral da Polícia Militar, por meio de uma ordem emanada, ao que tudo indica, de inopino e extraordinariamente.

Coincidências à parte, segundo declaração do próprio Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, a vestimenta que melhor se adaptou ao equipamento de gravação instalado pelo Sgt. Soler, foi a farda de instrução, verbis:

Delegada: Após eles terem instalado o equipamento na farda do senhor, houve alguma modificação regulamentar, alguma que chamou atenção?

Testemunha: Olha, você fala em termos de...

Delegada: Pro uso do uniforme, a determinação. Eles colocaram o equipamento de gravação na farda que seria utilizada?

Testemunha: Como eu falei no depoimento anterior, a farda que foi utilizada, ela foi escolhida – porque tinha a farda de grafite e esta farda de instrução –, então não se sabia qual destas duas fardas iria receber melhor o equipamento [qual] ia ficar mais discreto, menos ostensivo. Então, pelo laboratório que o Sgt. Soler fez, a farda apresentada foi a de instrução, né? Por conta dessa adequação, da implantação do equipamento, ficou melhor nesta farda.

[...]

Delegada: Houve uma mudança regulamentar da utilização da farda?

Testemunha: Ah sim, houve uma mudança na Corregedoria, senão me engano um ou dois dias depois, de que a farda que deveria ser utilizada pela Corregedoria seria a de instrução.

Delegada: A farda que antes era de instrução, que colocaram o equipamento, após a instalação de equipamento, ficou como padrão...

Testemunha: Ficou padrão, ficou como aquele uniforme de expediente. Eu não estou fazendo nenhuma ilação aqui, mas isso aconteceu.

Delegado: Quem baixou esta instrução?

Testemunha: O Corregedor.

Delegada: Foi dado alguma justificativa?

Testemunha: A determinação. O Comandante tem esta liberdade, no exercício de suas atribuições”.

A medida adotada pelo Corregedor da PMMT justificaria o Ten.-Cel. PM Soares usar a farda de instrução, o que abriria as portas para obtenção do resultado criminoso pretendido, que não era outra senão a captação de imagens e áudios deste Relator, para provocação da abjeta suspeição.

Contudo, o plano, como se sabe, restou infrutífero, dado o arrependimento do Ten.-Cel. Soares, como se vê neste trecho do seu depoimento:

Testemunha: Situação em que eu me senti coagido a participar desse evento. Quando eu descobri, eu percebi...

Delegado: Já havia promessa da promoção?

Testemunha: Ainda não. A promessa da promoção acontece nessa segunda fase, em que haveria exposição direta do desembargador Orlando Perri, incluindo a minha também. Que eu deveria fazer a denúncia, momento no qual eu percebi que eu estava, a coisa não tava certa. Porque o doutor Orlando Perri nunca se comportou de maneira tendenciosa, parcial, de condução de nada, sempre se mostrou um juiz decente, imparcial. Então seria injusto eu expô-lo dessa maneira, me expor, expor o Presidente do Inquérito, que é o Cel. Catarino, a Dra. Ana Cristina, que tava participando com a gente, nessas investigações, eu achei, tive como impróprio. Não havia uma causa justa por trás disso tudo. Eu resolvi falar”.

Além do Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, outra figura emblemática no seio da suposta organização criminosa é o Delegado de Polícia Rogers Elizandro Jarbas, Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso, afastado temporariamente de suas funções, conforme medida cautelar por mim imposta na representação promovida dentro do Inquérito Policial n. 91285/2017.

O Secretário de Segurança Pública, ao que parece, demonstra ser personagem ativo no grupo criminoso. Basta lembrar que o Major PM Michel Ferronato, homem de confiança de Rogers Elizandro Jarbas, foi o interlocutor designado para cooptar o Ten.-Cel. PM Soares, prometendo, em troca de provas e informações sigilosas sobre o andamento das investigações contra si, a promoção do Ten.-Cel. Soares ao coronelato, uma vez que, segundo declarações da testemunha: “o MJ FERRONATO disse que a situação em desfavor do SECRETÁRIO ROGERS JARBAS estaria indo longe demais”.

Portanto, ainda que afastado – temporariamente – do exercício de suas funções, por motivos outros, dentre eles o de investigar por via oblíqua o Promotor de Justiça Mauro Zaque de Jesus – responsável por denunciar o esquema de grampos ilegais no Estado de Mato Grosso –, e o de determinar o fornecimento de peças sigilosas para Paulo Cesar Zamar Taques e para o Governador do Estado de Mato Grosso, no caso em tela, a prisão se patenteia imprescindível para o fim de assegurar total lisura na apuração dos fatos, em virtude da enorme influência por ele demonstrada.

Trago à memória que, por interferência direta do Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, foi determinada a instauração de procedimento disciplinar contra os policiais Maj. Barros, Cb. Raphael e Cel. Cesar Metelo, testemunhas em um dos casos envolvendo a “grampolândia pantaneira”.

Destaque-se, em adendo, que, aparentemente, o afastamento de Rogers Elizandro Jarbas, do cargo de Secretário de Estado de Segurança Pública, não foi suficiente para abalar sua influência e sua credibilidade no meio policial, pois o sindicato dos policiais civis, ao invés de apoiar o trabalho policial, ou a apuração dos fatos, o que seria natural, até por seu próprio mister, resolveu marcar uma sessão extraordinária para deliberar sobre “a postura da categoria perante as medidas decretadas em face do Delegado de Polícia, Rogers Elizandro Jarbas”.

Outro fato que demonstra o comando de Rogers Elizandro Jarbas sobre parte da classe de delegados foi visto, de forma transparente, no dia de 20/9/2017, onde, antes mesmo do cumprimento da ordem por mim proferida, determinando o afastamento do Secretário de Segurança Pública, cerca de quarenta delegados, que deveriam estar participando de um curso, “marcharam” até o Tribunal de Justiça, em solidariedade ao seu “colega”.

Sua atitude, uma vez mais, demonstrou ousadia em querer afrontar o Tribunal de Justiça, expondo sua força e prestígio perante os Delegados de Polícia do Estado.

Embora se tratando de um ato circense – mambembe, diga-se de passagem –, expôs ele sua influência no meio policial, mostrando que, em liberdade – ainda que com medidas restritivas – pode alongar seus braços sobre as investigações.

Outro nome de peso no grupo criminoso é, indubitavelmente, o de Paulo Cesar Zamar Taques, que, valendo-se de informações confidenciais obtidas profissionalmente, no exercício da advocacia, vem trabalhando em prol do grupo criminoso do qual faz parte. Assim mostram as circunstâncias, como dito anteriormente.

