• Cuiabá, 23 de Novembro - 00:00:00

Pouso suave dos juros

Um pouso suave e seguro. Parece ser esta a estratégia definida pela direção do Banco Central do Brasil para a derrubada da taxa básica de juros (Selic) dos atuais 13,75% em direção ao patamar da faixa reconhecida pelos especialistas como a taxa neutra de juros, algo entre 6% e 7%.

Conceitualmente, taxa neutra de juros é aquela que nem acelera, nem contrai a atividade econômica. Considerando a meta de inflação de 3% para 2024, chega-se à taxa neutra de juros na faixa de 6 a 7% ao ano. Atualmente, a taxa real de juros no Brasil está em 7,54% (taxa básica de juros menos a inflação), uma das maiores do mundo.

A despeito de todos os números e indicadores fiscais e econômicos indicarem o contrário, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, insiste em manter a taxa Selic elevada, sem nenhuma sinalização segura de quando vai iniciar o processo de redução. A inflação movimenta-se para baixo há cinco meses sequentes.

O IGP-M (FGV), índice que mede a variação de preços no atacado e matérias primas, está negativo (-6,72%) um dos menores patamares da sua história. A inflação anual, medida pelo IPCA, caiu para 3,94% em maio e o IPCA-15 de junho recuou para 3,4%. O dólar, um impulsionador de preços, está cotado a R$ 4,80. A taxa de desemprego está em rota declinante e a maior agência de avaliação de risco do mundo, a Standard & Poor’s, melhorou a nota de crédito do Brasil neste mês, sinalizando ao mercado global que o país está retornando ao status de bom pagador de sua dívida.

Outro relevante indicador de percepção de risco, é o chamado CDS ( Credit Default Swap ), que estava em 265 pontos em março e caiu para 177 na última sexta feira. Esse movimento espontâneo do mercado mundial de crédito demonstra que o seguro para empréstimo no Brasil caiu mais de 80 pontos nos últimos meses, reafirmando mais confiança do mercado financeiro global na retomada segura da atividade no Brasil.

No campo fiscal, o governo atual não está fazendo gastanças destemperadas e está prestes a aprovar no congresso nacional o novo marco regulatório fiscal e, no segundo semestre, deverá aprovar a reforma tributária, dando demonstração de boa articulação política perante o parlamento nacional que é majoritariamente opositor.

Em suma, todas as condições e variáveis apresentam-se favoráveis para a redução, sem riscos aparentes de reaquecer o fogo inflacionário. Mesmo assim, a direção do Banco Central ainda vê riscos de disparada da inflação no segundo semestre. Sinaliza isso em certo trecho do seu comunicado ao país, ao afirmar que “O mercado de trabalho, que surpreendeu positivamente ao longo de 2022, tem apresentado resiliência, com aumento líquido dos postos de trabalho e relativa estabilidade da taxa de desemprego”. 

Poderia ser interpretado como uma leitura monetária-fantasmagórica: se o mercado de trabalho (emprego) está em alta, teremos mais renda e, consequentemente, mais pressão na demanda e isso elevará a inflação. Um exagero metodológico que lembra o “realismo fantástico” do escritor colombiano Gabriel Garcia Marques.  Ainda assim, a maioria dos analistas de mercado trabalha com o cenário-base de que o início da redução dos juros será na reunião que o Copom realizará na primeira semana de agosto, finalizando 2023 com a Selic em 12%. Os mais otimistas apostam até em 11,75%.

O Copom ainda vê riscos no mercado de trabalho e no setor de serviços. Este voltou a reaquecer após longo período estagnado, motivado pela pandemia da covid.  Há de se entender a histórica dificuldade de conciliar os interesses políticos e a lógica monetária, papel institucional do Banco Central, mas daí a negar as evidentes melhoras dos indicadores, análises do próprio mercado nacional e internacional, vai uma distância que pode dar margens às interpretações de que o Banco Central está querendo ser mais realista que a própria realidade.

 

Vivaldo Lopes é economista formado pela UFMT, onde lecionou na Faculdade de Economia. É pós-graduado em  MBA Gestão Financeira Empresarial-FIA/USP  (vivaldo@uol.com.br)



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