Gonçalo Antunes de Barros Neto
O que ainda é possível fazer, diante da natureza perversa das coisas? A violência é uma ferida aberta na história humana. Das cavernas aos grandes impérios, dos campos de batalha às ruas das cidades modernas, o ser humano parece perpetuar um ciclo interminável de agressão, dominação e destruição. Por que, apesar dos avanços éticos, tecnológicos e científicos, ainda se assiste a tanta violência?
A resposta, como quase tudo que toca a complexidade e o mistério humano, não é simples. Sigmund Freud, em seu ensaio O Mal-Estar na Civilização (1930), descreveu a violência como resultado de um conflito insolúvel entre os impulsos instintivos e as exigências da vida em sociedade. Para Freud, o ser humano carrega dentro de si o impulso da agressividade, que, reprimido pela cultura, retorna de maneiras distorcidas e inimagináveis.
A lucidez do pensamento de Thomas Hobbes está no fato de não se deixar enganar, enxerga a realidade sem rodeios. No clássico Leviatã (1651), retratou o estado natural do homem como "guerra de todos contra todos", um cenário de medo e violência onde a vida seria "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta". Para Hobbes, foi necessário criar o Estado para conter essa natureza conflituosa, mas a violência nunca foi completamente erradicada — apenas delegada ou adormecida.
Apesar disso, há fatores considerados por outros pensadores que depõem a favor: nem todos veem a violência como um destino biológico inevitável. Jean-Jacques Rousseau, em contraposição a Hobbes, acreditava que o homem era bom por natureza e que a sociedade — com suas desigualdades e corrupções — é quem o depravava. Daí surge uma reflexão inquietante: seria a violência um sintoma do próprio sistema social criado? Uma consequência dele?
No mundo contemporâneo, apesar dos tratados de paz, das declarações universais de direitos e das tecnologias de comunicação instantânea, a violência se transforma, se adapta, mas não desaparece. Ela está nas guerras, sim, mas também nas relações cotidianas, na violência doméstica, no racismo estrutural, na exclusão social, na intolerância política e religiosa.
Aprofundando a percepção sobre esse aparente paradoxo, Hannah Arendt, em Sobre a Violência (1968/1969), fez uma distinção crucial: poder e violência não são sinônimos. A violência surge quando o poder fracassa. Ela é, muitas vezes, a linguagem dos que se sentem impotentes, excluídos ou ignorados. Em suas palavras, "a violência pode destruir o poder; ela é absolutamente incapaz de criá-lo."
Vivem-se tempos paradoxais. Essa é a civilização que enviou sondas a Marte e, ao mesmo tempo, é a sociedade que assiste a genocídios e massacres étnicos. O mesmo ser que cria obras de arte sublimes é o mesmo capaz de perpetrar atos de crueldade indescritível.
Por que, afinal, vive-se sobre dilemas de violência e amor? Porque, talvez, a violência tenha raízes profundas no medo: medo do outro, medo da perda, medo da diferença. E onde há medo, há frequentemente a busca desesperada por controle — e a violência é a forma mais primitiva de exercê-lo.
Mas há espaço para a esperança. Albert Einstein, em diálogo com Sigmund Freud, afirmou: "Tudo aquilo que fomente o desenvolvimento da cultura atua contra a guerra." A educação, o diálogo, a empatia e a construção de sociedades mais justas podem reduzir os impulsos violentos, mesmo que nunca os eliminemos por completo.
A história humana não é apenas uma crônica de guerras e opressões. É também a história da luta por justiça, da conquista de direitos, da criação de pontes sobre abismos. A pergunta que resta não é se se pode erradicar a violência de vez — talvez isso seja utópico —, mas se pode, ao menos, escolher resistir a ela todos os dias. É a batalha contra sua própria sombra.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto (Saíto) tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito (Email: podbedelhar@gmail.com).
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