Pelo que ficou apurado, somente foi possível o aliciamento do Ten.-Cel. Soares – recrutado pela força da coação e corrupção exercida pelo grupo criminoso –, a partir das informações repassadas por Paulo Taques, que atuou como seu patrono em determinada causa na esfera cível.

Como se vê, mesmo preso preventivamente, por outro crime, em outra investigação, e libertado por conta de liminar concedida pelo STJ, nos autos do Habeas Corpus n. 410.767, Paulo Cesar Zamar Taques continua atuando ativamente em benefício da possível organização criminosa, o que põe em destaque que a segregação cautelar outrora imposta não inibiu o ímpeto criminoso.

Outras razões existem para mantê-lo segregado cautelarmente.

Afora todas as situações já demonstradas – que, de per si, justificariam a aplicação da medida cautelar extrema – sua força e sua influência no alto escalão do Governo é inconteste, até pela condição de primo do Chefe do Poder Executivo e de ter exercido o poderosíssimo cargo de Secretário-Chefe da Casa Civil.

Prova disso são as incontáveis visitas à sua residência de pessoas e autoridades do Governo que lá estiveram após ter deixado a Casa Civil.

Segundo provam os registros de entrada e saída do Condomínio Florais Cuiabá Residencial, recolhidos nos autos do Inquérito n. 78323/2017, desde 11/5/2017 até 9/8/2017, somente o atual Secretário-Chefe da Casa Civil, José Adolpho de Lima Avelino Vieira, lá esteve por quatro vezes, sem falar no Superintendente de Assuntos Estratégicos da Casa Civil, Sérgio Walmir Monteiro Salles [três vezes]; no assessor especial da Casa Civil, Selmo Antônio [três vezes]; na Secretária-Adjunta de Gestão Integrada da Casa Civil, Ana Paula Cardoso; no assessor parlamentar Jorge Luiz Lisboa, Oficial e Graduado da PM, investigador de polícia, etc.[1] 

Pelo que se descortinou até este momento, todos os investigados, repito, todos, sem exceção, contribuíram, de maneira direta ou indireta no sentido de interferir nas investigações criminais, prejudicando, sobremaneira, os trabalhos policiais, a começar pelo advogado Marciano Xavier das Neves, responsável por ser a ponte, o elo, entre o Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares com a suposta organização criminosa, e foi a pessoa responsável por ficar com o arquivo do diálogo ilegalmente gravado em reunião realizada em meu gabinete.

De igual, ou quiçá, maior relevância, é a contribuição de Helen Christy Carvalho Dias Lesco para o prejuízo das investigações, pois partiu dela o primeiro contato com o Ten.-Cel. Soares.

Foi ativa a sua participação no episódio.

Por estar preso o seu marido, Cel. Lesco, teve a incumbência de granjear peça importante nas investigações: o Ten.-Cel. Soares, o escrivão do IPM. Foi dela quem partiu as ameaças a ele, dizendo--lhe “que a Secretaria de Segurança Pública tinha posse de interceptações e vídeos que revelavam a sua dependência química [...]” como também de “outras situações supostamente criminosas, das quais Paulo Taques tinha conhecimento”.

Assim, Helen Christy agiu direta e deliberadamente no intuito de prejudicar as investigações policiais, razão pela qual sua prisão é imprescindível para conveniência da instrução criminal.

Porém, a participação de Helen não para por aí.

Pelo que ficou apurado, até este momento das investigações policiais, ela é uma das integrantes mais ativas do grupo e tem o domínio de tudo que acontece, inclusive, ela visitou o Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, principal operador do Núcleo de Inteligência, nos primeiros dias de sua prisão, na ROTAM.

Constatou-se, ainda, que a representada Helen Christy, ao desconfiar que o Ten.-Cel. PM Soares desistiu de levar adiante o plano sórdido de desqualificar minha pessoa, ligou para ele exigindo a devolução da farda com o equipamento acoplado, com a finalidade de destruir a materialidade do fato criminoso.

O Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco – que cumpre prisão domiciliar, continua agindo de maneira deliberada e escancarada em prol da organização criminosa, nomeadamente no que tange ao ardiloso esquema de desmoralização pública da minha pessoa, voltado ao meu afastamento das investigações.

Ou seja: mesmo monitorado eletronicamente, cumprindo prisão domiciliar, o Cel. PM Lesco continua trabalhando incansavelmente para favorecer o grupo e prejudicar as investigações.

No mesmo sentido, a prisão do 2º Sgt. João Ricardo Soler é indispensável para conveniência da instrução criminal, pois, pelo que se depreende dos autos, ele é o integrante do grupo criminoso detentor do conhecimento de equipamentos de espionagem e de inteligência, e, em liberdade, continuará operando para o grupo criminoso, podendo, com isso, causar embaraço à lisura na apuração dos fatos.

Do mesmo modo, é necessária a prisão cautelar do Major Michel Ferronato, por ter sido ele a figura utilizada pelo grupo para cooptar, num segundo momento, o Ten.-Cel. Soares, oferecendo a ele a promoção ao cargo de coronelato, em troca de informações e provas que beneficiavam o grupo criminoso.

Por derradeiro, temos a figura de José Marilson da Silva, antigo sócio da empresa Simples IP, e responsável pelo desenvolvimento do Sistema Sentinela, utilizado pelo grupo criminoso para a prática criminosa de interceptação telefônica.

O nome de José Marilson, aliás, foi citado também pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, porquanto o Cel. PM Lesco disse a este que “o equipamento WYTRON estaria guardado com o MARILSON, ex-sócio proprietário da empresa SIMPLES IP”, o que demonstra, de maneira concreta, o seu envolvimento com a organização criminosa, de modo que a necessidade de sua prisão é inconteste.

Tudo isso são sintomas que demonstram a probabilidade de atuarem contra a lisura do processo, especialmente, da instrução processual.

Que o grupo age também na destruição de provas, nisso não se põe dúvidas.

Lembro a situação em que o Dr. Mauro Zaque, então Secretário de Segurança Pública, chamou, em outubro de 2015, os Coronéis Siqueira e Zaqueu em sua residência, revelando a eles saber da existência do grupo criminoso que atuava em interceptações telefônicas clandestinas. Na ocasião, exigiu deles pronto e imediato pedido de exoneração, acusando-os de integrarem a organização.

