• Cuiabá, 18 de Maio - 00:00:00

O Ilusionismo

Era bem cedo quando Luiz abriu a janela de seu quarto. Gesto rotineiro, quase automático. Repetia-o, ao passo que os olhos alcançavam a movimentação do lado de fora. Carros deslizavam apressadamente pela via principal do bairro, a despeito da existência da rotatória que exigia prudência aos motoristas, pois sempre tinha um deles que buscava a direção contrária da pista, ou outro a descer com certa velocidade a rua que fazia daquela uma cruz, apesar da enorme placa de “pare”, em letras maiúsculas. Luiz franziu a testa no exato instante em que o vento frio lhe acariciava o rosto. Mudara o tempo. Caia a chuva. Menos intensa do que fora no período da noite. O céu perdera a fisionomia carrancuda, e ganhou uma feição aberta, brilhosa e risonha.

Tinham desaparecido por completo as nuvens de fumaça, embora as línguas de fogo continuassem a fazer seus estragos no Pantanal, mesmo sem sensibilizarem o governo. Descaso ou falta de disponibilidade? Ambas as opções. Ou quem sabe, talvez, apenas a segunda delas, pois enquanto as chamas devoravam partes do bioma constituído de savana, ceifando vidas de dezenas de animais e deixando outros tantos desesperados, o presidente participava da abertura simbólica do plantio de soja e, em seguida, visitava uma usina de etanol.  

Silêncio! É “proibido proibir” no dizer de uma velha canção, e, no lugar da “furiosa vaia” no festival, uma atmosfera nebulosa cortava o ambiente, deixando-o taciturnamente tolerável, embora o intolerável seja ainda preponderante, o que faz do calar palavra de ordem, somente quebrada para elogiar ainda que seja uma atitude merecedora de repreensão, sem ser embiocada, uma vez que lhe faltou à cafua de casa para se esconder, como a donzela do poema de Gregório de Matos.

A chuva, antes grossa, afina em demasia. Afinou-se tanto que, não teve jeito, tornou-se garoa. Garoa que, pouco depois, se fizera imperceptível. Notada apenas pela claridade que vinha da luz da lâmpada do poste da esquina, defronte à drogaria que, naquela hora da manhã, já era frequentada por clientes, sempre de posse com o guarda-chuva, mesmo aqueles que acabaram de descer dos carros deixados no pequeno estacionamento do estabelecimento.

Rotativo, tal como o frio em tempo de estação trocada, a exemplo das promessas feitas por políticos em campanha eleitoral, logo esquecidas depois da posse dos eleitos, ainda que se tenham áudios e imagens comprometedoras. Nem as gravações, tampouco os textos apresentados na Justiça Eleitoral servem para obrigá-los a cumprirem os prometidos. Textos que são passados por planos de governo, sem nunca terem sido, embora sempre oferecidos como as melhores das mercadorias, ainda que não sejam.

E, de fato, não são. Basta que se deem uma olhada em seus revestimentos, não em que elas aparentam ser, logo se percebem as grossas camadas de maquiagem que escondem o que não se podem mais esconder, com o fim de fazerem o eleitor comprar “gato por lebre”. Mesmo que para isso tenham que transformar o candidato, e o transformam verdadeiramente em algo que ele jamais fora, “probo”, “compromissado com a causa comum”, “competente na arte de administrar”, “habilidoso e talhado para o diálogo e para a negociação”.  Qualidades que lhe são distantes.

Tudo, então, se dá como em um palco, onde a ilusão ganha ar de real, e a realidade passada por fantasia. Fantasia e ilusão dentro de um propósito, o de engabelar a outrem. Daí a vestimenta de “novo” e de “contrário” a política tradicional, com o discurso de “combate a corrupção”, com as mãos entrelaçadas e levantadas para o alto, em uma prece a “Deus e a família”. Estratégia de persuasão antiga, muito antiga, quase tanto quanto a coexistência pacífica entre o Sol e a Lua na abóboda celeste. Luiz fechou em si mesmo. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. 



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