Bruno Sá Freire Martins
Em nosso último artigo falamos do fato de que as licenças prêmio indenizadas em razão da aposentadoria do servidor não integram a base de cálculo do imposto de renda, o que fez surgir o questionamento acerca das férias indenizadas.
Sendo sempre bom relembrar aqui que os Tribunais brasileiros que o aposentado que não usufruiu de suas férias, não converteu elas em pecúnia ou não as contou em dobro durante o serviço ativo, tem direito a ser indenizado no momento de sua aposentadoria.
Indenização essa que independente da demonstração de que a Administração Pública impediu a sua fruição e cuja concessão funda-se no fato de que, dentre outros argumentos, não pode haver enriquecimento sem causa do Poder Público.
O que se daria pelo fato deste ter usufruído do trabalho do servidor, não ter concedido as férias e agora não lhe retribuir, sob a única forma possível, no caso a pecuniária.
Ainda assim, surgiram questionamentos quanto à possibilidade de incidência de imposto de renda, sobre os valores recebidos a título de indenização de férias não usufruídas durante o serviço ativo.
Matéria essa submetida ao Superior Tribunal de Justiça que assim se posicionou:
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. APOSENTADORIA. CONVERSÃO EM PECÚNIA DE FÉRIAS NÃO FRUÍDAS E DO TERÇO CONSTITUCIONAL. INTERRUPÇÃO DAS FÉRIAS EM VIRTUDE DO PEDIDO DE APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA. IMPLEMENTAÇÃO DO PERÍODO AQUISITIVO E FÉRIAS PROPORCIONAIS. DIREITO À INDENIZAÇÃO, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO, SEM A INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA. SÚMULA 386/STJ. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.
I. Recurso Ordinário interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73.
II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, impetrado pela ora recorrente, contra suposto ato ilegal do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que julgou prejudicado o pedido por ela formulado de indenização de férias não usufruídas antes da aposentadoria, em 22/01/2009, ao fundamento de não haver período remanescente de 13 dias a ser gozado, nem implementado, por inteiro, o próximo exercício, de modo a ensejar o pagamento de férias proporcionais.
III. Na inicial requereu a impetrante a concessão da segurança, para assegurar o seu direito à conversão em pecúnia, a título indenizatório, do saldo de 13 dias de férias não usufruídas, bem como do período de férias proporcionais aos meses efetivamente trabalhados, anteriormente à sua aposentadoria, nos termos do art. 74, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 10.098/94. O Tribunal de origem denegou a segurança, eis que "a impetrante gozou antecipadamente um dos períodos de férias, tendo percebido, inclusive, o terço constitucional equivalente. Entretanto, a mesma, quando se aposentou, ainda não havia implementado o lapso temporal correspondente a tal período. O direito a férias somente se concretiza após o término do período aquisitivo; logo, não há falar em direito líquido e certo à conversão de férias em pecúnia", ensejando a interposição do presente Recurso Ordinário.
IV. O Supremo Tribunal Federal, à luz do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, decidiu, em recurso submetido ao regime de repercussão geral (Tema 635), que "é devida a conversão de férias não gozadas bem como de outros direitos de natureza remuneratória em indenização pecuniária por aqueles que não mais podem delas usufruir, seja por conta do rompimento do vínculo com a Administração, seja pela inatividade, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração" (STF, ARE 721.001 RG, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 06/03/2013).
V. O desligamento do servidor público, seja por exoneração ou por inatividade, a ele confere o direito à indenização por férias não gozadas, já que delas não mais pode usufruir, incluído aí o terço constitucional. Dado o cunho indenizatório, dispõe a Súmula 386 do STJ: "São isentas de imposto de renda as indenizações de férias proporcionais e o respectivo adicional".
VI. O fundamento do acórdão recorrido parte da assertiva equivocada de que a impetrante tomara posse e iniciara o exercício, como servidora do TJRS, em fevereiro de 1982 - quando tal ocorreu, comprovadamente, em 19/08/81, conforme documento de fl. 10e -, e negou também direito à indenização das férias proporcionais, previstas no art. 74, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 10.098/94, ao sustentar que a impetrante deveria ter implementado, por inteiro, mais um período aquisitivo, antes de sua aposentadoria, em 22/01/2009.
VII. O art. 67, § 1º, da Lei Complementar estadual 10.098/94 - Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul - dispõe que, "para o primeiro período aquisitivo de férias serão exigidos 12 (doze) meses de exercício". Consoante os assentamentos funcionais da impetrante, cujas cópias encontram-se nos presentes autos, ela tomou posse e entrou em exercício, como servidora do TJRS, em 19/08/81. Após o primeiro período aquisitivo de doze meses, nos termos do aludido art. 67, § 1º, da Lei Complementar estadual 10.098/94, ou seja, de 19/08/81 a 18/08/82 (exercício 1982), iniciou a servidora o gozo de suas primeiras férias de 30 (trinta) dias, em 03/02/83, e assim, sucessivamente, foram usufruídas as férias referentes aos exercícios de 1983 a 2007.
Quanto ao exercício de 2008 (adquirido pelo exercício do cargo público, no período de 19/08/2007 a 18/08/2008), a impetrante usufruiu tão somente 17 (dezessete) dias de férias, de 05/01/2009 a 21/01/2009, aposentando-se em 22/01/2009, remanescendo, ainda, 13 (treze) dias dessas férias, conforme prova o documento de fl. 22e.
Aliás o próprio acórdão recorrido reconhece, a fl. 67e, que a impetrante teria um saldo de férias de 13 dias, relativo ao exercício de 2008.
VIII. Além disso, o art. 74 da Lei Complementar estadual 10.098/94 estabelece que "o servidor exonerado fará jus ao pagamento da remuneração de férias proporcionalmente aos meses de efetivo exercício, descontadas eventuais parcelas já fruídas", pagamento correspondente a "1/12 (um doze avos) da remuneração a que fizer jus o servidor". A impetrante, consoante também se verifica dos seus assentamentos funcionais, começou novo período aquisitivo de férias em 19/08/2008. Porém, não o adquiriu por inteiro (19/08/2008 a 18/08/2009), em face da sua aposentadoria, em 22/01/2009, sendo devida, assim, a indenização por férias proporcionais, correspondentes a cinco meses ou 5/12 (cinco doze avos) da remuneração a que faria jus a servidora, em janeiro de 2009.
IX. Recurso Ordinário provido, na esteira do parecer ministerial, para conceder a segurança, reconhecendo o direito à conversão de férias não gozadas, pela impetrante, em indenização pecuniária, incluído o terço constitucional, referentes aos treze dias remanescentes do exercício de 2008, bem como o direito aos 5/12 (cinco doze avos) de férias proporcionais, relativas ao exercício de 2009, sem a incidência de imposto de renda. (RMS n. 34.659/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 30/11/2022.)
Motivo pelo qual não há que se falar em incidência de imposto de renda sobre os valores recebidos a título de indenização de férias não usufruídas durante o serviço ativo.
Bruno Sá Freire Martins, servidor público efetivo do Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso - MTPREV; advogado; consultor jurídico da ANEPREM, da APEPREV, da APPEAL e da ANORPREV; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor de pós-graduação; membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288 - www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor) e para o site fococidade.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Juruá, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora LTr e A NOVA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS (editora Alteridade) e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


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