Bastou a revelação para que o grupo, com a rapidez dos neutrinos, fizesse desaparecer o Sistema Sentinela, que estava instalado nas dependências da empresa Titânia Telecom.

No dia 8 de outubro daquele ano, sumiu-se com a parafernália.

Testemunhas auscultadas sobre esse fato ora descreve a participação do Cb. PM Euclides Luiz Torezan, ora relatam, pelas características físicas, a presença do Cb. PM Gerson na retirada do equipamento da empresa Titânia.

Agora, como num jogo de empurra-empurra, vem a informação de que é Marilson – ex-sócio proprietário da empresa SIMPLES IP –, quem abriga, a sete chaves, o equipamento Sentinela, onde se guardam provas e informações preciosíssimas quanto aos crimes cometidos.

Outro fato grave que demonstra que evidencia a imprescindibilidade da prisão cautelar de José Marilson da Silva, por conveniência da instrução criminal, diz respeito ao seu comportamento, no mínimo, insólito, durante as investigações policiais, ao afirmar que subscreveu o documento que comprova a retirada do equipamento Sentinela, mas que não estava no local:

“Que mostrado a testemunha o documento que consta a assinatura de retirada de um equipamento no dia 08 de outubro de 2015, da empresa Titânia, a testemunha confirma a assinatura é sua, no entanto, não esteve nesse local, nesta data e horário e que assinou posteriormente, para comprovar o período de locação daquele espaço; Que o equipamento que se refere a sua assinatura não era o Sentinela e sim um servidor de um cliente da Simples IP; Que coincidiu a retirada daquele local do Sistema Sentinela com o dia em que foi retirado o servidor de um cliente da Simples IP” [doc. 14].

Este fato demonstra a capacidade do grupo em destruir e ocultar provas.

Ainda no terreno dos fatos, os olhos se acomodam na afirmação do Ten.-Cel. Soares de que o Ten.-Cel. Óttoni conseguiu, “enquanto estava secretariando os trabalhos do IPM, impedir que a prisão do Cel. PM Siqueira saísse, e também sequer saiu o seu indiciamento”.

Parece mesmo que forças ocultas trabalham para, a qualquer custo, blindar o Cel. PM Siqueira.

Os elementos probatórios e indiciários levam mesmo à conclusão que o Cel. PM Siqueira faz parte do grupo, tanto que foi essa a forte impressão que o Cel. PM Lesco passou ao Ten.-Cel. Soares, quando cuidava das tratativas de como “proteger o grupo”.

E mais: a preocupação do grupo se estende às eleições de 2018, como relevou a sobredita testemunha nesta passagem do seu depoimento:

“Que ele [Cel. Lesco] disse que o grupo estava preocupado com o andamento dos trabalhos de investigação, pois poderia refletir na eleição do ano que vem”.

A afirmação permite várias interpretações, dentre elas, a referente à utilização de escutas ilegais, como se viu na eleição de 2014, quando os advogados dos principais oponentes foram interceptados em momento crucial da campanha.

Essa possibilidade também recomenda e impõe a manutenção dos investigados sob custódia cautelar, até porque – insisto em lembrar – o Sistema Sentinela não foi apreendido, e pode operar de qualquer lugar do Brasil, desde que disponha de internet, e de cúmplices, claro, muito fácil de cooptar.

Percebe-se, portanto, que todos os envolvidos na trama delituosa, cada um à sua maneira, tem participação incisiva na condução do plano arquitetado pela organização criminosa, com o propósito não apenas de prejudicar as investigações, como, principalmente, de me afastar da condução delas, razão pela qual a decretação da prisão, também por conveniência da instrução criminal, é medida que se impõe.

Segundo profícuo escólio de Odone Sanguiné:

“O ‘risco de interferência no curso da justiça’, incluído, inter alia, o risco de conluio ou de obscurecimento da prova (v.g., informar outras pessoas que podem também estar sob investigação, conluio com outras pessoas envolvidas no caso, a destruição de documentos e outras espécies de provas), é um motivo da prisão preventiva admitido pela legislação da grande maioria dos países da União Europeia, bem como pela jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, do Tribunal Constitucional Alemão e do Tribunal Constitucional Espanhol.

[...]

Por outro lado, a prisão cautelar somente é compatível com a Constituição Federal quando decretada com a função de ‘proteção passiva’ das fontes de prova e do processo, direcionada a impedir atividades ilícitas de destruição ou alteração do material probatório pelo imputado (v.g., os vestígios do crime, elementos que constituem o corpo de delito, um possível testemunho sobre os fatos, reconhecimento pessoal, intimidação de terceiros para que não declarem a verdade, etc.), privando de efetividade ao processo penal, por seu caráter estritamente ‘endoprocessual’” [Prisão Cautelar, Medidas Alternativas e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 240, 245 e 246].

Tudo mostra e confirma que o culto dos atrevidos desconhece limites.

No propósito de conspurcar a honra, a honorabilidade e credibilidade de quem se postou como “pedra no sapato”, atrapalhando os “interesses do grupo” –, com a cólera vingativa de Caifás e trombeteando o halali, saíram à caça da presa adrede escolhida.

Não podendo atuar senão embiocados, homiziados, correram em esbaforida azáfama, à cata de alguém que pudesse se servilizar, um lacaio capaz de felonias.

Evidentemente que, não fosse alguém que pudessem corromper, haveria de ser quem conseguissem constranger, coagir e dominar, alguém com fragilidade ética e moral que pudesse prestar à vilanagem.

Com a nomeação do Ten.-Cel. Soares para atuar como escrivão no Inquérito Policial-Militar, viram a oportunidade de intimidá-lo e subjugá-lo com as informações que o Dr. Paulo César Zamar Taques recolheu no confessionário de advogado, quando patrocinou seus interesses na ação de dissolução de sociedade de fato que debateu com seu irmão Ivan Costa Soares.

Tendo na algibeira uma arma mortal contra o Ten.-Cel. Soarez, renderam-no à cochinada, à pravidade e à traição.

Tocado em suas fibras mais sensíveis – o amor à farda e à sua Instituição –, premido pelas ameaças não lhe restou alternativa senão anuir à trampolinagem, ao ardil, e à astúcia.

Mal sabiam que estavam a tratar com homem que guardava e professava princípios rigorosos, esculpidos a buril no seio de sua família de sangue e da castrense.

Ainda obnubilado pela coação irresistível que se lhe espingardearam, cedeu-se inicialmente a ela, gravando o primeiro encontro que teve com este relator quando levado pelo Coronel Catarino – Encarregado do IPM – para apresentação como novo escrivão.

