• Cuiabá, 20 de Abril - 00:00:00

"Para diminuir a carga tributária precisa reduzir as despesas públicas", assevera Maizman


Sonia Fiori – Da Editoria  

Não existe dinheiro público, e sim dinheiro dos contribuintes. A célebre interpretação acerca do “dinheiro dos contribuintes”, cravada pela estadista Margaret Thatcher, costuma ser frisada nas análises do complexo universo tributário pelo advogado e consultor Victor Humberto Maizman.

Recentemente, Maizman pontuou questionamento em artigo de sua autoria aos candidatos ao Governo sobre qual a dinâmica a ser adotada no comando do Poder Executivo para se sobrepor às agruras do aperto de cinto num caixa público engessado, de parcos investimentos e que atravessa profunda crise em setores como a Saúde, por exemplo.

Nesta entrevista ao FocoCidade, Maizman assevera uma forma prática como resolver o grande dilema da gestão pública de Mato Grosso. Assinala a necessidade de revisão sobre a inchada máquina pública, passando por cortes e o alinhamento a uma plena fiscalização, devendo ser acompanhada de órgãos competentes como o Ministério Público.

Maizman defende o cumprimento da Constituição Federal na aplicação dos moldes que prevêem benefícios à população relativos a cobrança de tributos sobre serviços quando considerados essenciais. Verificada a resistência, negativa do Poder Público em fazer valer a Constituição, a via da Justiça tem sido o meio para tentar assegurar “justiça social”.

Na leitura sobre a polêmica política de incentivos fiscais, o consultor destaca a importância dos benefícios para garantir o desenvolvimento socioeconômico de Mato Grosso, bem como a tese da industrialização como suporte e incremento na matriz da arrecadação.  

Maizman comenta ainda o dilema da Reforma Tributária, aspectos positivos e negativos e alerta para os parcos resultados sobre a atual conjuntura. “O inconformismo da sociedade é o fato de que se arrecada milhões e milhões de reais, porém nos deparamos com o aumento da violência, da falta de recursos para o setor de saúde e principalmente com os escândalos de desvio de dinheiro do cidadão pagador de tributos.”

Confira a entrevista na íntegra:

O senhor costuma pontuar e cobrar o cumprimento à risca da Constituição Federal em diversos pontos relacionados ao contribuinte. Já exemplificou e citou também inúmeras vezes um importante aspecto, referente à aplicação da carga tributária que “teoricamente” deveria ser menor quando considerada em serviços essenciais, fundamentais à população.  Na prática, ocorre o contrário, por quê?

A Constituição Federal impõe no caso do ICMS que quanto mais essencial o produto ou serviço prestado ao consumidor, menor deve ser a alíquota exigida. No caso de Mato Grosso como a principal atividade econômica é resultante do agronegócio e, por consequência, tais produtos são destinados à exportação, a Lei Kandir que trata das normas gerais do ICMS, dispõe que tal operação é isenta do imposto. Nesse contexto, considerando que as despesas públicas são enormes, o Governo deixa de cumprir a Constituição Federal, uma vez que as maiores alíquotas de ICMS aplicadas são incidentes sobre o consumo de energia elétrica, comunicação e combustíveis. No caso tenho defendido através de embasamento técnico econômico e jurídico que a industrialização é a forma mais viável para o desenvolvimento da economia regional.  

Nesses termos, o conceito de “dinheiro público” não existiria, e sim “dinheiro do contribuinte” como o senhor também faz questão de frisar. Quais os prejuízos ao cidadão sobre a incorreta interpretação acerca do conceito da proveniência dos recursos? 

Os recursos públicos são provenientes da arrecadação tributária, que por sua vez, decorre de parte do patrimônio que o cidadão é obrigado a repassar ao Poder Público através dos tributos. Nesse contexto, a primeira grande questão que o cidadão deve ter é de que é ele quem mantém o Estado, é ele quem financia toda a estrutura estatal, de modo que é ele que tem todo o direito de exigir que o seu dinheiro seja bem aplicado a favor da sociedade.  Por sua vez, cabe ao Poder Público demonstrar de forma clara à sociedade a sua arrecadação e a aplicação dos seus recursos, ou seja, o Estado deve sempre prestar conta ao cidadão pagador de impostos. 

Primeiro que chamar de proposta de reforma tributária é equivocada, uma vez que está se tratando apenas de ICMS.

Sofremos em Mato Grosso uma das mais altas cargas tributárias, leia-se o ICMS sobre a energia elétrica. Isso move ações na Justiça, sobre a incidência a mais de impostos numa contabilidade a cargo da concessionária que é de difícil compreensão para a grande maioria que paga a conta, ou seja, a população de forma geral. Considerando que o ICMS é a maior fatia da arrecadação própria do Estado e sua prevista resistência para mudar as regras, somente a via da Justiça pode assegurar níveis aceitáveis sobre o valor a ser pago, ou o senhor sugere ao próximo governador uma revisão no sistema?

As alíquotas de ICMS estão previstas em lei estadual. Portanto, cabe não apenas ao Chefe do Executivo propor a alteração da aludida lei, como também a própria Assembleia Legislativa através dos respectivos deputados, ou seja, cabe ao eleitor provocar não apenas o candidato ao Governo, como também aqueles que queiram integrar o Parlamento Estadual levar tal discussão à frente. Tenho defendido que cabe ao cidadão exigir o debate da matéria e alteração da legislação, a fim de que seja aplicada a menor alíquota possível de ICMS incidentes sobre o consumo de energia elétrica, telefonia e combustíveis.

