Paulo Lemos
Ao contrário do que parte do senso-comum pensa, direitos humanos se refere a tudo aquilo que é fundamental para o desenvolvimento das pessoas, tal como o direito à vida, à moradia, ao alimento, à segurança, à saúde, à educação, à cultura, ao acesso à justiça, à boa administração da coisa pública, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à igualdade e à fraternidade.
Praticamente todos os direitos fundamentais, sejam os civis, políticos, sociais ou econômicos, previstos na Constituição, nada mais são do que a consagração de uma parcela dos direitos internacional e hodiernamente reconhecidos como direitos de toda humanidade.
Por ocasião, é oportuno citar um trecho do poema "Por quem os sinos dobram", redigido pelo poeta e pregador metafísico, o britânico John Donne, no início do século XVII: “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar dos teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano, e por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
Por isso, antes de criticar a atuação dos movimentos sociais e das instituições públicas de defesa dos direitos humanos, saiba que quando alguém se insurge em face da violação de direitos humanos de uma única pessoa que seja, independente de nome e sobrenome, é como se estivesse defendendo toda a sociedade nesse momento. Sem direitos humanos, não haveria humanidade.
Com relação à evolução histórica dos direitos humanos, pode-se citar o cristianismo como um dos marcos iniciais, em âmbito planetário, ou pelo menos no ocidente, na medida em que promoveu o ideário de que todos são iguais e ao mesmo tempo únicos, portanto, dignos de serem tratados sem discriminação e ao mesmo tempo respeitados em sua individualidade, como um fim em si mesmo e sujeito de direitos fundamentais.
E é curioso ver na atualidade sujeitos que se dizem cristãos serem contra os direitos humanos, sendo muitos desses inspirados nos ensinamentos e na vida da figura de Jesus.
Enfim, além da contribuição religiosa, no plano laico pode-se frisar o Acto Habeas Corpus (1679), na Inglaterra, a Declaração Americana da Independência (1776), nos Estados Unidos, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1779), na França, como tendo sido eventos que fomentaram e alargaram o conceito de direitos humanos.
Contudo, sem sombra de dúvidas, o marco histórico fundamental para os direitos humanos foram: a criação da Organização das Nações Unidas – ONU – (1945), com seus vários órgãos (Assembléia Geral, Conselho de Segurança, Corte Internacional de Justiça, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela e o Secretariado, além das organizações setoriais, como a UNESCO e a UNICEF); e o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a partir da profunda depressão que abateu a humanidade no período logo posterior à Segunda Guerra Mundial, e da necessária reação que o planeta foi compelido a realizar, a fim de evitar que qualquer situação semelhante voltasse a ocorrer na história.
Contemporaneamente, nas Américas, o sistema de proteção aos direitos humanos consiste na Corte Interamericana de Direitos Humanos, composta pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelos Defensores Interamericanos de Direitos Humanos e pelos Membros da Corte.
Entretanto, apesar de todos esses avanços, há uma onda avassaladora em curso de retrocesso e sabotagem dos direitos humanos conquistados, a exemplo da opressão sofrida pela democracia e pela retaliação à própria Constituição.
Por exemplo, não obstante ao esquema dos grampos noticiado no Fantástico, que rendeu o apelido de "grampolândia" (mundo dos grampos), ante a varredura feita na vida íntima e privada de centenas de pessoas, se é que não de mais de um milhar de cidadãos, recentemente houve um ato inusitado por parte do Governo e da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso, em via de colisão direta à vedação constitucional de intervenção na organização e, sobretudo, funcionamento de associações de natureza privada e sem fins lucrativos, como são os Conselhos Comunitários de Segurança Pública (CONSEG'S), via decreto, portaria e outros atos equivocados, ilegais e arbitrários, exigindo da sociedade civil organizada, entre outras coisas, "fiel obediência". Com o devido respeito, isso é uma excrescência.
Olhe, uma das diferenças elementares entre um Estado de Exceção e um Democrático de Direito é que, no último, quem manda é a lei, em consonância com a vontade do povo - que é o soberano -, enquanto que, no primeiro, quem apita é o arbítrio do "rei", em sintonia com suas paixões, interesses e divagações.
Por fim, fica a pergunta para você responder, caro leitor: hoje, em Mato Grosso, vive-se em um Estado Democrático de Direito?
Paulo Lemos é advogado especialista em Direito Público e atuante no terceiro setor.
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