Cumpriu-se a contento a primeira missão. Com isso, angariou-lhes confiança.

Mas ainda era pouco, muito pouco o material obtido.

Precisavam de mais.

Necessitavam de imagens, que valem mais que mil palavras.

Exigiram-lhe, então, fosse gravado, em vídeo, falas minhas – mesmo provocadas – que pudessem, de alguma forma, atiçar-me a pecha de parcialidade.

Como as investigações se voltaram também contra o Secretário de Segurança Pública, e temendo que alguma medida cautelar fosse deferida contra ele no decorrer da semana que passou, ordenaram pressa no cumprimento da tarefa conferida. Não tardaram a colocar os rosários a trabalhar.

Chegaram, inclusive, a combinar uma reunião na segunda-feira (18/9), onde se faria presente o Ten.-Cel. Soares, o Major Ferronato e um Promotor de Justiça, que estaria conluiado com o grupo, ao menos no propósito de afastar-me da condução do processo e dos procedimentos relacionados com a “grampolândia pantaneira”.

Tudo, entretanto, veio por água abaixo.

Um exame de consciência fez com que seus rígidos princípios morais e éticos rompessem a crosta da coação, que chegou a movimentar ações em favor da organização criminosa.

A lavra ardente de sua dignidade fez cair a escama que lhe deitou nos olhos.

Ao contrário do homúnculo, do sabujo que julgavam estar a tratar, exsurgiu, vibrante e atuante, o brioso homem/militar, que tem em sua honra e em sua dignidade valor maior do que sua própria vida.

Emergindo do pego de esterco que o confinaram, da diabrura que o meteram, procurou a Justiça como quem procura um padre, para conforto de sua alma levada, a fórceps, nos confins do inferno.

A confissão, naquela altura, era o bálsamo que seu atormentado espírito reclamava e implorava.

A peito aberto, revelou à autoridade policial toda a putredinosidade da inaudita trama criminosa, que estava a atentar não apenas contra o Relator dos procedimentos, mas contra o Estado de Direito e a própria democracia.

Rui Barbosa, ao seu tempo, já dizia que “a audácia é a alavanca das grandes aventuras do mal”.

Caiu a máscara, desarmou-se a esparrela.

No propósito de afastar-me da ação penal e dos demais procedimentos sob minha direção, era preciso movimentar a opinião pública. Por isso urdiram colocar as infâmias nas asas falconídeas da imprensa, certamente a teúda e manteúda – pagas para disseminar maldades e destruir reputações ilibadas.

É evidente que estou a falar de uma minoria absoluta da imprensa, porque, de modo geral, nossos veículos de comunicações são sérios e ilibados, e jamais se prestariam a desserviços contra a democracia e a cidadania.

Com isso, fariam pirotecnias e grande estendal com a esquizofrênica acusação de parcialidade do condutor dos procedimentos.

Sabiam que a fulmínea pasquinagem provocaria alvoroço e zaragalhada na sociedade.

Lançadas as venéficas plumas ao vento, recolhê-las assemelharia ao suplício de Sísifo, figura da mitologia grega, condenado por Zeus a empurrar, eternamente, ladeira acima, uma pedra que rolava de novo ao atingir o topo de uma colina.

A intenção era levar-me à rendição.

Nessa história, o mais surreal e estarrecedor é a possível participação do Ministério Público nesse enredo criminoso, Instituição à qual devoto o maior apreço, admiração e respeito, pelo fato de ter sido amamentado, embalado e criado dentro dessa família.

Tenho dito, vezes reiteradas, que as instituições não são melhores umas que as outras. Constituídas por homens pecadores, sempre haverá necessidade de expungir, de defenestrar aqueles que as enodoam e que, por isso, não se mostram dignos de integrá-las.

O problema é que algumas instituições, porque detêm o estilingue nas mãos e trabalham sempre como pedra, acham, equivocadamente, que em suas fileiras se encastelam homens mais virtuosos que outras.

No caso em exame, há denúncia de que um Promotor de Justiça – representando um grupo do Ministério Público interessado em alijar-me dos processos –, estaria aliado à organização criminosa, cujo mister seria o de dar forma e conteúdo a uma exceção de suspeição, inclusive com instruções ao Ten.-Cel. Soares de “como deveria falar, como falar, o que falar e de quem falar”.

É preciso que o Ministério Público, em procedimento criminal instaurado no Tribunal de Justiça – e não a quatro paredes, como se costuma fazer –, assim como no âmbito administrativo – em averiguação interna –, apure com seriedade e rapidez a informação trazida, provada por áudio captado pelo Ten.-Cel. Soares, que gravou falas do Cel. Lesco nesse sentido.

É preciso compreender que, neste mundo, nada se constrói senão à custa de uma destruição equivalente. E até as pedras sabem que, quando se trata de investigar os seus, o Ministério Público de Mato Grosso não tem a mesma eficiência quando os investigados são reles mortais. Ninguém pode se bater no peito e arvorar-se no direito de vassourar a casa alheia se, antes, não limpar sua própria soleira e testada.

Que dizer da “cutilada” de dias atrás, que a imprensa chamou de “alfinetada”?

Grande alvoroço e estardalhaço também se fez com o afastamento das funções do Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas.

Promoveu-se até uma manifestação governamental, na qual trombetearam e matraquearam, a mais não poder, a parcialidade deste Relator.

Com a boca cheia de probidade para nodoar o nome alheio, anunciou-se que vão questioná-la no Conselho Nacional de Justiça.

Pensa meu detrator que pode corrigir-me a palmatórias.

Mal sabe o cadinho no qual minha personalidade foi forjada.

Fica dito que respeito se paga na mesma proporção que se recebe.

O tom apostólico da desazada acusação de parcialidade, que me querem encangalhar, não impressiona nem as almas de estrumeira.

Mas, “a água que cai gota a gota cava a pedra” (Lucrécio).

A ideia sempre foi simples, mas maquiavélica.

Desacreditando-se e desmoralizando-se o Relator, estariam comprometidas todas as provas coligidas, como também as decisões proferidas e por se proferir, porque retirado o que se apresenta de mais caro e essencial à Justiça, que é a credibilidade e a confiança do cidadão.

O cálice não tem valor pelas pedras preciosas que o adornam, mas pelas mãos que o erguem” (Geovanni Papine).

Esta a vilanagem urdida.

