• Cuiabá, 01 de Junho - 2025 00:00:00

Verbo Não Conjugado

Fiscalizar é um verbo, e, como tal, uma ação. Ação importante. Bem mais para os Parlamentos. Tanto que se constitui como uma de suas funções mais nobres. Deveria sê-lo. Mas, infelizmente, não o é. Isto porque os parlamentares, de uma forma geral, ignoram-na, desconhecem-na. Se alguns deles a conhecem, contudo, fingem que ela, a função, existe. E, assim, continuam na esteira da mesmice, empolgados com as chamadas emendas impositivas, as quais, apesar da obrigatoriedade constitucional, são utilizadas como moeda de troca: os governos a liberam a conta-gotas, mediante a votação de seus projetos nas Casas.

Parlamentares enchem o peito para listarem os destinos de suas emendas, ainda que elas, sequer, tenham sido pagas, até com o fim de obterem dividendos eleitorais. Cantilena repetida e ecoada. Entra e sai legislatura. Nada, entretanto, muda. Fazem vistas grossas a tudo de errado das gestões. Embora façam questão de relembrar aos eleitores dos acertos das gestões. Acertos que são majorados, supervalorizados, ainda que sejam fiascos, em comparação aos desacertos. Nenhuma palavrinha, no entanto, ouve-se a respeito do trabalho de fiscalização.  

Os congressistas fecham os próprios olhos ao artigo 49, inciso X, da Constituição Federal, que diz: “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”. Cegueira também notada em vereadores e deputados estaduais. Aqueles não são dados a lerem à Lei Orgânica do Município, e estes, claro, a Constituição estadual.

Quando a leem, pulam ou passam batido sobre os artigos que tratam da fiscalização, a exemplo do artigo 26, inciso VIII, da Carta mato-grossense: “fiscalizar e controlar, diretamente, através de quaisquer de seus membros ou Comissões, os atos do Poder Executivo, incluindo os da administração indireta”. Isso é muito grave. Torna-se bem mais quando não estão nem aí para os reclamos da população, ou de determinado segmentos da sociedade, que grita ao sentir-se prejudicado por um desacerto do governo.

Fiscalizar não é mesmo verbo conjugado no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e Câmaras municipais. Seus integrantes, de uma forma geral, erram no tempo e no modo. Por isso, nem se atrevem a conjuga-lo. Ao fingirem conjuga-lo, pecam no todo, a exemplo da convocação de auxiliares diretos dos governantes. Pecam e fazem confusão, e de propósito misturam os conceitos de convocar e convidar, como se estes verbos tivessem a mesma ação, igual sentido. Convocar e convidar não são sinônimos, nem parentes são. Isto é de uma clareza tamanha, tal como águas do rio que saem do seu nascedouro, sem os dejetos que lhes são jogados ao longo do seu percurso.

Mas, caprichosamente, deputados estaduais insistem em “convidar” secretários, não só estes, mesmo diante da inexistência desse verbo na Constituição estadual, a exemplo da de Mato Grosso, no seu artigo 27: “A Assembleia Legislativa, bem como qualquer de suas Comissões, poderá convocar para prestar, pessoalmente, informações sobre assuntos previamente determinados, importando crime de responsabilidade e ausência sem justificação adequada”. A Casa Legislativa, ou “qualquer uma de suas Comissões”, convoca. Isto está bastante claro neste artigo, até mesmo para alguém que não tem tanta afinidade com a língua pátria. Ainda assim, insistem em convidar no lugar de convocar. Ao fazê-los, consideram igual sentido a esses dois verbos.

Deus do céu! Situação cômica, que se associa ao trágico, quando os parlamentares, por esquecimento, fazem o certo: convocam o secretário. Secretário convocado, no entanto, não comparece, e chega a dar uma justificativa estapafúrdia: “estar em um evento, em companhia do governador”, sem que tal evento tenha coisa alguma com a sua pasta. Agride, portanto, o artigo 71, inciso V: “comparecer à Assembleia Legislativa ou a qualquer de suas Comissões, quando convocado, no prazo máximo de dez dias após a sua convocação”. Nenhuma atitude do parlamento se vê. Total desrespeito ao preceito constitucional. Fiscalizar é mesmo um verbo não conjugado pelos Parlamentos. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.  



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