• Cuiabá, 20 de Julho - 2025 00:00:00

Muito Ruim

Era bem cedinho, o clarão dos raios do sol ainda se misturavam com os da lua, em um cruzamento de amor celestial, quando Luiz pulou da cama, correu para o banheiro, e cuidou de sua higiene pessoal. Foi rápido. Bem mais do que o de costume. Igual pressa tomou o café da manhã, e, em seguida, ocupou de sua tarefa diária, sem se perder de vista o relógio que acabou por colocar sobre a mesa. Assim não precisaria mexer com o braço esquerdo para melhor acompanhar o andar sincronizado do indicador da hora, e deixava as mãos livres para o manuseio das teclas do computador.

Sequer teve tempo para encostar à janela do escritório, cuja porta dava de frente para a do quarto, gesto habitual que lhe permitia observar a movimentação de pessoas e carros pela avenida central do bairro, espremida entre a rua de um requintado restaurante e a de uma luxuosa padaria, fechada desde o início da pandemia. Ouvia-se ao longe o cantar solitário do passarinho que fez das folhagens da mangueira sua morada, quase como a um grito de saudade, a exemplo do que faz o João de Barros ao ver-se abandonado e vazio na sua casinha, cuidadosamente erguida no centro da forquilha da velha árvore. Uivava o vento lá fora.

Um dos cachorros agarrou-lhe as pernas, em súplica. Ele, então, pegou-o nos braços, fizera-lhe carinhos, e, ao percebê-lo mais calmo, deitou-o sobre a mesa. Voltou-se ao que fazia, enquanto o Pinscher parecia lhe sorrir em agradecimento. Não mais ventava. O céu perdeu seu mau-humor. Pareceu ter ouvido o badalar dos sinos da antiga Igreja, no instante em que as imagens da infância lhe vieram à lembrança. Encantamento, contudo, quebrado pela chamada do celular. Não deu ouvido. Havia chegado a hora.

Parou com o que fazia, e se dirigiu a sala, acomodou-se ao sofá, enquanto levava uma das mãos em direção do controle remoto, e, ao acioná-lo, o aparelho de TV foi ligado. Pessoas já estavam postos. Iria começar o primeiro debate. De novo tocava o celular. Uma vez mais. Outra. Não deu bola. Chegaram-lhe mensagens. Sua atenção estava voltada unicamente para o monitor. O mediador fazia a primeira pergunta. Pergunta comum a todos os candidatos a prefeitura. Tudo cronometrado. Falações e mais falações. Ataques mútuos. Mais de duas horas depois, as despedidas.

Luiz continuava com os olhos esbugalhados presos a tela do seu televisor Samsung Smart Led. Incrédulo, talvez, com o que acabara de assistir. Pois assistira a um filme de má qualidade, péssimo roteiro e um “script” de muito mau gosto, cujos atores, por falta de repertório e habilidade na arte da esgrima política, por pouco, muitíssimo pouco não provocaram enfarte no pobre do eleitor à frente do televisor, sufocado pelos vômitos em série de bobagens, de ausência do que deveriam dizer, e até frase misoginia, com estocada machista e sexismo, com setas indicativas ao viver nos tempos das cavernas, ainda que se esteja vivendo em pleno século XXI (será mesmo?).

Desejava ser surpreendido. Para melhor, evidentemente. Torceu para que isso acontecesse. Mas não. Prevaleceu, no entanto, o já esperado. “Decepcionado?” – perguntaria o Costa, um de seus amigos de infância. “Em absoluto” – responderia de pronto Luiz, até para evitar ser levado de roldão pelas ondas irônicas do amigo que, desde as primeiras horas da manhã, lhe chamava ao celular. Eram deles também as mensagens que chegaram. Não lidas por causa do debate entre os candidatos. Debate ruim. “Muito ruim”. Fora esta a frase dita por ele ao ser indagado sobre o debate por um colega de trabalho, horas depois, o que provocou risos de outro. Rir para não chorar. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.



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