Captado qualquer indício – por menor que fosse –, que pudesse sugerir a iniquidade do Relator, bem trabalhado na imprensa, na opinião pública – que abertamente planejavam utilizar – o elevaria à condição de prova incontestável da parcialidade deste julgador, o que poria a pique até as prisões já decretadas, porque ditadas por quem nunca guardou ânimo de imparcialidade.

Uma vez cimentados e assoalhados os malsins na opinião pública, faltaria apenas o ato final da histrionice: a exceção de suspeição.

E pelo que apontam as provas recentemente colhidas, entraria em cena o Ministério Público com seus bambus embebidos no sangue da Hidra de Lerna, que me flechariam mortalmente na exceção de suspeição que promoveriam.

Entretanto, meu espírito se recusa a acreditar que qualquer membro do Ministério Público possa ter se aliado à trama criminosa.

E não há como negar que a pretensão tinha mesmo efeitos de carmim, que embutia o propósito de alijar-me da relatoria do procedimento, quando não, da vigilância do Tribunal e da própria OAB/MT.

Também não é possível esconder que a sociedade tem acompanhado com desconfianças o comportamento de membro[s] do Ministério Público no caso da “grampolândia pantaneira”. E tem razões de sobras para isso.

Mas não podemos nem devemos perder nossa fé em tão nobre e útil instituição da nossa sociedade, que tem prestado inauditos serviços ao Brasil.

Prefiro acreditar que o comprometimento de membro[s] do Ministério Público neste caso seja apenas fanfarronice, bravatas e calúnia relapsa contra tão integérrima instituição, constituída de homens íntegros e probos, que jamais associariam a tamanha putredinosidade.

De qualquer forma, estando os fatos a desvelar a possibilidade – anunciadas pelos próprios implicados nas ações delituosas – de que um “grupo do Ministério Público” estaria a compactuar e a coadjuvar tão ignóbil traição, faz-se imprescindível a rigorosa apuração das sobreditas declarações, até, se for o caso, para punição exemplar dos caluniadores.

E se deve mergulhar fundo nas investigações para que não paire, ao final delas, qualquer nesga de dúvidas de que “alguém” do Ministério Público possa ter consentido e transigido com tamanha vilanagem contra um membro desta Corte de Justiça.

Conhecendo seus membros, especialmente os da alta cúpula do Órgão, afianço e asseguro que tudo não passa de bazófias, bravatas e fanfarronice dos membros do grupo, utilizados para cooptar o Ten.-Cel. Soares, mostrando-lhe que tinha o apoio de uma instituição séria e forte.

De qualquer sorte, é preciso afastar qualquer juízo de valor negativo perante a sociedade.

Sabemos que não é fácil se desfazer de grandes calúnias, que não se rende jamais e semeia até em areias.

É preciso desfazê-las, até porque determinadas profissões reclamam normas de conduta diferenciadas, que, quando inobservadas, emasculam a própria dignidade do cargo, função ou profissão.

É Erasmo de Roterdã [Elogios à Loucura, Ed. Rideel, p. 135] quem disse que os vícios e os crimes dos súditos são infinitamente menos contagiosos dos que os do senhor [...], e que o príncipe, quando dá maus exemplos, seu procedimento é uma peste que contagia rapidamente, fazendo grandes estragos.

Por isso, é imprescindível investigar, não apenas em sindicância, mas em procedimento criminal instaurado no âmbito do Tribunal de Justiça, o que será determinado em ato próprio e específico.

Forte em tais razões, entendo presentes a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria pela prática dos crimes de organização criminosa [art. 2º, da Lei n. 12.850/2013], de embaraço à investigação de infração penal que envolva organização criminosa [art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013], de coação no curso do processo [art. 344, CP], de corrupção ativa [art. 333, CP], de denunciação caluniosa, em sua modalidade tentada [art. 339, CP], em relação aos representados PAULO CÉSAR ZAMAR TAQUES, MARCIANO XAVIER DAS NEVES, HELEN CHRISTY CARVALHO DIAS LESCO, CEL. PM EVANDRO ALEXANDRE FERRAZ LESCO, SGT. PM JOÃO RICARDO SOLER, MAJOR PM MICHEL FERRONATO, ROGERS ELIZANDRO JARBAS, CEL. PM AIRTON BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR e de JOSÉ MARILSON DA SILVA, razão pela qual, a meu sentir, a prisão se patenteia imprescindível para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal.

Não visualizo, pelo menos por ora, indícios suficientes de autoria ou de participação da advogada Samira Martins no grupo criminoso, cuja conclusão poderá ser modificada, obviamente, no decorrer das investigações, caso advenha algum fato novo que demonstre seu envolvimento com o grupo criminoso formado.

DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO FIXADAS AO INVESTIGADO MARCIANO XAVIER DAS NEVES

A despeito da representação apresentada pelas autoridades policiais, pela decretação da prisão cautelar do advogado Marciano Xavier das Neves, não visualizo, pelo menos por ora, a necessidade de imposição da medida extrema.

Segundo bem asseverado pelos representantes, o investigado Marciano Xavier das Neves foi o responsável em passar o primeiro recado da suposta organização criminosa para o Ten.-Cel. Soares, e posteriormente recebe o áudio – captado de maneira clandestina – de uma reunião realizada em meu Gabinete.

Não obstante o aparente envolvimento do advogado Marciano Xavier das Neves com o grupo criminoso, entendo que – sem descurar a gravidade de sua conduta –, sua participação na empreitada delituosa pode ser reputada de somenos importância, dado que, em princípio, ficou responsável por dar o “recado” ao Ten.-Cel. Soares, em razão da facilidade de acesso ao Escrivão do IPM, bem como recepcionou o áudio gravado clandestinamente em meu gabinete.

Por esta razão, entendo por bem, pelo menos no atual estágio das investigações, aplicar ao advogado MARCIANO XAVIER DAS NEVES medidas cautelares diversas da prisão, dentre elas: o comparecimento periódico em juízo; a proibição de ausentar-se do País; e o pagamento de fiança, no valor de R$ 9.370,00 [nove mil, trezentos e setenta reais].

DA EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO

As autoridades policiais representaram, ainda, pela expedição de mandados de busca e apreensão, justificando a necessidade da medida para apreensão de documentos e aparelhos eletrônicos (celular, notebook, HDs, pen drives, etc.), e de quaisquer outros objetos que tenham interesse para a investigação.

Requerem, ainda, se deferida a apreensão, a autorização para extração dos dados dos referidos aparelhos eletrônicos apreendidos, principalmente os celulares, a fim de evitar futura alegação de ilegalidade na obtenção de provas.