Seguindo a linha da alta carga tributária, a tão propalada Reforma Tributária de Mato Grosso simplesmente estacionou. Como é de se esperar, ocorre o receio de vários segmentos como o comércio sobre o aumento de impostos. Na sua análise, quais os aspectos positivos e negativos dessa proposta?

Primeiro que chamar de proposta de reforma tributária é equivocada, uma vez que está se tratando apenas de ICMS. Contudo, realmente houve avanços na proposta apresentada, principalmente quanto a redução dos percentuais de multas previstas e maior transparência com relação à aplicação da própria legislação. No tocante o receio de majoração da carga tributária de alguns segmentos, é importante destacar que realmente com a alteração do critério de apuração do imposto, ocorrerá a majoração tributária para algumas atividades.

Diria que a maior falha do Poder Público nesse cenário é a não resposta em termos de serviços públicos numa máquina inchada e de resultados duvidosos?

Sim, o inconformismo da sociedade é o fato de que se arrecada milhões e milhões de reais, porém nos deparamos com o aumento da violência, da falta de recursos para o setor de saúde e principalmente com os escândalos de desvio de dinheiro do cidadão pagador de tributos. Isso desmotiva o pagamento. Ninguém tem o prazer de pagar tributo sabendo que não será aplicado de forma satisfatória.

Ninguém tem o prazer de pagar tributo sabendo que não será aplicado de forma satisfatória.

No tocante à burocracia do sistema tributário no Estado, quais as conseqüências ao Poder Público e ao cidadão?

Está tramitando também na Assembleia Legislativa uma proposta de alteração da lei que trata dos processos administrativos tributários. Essa lei permite que o cidadão pagador de tributos possa questionar de forma bastante simples a exigência dos tributos estaduais, incluindo todas as taxas e impostos exigidos pelo Estado. Por isso é necessário que a proposta inclusive apresentada pelas entidades representativas dos segmentos empresariais e da sociedade, à exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil, possa avançar. 

A política de incentivos fiscais é outro tema que por vezes gera acaloradas discussões. De um lado se defende, como o senhor que coloca os termos constitucionais e diferenciação à aplicação para estados como Mato Grosso, em desenvolvimento. De outro, os críticos apontam perdas aos cofres, e o Governo estimou renúncia no atual exercício de R$ 3,5 bilhões. Na prática, há de se separar o joio do trigo?

Recente estudo realizado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento e também pela Federação das Indústrias, através de critérios técnicos abordados, chegou-se a conclusão que para cada R$ 1,00 de incentivo fiscal concedido o Estado tem um retorno de R$ 1,50 revertido no aumento do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH nas regiões menos favorecidas, ou seja, não há outra forma do Estado crescer senão através da industrialização, que por sua vez, apenas é implementada se houver políticas claras e impessoais de programas de incentivos fiscais. É importante ressaltar que o Estado tem o poder/dever de implementar programas para diminuir as desigualdades sociais e fomentar o desenvolvimento das regiões menos favorecidas, tudo conforme previsto tanto na Constituição Federal, como também na Constituição Estadual. 

A meu ver deve ser aplicada uma regra mais severa para que seja cumprida a obrigação, inclusive com a hipótese de improbidade administrativa do Presidente da República.

No artigo de sua autoria, “Eleições e a carga tributária”, o senhor trata do cenário geral passando pelo alerta de que não será o setor do agro o responsável pelo aumento da arrecadação – considerando aí a desoneração de pagamento de ICMS sobre produtos exportados. No Congresso ocorre o debate sobre a regulamentação da compensação pelas perdas geradas na Lei Kandir. Credita nessa proposta a forma mais célere para garantir certo alívio aos cofres dos estados e municípios?

A Lei Kandir dispõe que o ICMS é isento nas operações com produtos destinados à exportação e, em contrapartida, ficou definido de que a União deve compensar os Estados por força dessa desoneração. Contudo, é recorrente de que a União deixa de efetivar tal repasse, hipótese que acaba comprometendo as finanças estaduais e também municipais, uma vez que parte da arrecadação do ICMS é destinada aos municípios. A meu ver deve ser aplicada uma regra mais severa para que seja cumprida a obrigação, inclusive com a hipótese de improbidade administrativa do Presidente da República, inclusive com a possibilidade de abertura de processo de impeachment, pelo não cumprimento de tal dever. 

E o senhor deixa no referido artigo a indagação aos candidatos ao Governo sobre “como resolver essa equação de diminuir a carga tributária nos moldes previstos na Constituição Federal, sem contudo, comprometer as despesas do próprio Estado”. Qual seria a sugestão, considerando sua expertise na área?

Um passo importante para isso foi a edição da Emenda Constitucional que impôs um teto de gastos do Poder Executivo, o qual deveria ser seguido pelos demais Poderes, ou seja, para diminuir a carga tributária precisa diminuir as despesas públicas através de uma fiscalização mais eficiente envolvendo Ministério Público, Tribunal de Contas e principalmente a imprensa, a qual tem um papel fundamental para divulgar os atos do Poder Público e propiciar que o cidadão pagador de tributos possa exigir que os recursos sejam geridos de forma mais transparente.




Deixe um comentário

Campos obrigatórios são marcados com *

Nome:
Email:
Comentário: