O céu apresentava-se de mau-humor. Estava fechado, sem brilho e o azul, há dias, tinha desaparecido. Substituído que fora pelo cinza um tanto esquisito e asfixiante, provocado pelas ondas de fumaça advindas do fogo que se alastra com o vento, deixando rastros de destruição na natureza. Por mais que se queira negá-la, seria impossível esconder seus estragos, quase em cadeia. Ainda que se valha de imagens trocadas, repetidas e massificadas pelas redes sociais. Redes sociais que podem, remotamente, juntar pessoas, a despeito do clima de distanciamento. Juntam-nas em torno de postagens, com suas múltiplas curtidas, e por meio das trocas de mensagens, também variadas. Fluem-se as conversas. Estendidas aos grupos fechados, a exemplos dos de whatsapp, e, em um destes, pipocaram os elogios ao presidente da República.
E seguia nessa toada “chapa branca” por um quarto de hora, ou seriam dois, talvez três. Nada fora do tom, ou longe do rosário oficial. Até que o Luiz, por certo cansado de seu próprio silêncio, resolveu apontar os desacertos do governo. Não chegou, sequer, a mencionar o segundo da enorme lista dos erros do governo, quando se viu no paredão, com os até então amigos o classificando de “não patriota”, de “não brasileiro”.
Ao contrário de se recuar, ele se mostrou interessado na discussão, dizendo-lhes que “o ser patriota não o condiciona a ser torcedor do governante de plantão”. “Torcer por um político não pode, nem deve ser considerado sinônimo do ser patriota”. São condições completamente distintas. Observação necessária, com o fim de se evitar a confusão, a misturança de situações diferentes, ou mesmo ser colocado como massa de manobras. Chateados, passaram, então, a tachá-lo de “comunista”, de “esquerdista”. Luiz, meio irônico, corrigiu-os: “ou sou um ou outro, vocês escolhem”, mas lembrem-se: “nem todo esquerdista é comunista, e, ainda que venha a sê-lo, não deixa de amar o seu país”.
Por faltarem argumento para contrapor o que era dito, os demais do grupo tentaram desqualificar a pessoa do Luiz, e este, sempre com muita elegância e precisão, afirmou: “ser patriota não me torna de direita, nem de esquerda, tampouco me impede de ter um posicionamento ideológico”. É “importante que se saibam disso”. Em resposta, recebeu: “kkkkkkkkk”. Ele, senhor de si, pediu-lhes: “não riem”. E, mais adiante, observou: “precisam se atentar para os conceitos das palavras, até para não cometerem erros crassos”. Os amigos voltaram a gargalhar. Valiam-se do deboche como véu para melhor esconderem a própria falta de conhecimento. Falta que lhes era bastante nítida. Perceptível a cada palavra que escreviam, sempre desacompanhadas de qualquer argumento, a exemplo de quando um deles chegou a dizer que o “esquerdista e o comunista devem ser presos”.
Foi de pronto, questionado: “presos sob qual acusação?” Houve um curto silêncio. Luiz, em sutil ironia, provocou-os: “Não me digas que ser comunista ou de esquerda recorre em crime contra a pátria, a ordem e a segurança nacional?” “Justamente isso” – escreveu um. “Presos, depois degredados” – sentenciou outro. “Senhores, não se esqueçam, a ditadura militar já acabou”. “Vive-se, ou se quer viver agora sob o signo da democracia, e, neste regime, o posicionar-se é livre”. Respondia ele, sempre com bastante precisão. “Ser de esquerda é não acreditar em Deus” – assegurou uma pessoa do grupo. “De onde você tirou isso?” – questionou ele. “Da Bíblia...” – respondeu quem havia sentenciado. “Sério mesmo!...”- a ironia lhe era latente. “Em que parte da Bíblia?” Novo silêncio. “Vocês estão me dizendo que o cristão está proibido de ter simpatia ou se filiar a corrente de esquerda?” – perguntou-lhes Luiz. “Sim, claro...” – asseverou um deles. “Vocês têm certeza que já leram a Bíblia?” – perguntou-lhes.
Ele quebrou o silêncio para nova indagação: “sabiam que, neste ano, jovens evangélicos militantes de esquerda sairão para a disputa das cadeiras nas Câmaras de vereador?” “São falsos cristãos” – respondeu de imediato um deles. “Oh... Deus!... Para você todo cristão tem que ser de direita?... Onde está escrito isso? Tem certeza que já leram Isaias?” Pressionados diante de tantas questões, e sem qualquer força de reação, calaram-se. Calaram-se pela ausência de argumentos, por conta de seus desconhecimentos. Ainda que, ao longe, se podia ouvir: “Já raiou a liberdade/ No horizonte do Brasil”. O céu continuava de mau-humor. É isto.
Lourembergue Alves é Professor Universitário e Analista Político.
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