O art. 240 do CPP prescreve:

“Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

[...]

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

[...]

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

[...]

h) colher qualquer elemento de convicção”.

A despeito da excepcionalidade da medida pretendida pelos representantes, entendo que, no caso concreto, ela se revela de todo plausível e indispensável, sobretudo no intuito de obter elementos informativos hábeis a contribuir para elucidação dos fatos.

As espécies dos crimes praticados, especialmente aquele envolvendo escutas telefônicas ilegais, recomendam a medida solicitada pela autoridade policial.

Afora as interceptações clandestinas, que podem ter sido conservadas, há ainda o próprio Sistema Sentinela e as placas Wytron, que não foram apreendidas, podendo estar em qualquer lugar, principalmente na residência de suspeitos e insuspeitos, notadamente de amigos e parentes.

Dentre os atuais insuspeitos, podemos citar a pessoal do Coronel aposentado José Renato Martins da Silva.

Segundo Relatório de Inteligência n. 1/2017, “o coronel aposentado JOSÉ RENATO MARTINS DA SILVA é da mesma loja maçônica de Paulo Taques e que estaria dando todo apoio a organização criminosa, inclusive guardando documento e provas para proteger a organização criminosa em sua casa”.

A necessidade de buscas, também, se espraia para qualquer tipo de provas que possam acrescentar ou corroborar as já existentes.

Sempre pareceu-me mesmo indispensáveis as buscas e apreensões, inclusive aquelas reclamadas no Inquérito Policial Militar, que não foram deferidas em decorrência de vazamento de informações sobre elas, o que as tornariam infrutíferas.

É preciso mesmo perscrutar provas que possam estar em poder dos investigados e até mesmo de terceiros, importantes para as investigações.

Até pela natureza dos delitos pelos quais se veem increpados, impõe-se a relativização de direitos fundamentais, consoante consignado com propriedade pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Fux, na Petição n. 7.220, a busca e apreensão, “trata-se de medida que [...] possibilita. Consoante expressa autorização do próprio legislador constitucional que se excepcione a garantia da inviolabilidade de domicílio expressa no art. 5º, XI, da Constituição Federal, a qual, por não possuir natureza absoluta, pode ser, com a devida autorização judicial e em período diurno, relativizada em nome do interesse público de colher elementos probatórios úteis e necessários ao prosseguimento de investigação de fato de natureza penal”.

Sem desmerecer o sigilo profissional que recai sobre documentos e instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes, protegidas pelo ordenamento jurídico vigente, há base empírica a comprovar que nos escritórios de advocacia dos investigados Marciano Xavier das Neves e Paulo Cesar Zamar Taques podem ser encontradas peças, objetos e documentos relevantes para as investigações.

No mesmo sentido, é proporcional a medida de busca e apreensão nas residências dos envolvidos, porquanto nelas, ao que tudo indica, podem ser encontrados objetos relacionados aos delitos sob apuração, bem como documentos que contribuam para o descortinamento de outras infrações penais.

Neste ponto, convém salientar que, não visualizo, pelo menos até o atual estágio das investigações, indícios suficientes de autoria em relação à representada SAMIRA MARTINS, não havendo base empírica, portanto, a autorizar a medida contra sua pessoa.

No atinente ao representado José Marilson da Silva, a probabilidade de localizar equipamentos, ou informações relacionadas a eles, utilizados pelo Núcleo da Polícia Militar, é concreta, o que autoriza a concessão da ordem não apenas na empresa Simples IP, mas, também, na residência, e na nova empresa constituída pelo investigado, qual seja, na Empresa S3S TELECOM E TI.

No mesmo sentido, há fortes indícios de serem localizados documentos e objetos ligados à prática de fatos criminosos na Casa Militar, órgão que até bem pouco tempo era comandado pelo Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, assim como nas dependências da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, conduzida pelo Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior.

Neste particular, importa averiguar se o aparelho espião, instalado na gandola do Ten.-Cel. Soares, pertence ou não à Casa Militar.

A expedição da ordem de busca e apreensão no Auto Posto Bom Clima e no Auto Posto Gold tem por finalidade a obtenção de elementos probatórios a confirmar as declarações prestadas pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares.

DA QUEBRA DE DADOS NOS APARELHOS APREENDIDOS – EM ESPECIAL NOS CELULARES

Além da representação pela expedição do mandado de busca e apreensão, os delegados de polícia requerem autorização para extração dos dados dos aparelhos eletrônicos a serem apreendidos, em especial, dos celulares.

A meu sentir, a situação retratada nos autos não está protegida pela Lei n. 9.296/1996, nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo telefônico por meio de interceptação telefônica.

Entretanto, apesar de não cuidar de violação da garantia de inviolabilidade das comunicações, prevista no art. 5º, inciso XII, da CF, a jurisprudência atual, nomeadamente a do Superior Tribunal de Justiça, entende que a extração de dados contidos no aparelho celular, dentre eles, o acesso a mensagens de textos armazenadas, sem autorização judicial devidamente motivada, configura violação à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso X, da Constituição da República, passível de nulificação da prova obtida.

Colho da jurisprudência:

“[...] 1. Embora a situação retratada nos autos não esteja protegida pela Lei n. 9.296/1996 nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo telefônico por meio de interceptação telefônica, ou seja, embora não se trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações, prevista no art. 5º, inciso XII, da CF, houve sim violação dos dados armazenados no celular do recorrente (mensagens de texto arquivadas).

2. No caso, deveria a autoridade policial, após a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados armazenados, haja vista a garantia, igualmente constitucional, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso X, da CF. Dessa forma, a análise dos dados telefônicos constante do aparelho do recorrente, sem sua prévia autorização ou de prévia autorização judicial devidamente motivada, revela a ilicitude da prova, nos termos do art. 157 do CPP [...]” [STJ, RHC 78.747/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2017, DJe 09/06/2017].

Em contrapartida, não há nenhuma ilegalidade, ou ofensa à garantia da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, quando a quebra de sigilo de dados telefônicos se revelar imprescindível para desvendar a prática de atos criminosos, ou para a descoberta de novos envolvidos na trama delituosa, consoante se infere no caso em apreço.

No caso dos autos, repita-se, as informações a serem obtidas se afiguram de relevância ímpar para a elucidação dos fatos apurados, nomeadamente para se conseguir elementos quanto ao envolvimento de outras pessoas na trama delituosa, a fim de desvendar outros integrantes da possível organização criminosa formada, bem como para subsidiar as investigações policiais e robustecer os elementos probatórios até então colhidos na fase inquisitorial.

DA CONDUÇÃO COERCITIVA

As autoridades policiais representaram, ainda, pela condução coercitiva do Corregedor-Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, sob o pretexto de que “a engenharia envolvendo a farda usada na Corregedoria em questão seria peça fundamental, para que a trama arquitetada prosperasse”.

Analisando com acuidade os argumentos aduzidos pelos representantes, verifico que a medida pretendida é necessária, sobretudo para evitar que investigados ou testemunhas combinem versões com o intuito de prejudicar as investigações.

Apesar de não ser investigado como integrante da organização criminosa, entendo relevante a oitiva do Corregedor-Geral da PMMT, na condição de testemunha, nomeadamente para que possa esclarecer a questão atinente à modificação do fardamento utilizado na Corregedoria, conforme asseverado pelos promoventes da representação.

No mesmo sentido, as autoridades policiais, ora representantes, entendem imprescindível a condução coercitiva da advogada Samira Martins, em face da presença de indícios que demonstram seu envolvimento com outros integrantes da provável organização criminosa.

Consoante salientei em outra passagem desta decisão, não obstante sua proximidade com a investigada Helen, e seu breve contato com o Ten.-Cel. Soares, não há base empírica a demonstrar a necessidade de sua condução coercitiva, razão pela qual indefiro a medida em relação à aludida investigada.

À vista do exposto:

(i) ACOLHO a REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL e, com fundamento nos artigos 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA dos seguintes investigados:

(i.i) PAULO CESAR ZAMAR TAQUES, nascido aos 15/11/1968, inscrito no CPF n. 469.178.881-68, filho de Vera Zamar Taques e João José R. Taques, residente e domiciliado na Rua das Camélias, n. 245, Condomínio Florais Cuiabá, nesta Capital;

(i.ii) CEL. PM AIRTON BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR, nascido aos 24/2/1973, filho de Ana Antônia Conceição de Siqueira e Airton Benedito de Siqueira, CI n. 878962 PMMT, residente e domiciliado na Rua dos Hibiscos, Lote 10, Quadra 9, Condomínio Florais, nesta Capital;

(i.iii) ROGERS ELIZANDRO JARBAS, nascido aos 31/1/1974, inscrito no CPF n. 095.695.858-38, filho de Dalvina da Piedade Jarbas e Jaime Correa Jarbas, residente e domiciliado na Rua Cuiabá, n. 45, Jardim Itália, Condomínio Alphaville 2, nesta Capital;

(i.iv) CEL. PM. EVANDRO ALEXANDRE FERRAZ LESCO, nascido aos 20/3/1973, CPF n. 569.677.481-49, filho de Emiliana Ferraz Lesco e Cecílio Lesco, residente e domiciliado na Rua Minuano, Quadra 8, n. 165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom Clima, nesta Capital;

(i.v) SGT. PM JOÃO RICARDO SOLER, nascido aos 22/7/1978, CPF n. 801.907.661-15, filho de Ilza Maria da Silva Soler e João Gonçalves Soler, residente e domiciliado na Rua Equador, Quadra 11, Lote 2, bairro Ikaraí, Várzea Grande/MT;

(i.vi) MAJOR PM MICHEL FERRONATO, nascido aos 6/5/1976, inscrito no CPF n. 569.474.701-10, filho de Ivone Fernandes Ferronato, residente e domiciliado na Av. Vereador Juliano da Costa Marques, n. 877, apto. 703, Torre 4, Residencial Bonavita, bairro Jardim Aclimação, nesta Capital;

(i.vii) HELEN CHRISTY CARVALHO DIAS LESCO, nascida aos 11/11/1978, CPF n. 696.427.291-72, filha de Maria da Conceição Carvalho dos Santos, residente e domiciliada na Rua Minuano, Quadra 8, n. 165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom Clima, nesta Capital; e,

(i.viii) JOSÉ MARILSON DA SILVA, nascido aos 10/9/1966, filho de Josefa Rosa da Silva e Luiz João da Silva, residente e domiciliado na Avenida Cuiabá, n. 480, Bairro Cohab Nova, nesta Capital.

(ii) ACOLHO EM PARTE A REPRESENTAÇÃO APRESENTADA, FIXANDO AO REPRESENTADO MARCIANO XAVIER DAS NEVES as seguintes medidas cautelares:

(ii.i) comparecimento em juízo, todo quinto dia útil de cada mês, para informar e justificar suas atividades;

(ii.ii) proibição de ausentar-se do País, comunicando-se as autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, devendo o paciente entregar o passaporte na Secretaria do Departamento do Tribunal Pleno deste Sodalício, no prazo de vinte e quatro horas.

(ii.iii) pagamento de fiança, no prazo de vinte e quatro horas, no valor de R$ 9.370,00 [nove mil, trezentos e setenta reais].

(iii) DEFIRO A EXPEDIÇÃO DOS MANDADOS DE BUSCA E APREENSÃO a serem cumpridos nos seguintes locais:

(iii.i) residência de PAULO CESAR ZAMAR TAQUES, situado na Rua das Camélias, n. 245, Condomínio Florais Cuiabá, nesta Capital;

(iii.ii) escritório de advocacia de PAULO CESAR ZAMAR TAQUES, situado na Rua Deputado Roberto Cruz, n. 216, bairro Miguel Sutil, nesta Capital;

(iii.iii) escritório de advocacia de MARCIANO XAVIER DAS NEVES, localizado na Avenida Historiador Rubens de Mendonça, n. 1.894, Edifício Maruanã, nesta Capital;

(iii.iv) residência dos investigados HELEN CHRISTY CARVALHO DIAS LESCO e CEL. PM EVANDRO ALEXANDRE FERRAZ LESCO, situada na Rua Minuano, Quadra 8, n. 165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom Clima, nesta Capital;

(iii.v) residência do 2º Sgt. JOÃO RICARDO SOLER, situado na Rua Equador, Quadra 11, Lote 2, Bairro Ikaraí, Várzea Grande/MT;

(iii.vi) residência do MAJOR PM MICHEL FERRONATO, localizada na Avenida Vereador Juliano da Costa Marques, n. 877, Apartamento 703, Torre 4, Residencial Bonavita, Bairro Jardim Aclimação, nesta Capital;

(iii.vii) residência de ROGERS ELIZANDRO JARBAS, situada na Rua Cuiabá, n. 45, Bairro Jardim Itália, Condomínio Alphaville 2, nesta Capital;

(iii.viii) residência do CEL. PM AIRTON BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR, localizada na Rua dos Hibiscos, Lote 10, Quadra 9, Condomínio Florais, nesta Capital;

(iii.ix) residência de JOSÉ MARILSON DA SILVA, situada na Avenida Cuiabá, n. 490, Bairro Cohab Nova, nesta Capital;

(iii.x) residência do Cel. PM JOSÉ RENATO MARTINS DA SILVA, situada na Avenida Leônidas de Carvalho, n. 175, Bairro Consil, nesta Capital;

(iii.xi) empresa SIMPLES IP, localizada na Avenida Isaac Póvoas,  n. 901, Sala 101, Edifício Mirante do Coxim, nesta Capital;

(iii.xii) empresa S3S TELECOM E TI, localizada na Avenida Fernando Corrêa da Costa, n. 248, Sala 4, Bairro Poção, nesta Capital;

(iii.xiii) dependências da CASA MILITAR, Palácio Paiaguás, Centro Político e Administrativo;

(iii.xiv) Gabinete do Cel. PM SIQUEIRA, na SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS, Rua Tenente Eulálio Guerra, n. 488, Bairro Quilombo, nesta Capital;

(iii.xv) AUTO POSTO BOM CLIMA, situado na Avenida República do Líbano, n. 1743-1875, Bairro Jardim Monte Líbano, nesta Capital;

(iii.xvi) AUTO POSTO GOLD, situado na Avenida Miguel Sutil, n. 4491, Bairro Despraiado, nesta Capital;

Ficam as autoridades policiais e demais agentes responsáveis pelo cumprimento dos respectivos mandados, autorizados a apreender documentos de qualquer natureza, inclusive agenda pessoal, planilhas e quaisquer outros elementos de provas relacionados aos ilícitos narrados na presente representação.

Defiro, ainda, a busca e apreensão de equipamentos eletrônicos [aparelhos celulares, notebooks, HDs, pen drives, etc.], e qualquer outro objeto que tenha interesse para a investigação, inclusive as imagens do circuito interno de televisão existentes nos aludidos locais, nomeadamente nos estabelecimentos comerciais Auto Posto Bom Clima e Auto Posto Gold.

Estão autorizados, ainda, a apreender todo e qualquer material utilizado para espionagem, para serviço de inteligência, em especial de captação de áudio e imagens [óculos, chaveiros, canetas, broches, etc.] ou utilizados para interceptações telefônicas, em especial, as placas dos Sistemas Wytron e Sentinela.

Defiro, ainda, a busca e apreensão dos equipamentos eletrônicos utilizados pelos investigados, em especial, dos aparelhos celulares, ficando, desde já, autorizado o acesso ao conteúdo e os dados armazenados, haja vista a possibilidade que contenha material probatório relevante.

Os responsáveis pelo cumprimento dos mandados deverão agir com cautela e discrição, apenas durante o dia, isto é, das 6 às 20 horas.

Ressalto, ainda, que no atinente ao[s] escritório[s] de advocacia, o cumprimento do mandado de busca e apreensão deverá ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo vedada a utilização de documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

Contudo, a ressalva acima não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade [art. 7º, §§ 6º e 7º, do Estatuto da OAB].

Portanto, não se aplica a restrição contida no Estatuto da OAB às mídias, aos objetos e aos documentos relacionados a clientes suspeitos de integrarem a organização criminosa.

(iv) AUTORIZO a CONDUÇÃO COERCITIVA do Corregedor-Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, CEL. PM CARLOS EDUARDO PINHEIRO DA SILVA, para prestar os esclarecimentos nos autos perante a autoridade policial.

(v) DEFIRO, por fim, o pedido de compartilhamento de provas. Para tanto, determino a extração de fotocópia do Inquérito Policial n. 87132/2017 e sua posterior remessa ao Encarregado do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017.

Da mesma forma, requisite-se ao Encarregado do IPM, Cel. PM Jorge Catarino de Morais Ribeiro, fotocópia de tudo que foi produzido [inclusive dos autos suplementares], encaminhando, posteriormente, à Delegada de Polícia ANA CRISTINA FELDNER, para providências necessárias.

(vi) INDEFIRO, por fim, a representação pela expedição de mandado de busca e apreensão, e de condução coercitiva, em relação à investigada SAMIRA MARTINS.

Expeçam-se os mandados de prisão e de busca e apreensão, a serem entregues diretamente à delegada de polícia, ora representante.

Cumpridos os mandados, os presos deverão ser, imediatamente, apresentados – acompanhado do respectivo mandado de prisão – ao Juízo da Décima Primeira Vara Criminal da Capital, para realização da audiência de custódia, nos termos da Resolução CNJ n. 213.

Delego ao juízo da 11ª Vara Criminal da Capital, todos os poderes para realização da audiência de custódia – em relação aos investigados presos, bem como do ato processual para audiência admonitória do investigado Marciano Xavier das Neves, advertindo-o das medidas cautelares impostas, dentre elas, o pagamento da fiança, e da possibilidade de decretação da prisão preventiva, em caso de descumprimento.   

Os presos militares deverão ser encaminhados para Unidades Policiais Militares, enquanto os civis aos estabelecimentos prisionais adequados, no caso, aqueles com formação superior, ao Centro de Custódia da Capital.

Comunique-se à Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso, consoante exigência contida no art. 7º, inciso IV, da Lei n. 8.906/94, da prisão do advogado, e da necessidade de acompanhamento do cumprimento do mandado de busca e apreensão nos escritórios de advocacia.

Por fim, deverá a Diretora do Tribunal Pleno adotar as medidas necessárias para resguardar o sigilo das diligências.

Cumpridas todas as diligências, dê-se imediata vista dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, para manifestação no prazo de três dias úteis.

Antes, porém, autue-se como representação pela decretação de prisão preventiva, expedição de mandados de busca e apreensão e conduções coercitivas.

Serve a presente decisão como mandado de condução coercitiva do Corregedor-Geral da Polícia Militar Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, bem como de intimação do advogado Marciano Xavier das Neves.

O advogado Marciano Xavier das Neves deverá se apresentar ao Juízo da 11ª Vara Criminal da Capital, munido da presente decisão, para realização da audiência admonitória.

Expeça-se o necessário.

Cumpra-se.

Cuiabá, 26 de setembro de 2017.

Desembargador ORLANDO DE ALMEIDA PERRI,

Relator.




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