• Cuiabá, 29 de Março - 00:00:00

General chega ao comando da Defesa após desconfiança de militares com políticos e esvaziamento da pasta


Pedro Paulo Rezende Especial para a Revista Congresso em Foco

A efetivação do general de Exército Joaquim Lima e Luna como primeiro militar a comandar o Ministério da Defesa representa uma mudança radical desde a criação da pasta, em 1999. Essa medida jamais seria adotada durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff — quando a prevalência do poder civil era um dogma. Vários motivos explicam a decisão do presidente Michel Temer, antecipada pela Revista Congresso em Foco.

Em primeiro lugar, há uma clara desconfiança dos comandantes militares com o meio político, o que poderia ocasionar o constrangimento de um veto das Forças Armadas a um candidato civil. Em segundo, com a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, a pasta esvaziou-se ao se transformar em uma espécie de apêndice do Ministério da Segurança Pública, chefiado pelo ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann.

Isso ficou claro quando coube a Jungmann, e não a Silva e Luna, responder à descoberta de informes preparados em 1974 pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) que envolvem os ex-presidentes Ernesto Geisel e João Figueiredo na execução de guerrilheiros capturados pelas forças de segurança.

Descoberto pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas, o informe relata que Geisel endossou a execução de guerrilheiros. Caberia ao então ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general de divisão João Batista Figueiredo, decidir caso a caso sobre quem seria eliminado. A medida foi implantada com rigor no combate à Guerrilha do Araguaia, organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), onde a maioria dos rebeldes foi eliminada. Os corpos foram cremados e dispersos na selva.

Considerada pelos críticos como jogada eleitoral, a criação da pasta da Segurança Pública previa o uso das Forças Armadas em atividades diretas de policiamento em um prazo estabelecido para o fim da missão, o que contraria a doutrina das operações de garantia da lei e da ordem. Além disso, colocou o aparato militar de inteligência e informações a serviço das atividades de segurança pública.

A intervenção é vista com muitas reservas pela oficialidade. Sem regras definidas de engajamento — o que estabelece as condições em que a tropa pode entrar em combate — e com poder de polícia limitado — o que determina as normas de apreensão de suspeitos —, é alto o risco de desmoralização das Forças Armadas junto à população. O que já aconteceu durante a ocupação do Complexo do Alemão. Ao verificar que os soldados não prendiam crianças a mando do narcotráfico, a comunidade passou a hostilizar as tropas de ocupação com pedradas e xingamentos.

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Primeira opção

Na última reforma ministerial, forçada pelo processo de desincompatibilização eleitoral, nenhum partido se interessou pelo cargo de ministro da Defesa. O presidente Michel Temer pediu então uma indicação ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, que sugeriu o nome do filósofo Denis Rosenfield para o posto.

Gaúcho como Etchegoyen, criador de um importante think thank conservador, o Instituto Millenium, e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rosenfield possui bom trânsito entre os generais e costuma frequentar as cerimônias militares em Porto Alegre. Sem ligação partidária, cultiva uma amizade antiga com Etchegoyen e é um interlocutor importante do presidente da República, que costuma aconselhar-se com ele sobre temas variados, inclusive a situação política nas Forças Armadas.

Antes de ocupar interinamente a Presidência da República, ao se iniciar o processo de impeachment da ex-presidente Dilma, Temer usou o bom trânsito de Rosenfield para prospectar o ânimo dos comandantes militares. Foi por meio das negociações dirigidas pelo filósofo que ele obteve total apoio das Forças Armadas para assumir o governo definitivamente quando Dilma deixou o Palácio do Planalto.

A decisão de Temer de recriar o Gabinete de Segurança Institucional e nomear Etchegoyen para o cargo também está na conta de Rosenfield. Apesar desses antecedentes, o intelectual gaúcho, contrário ao uso das Forças Armadas nas tarefas de segurança pública, não aceitou ser ministro da Defesa.

Continuidade

A efetivação do general Silva e Luna traz uma grande vantagem para o programa que o presidente Michel Temer tenta transformar em vitrine para seu governo: a intervenção federal no Rio de Janeiro. Como chefe de Estado Maior do Exército, cargo que ocupou entre 2011 e 2014, o novo ministro da Defesa participou ativamente da ocupação do Morro do Alemão e das intervenções das Forças Armadas durante as greves das polícias militares dos estados da Bahia e do Ceará. Além disso, sob coordenação do então chefe do Estado Maior Combinado das Forças Armadas, general José Carlos de Nardi, ele integrou a equipe de planejamento e execução do projeto de segurança implementado durante a Copa das Confederações, em 2013, e o Mundial da Fifa de 2014, realizados sob grandes protestos contra o governo.

A atuação das Forças Armadas nesses episódios e durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, tem o DNA do general Silva e Luna. Foi, inclusive, uma das razões que embasaram sua escolha pelo ex-ministro Aldo Rebelo, com total endosso da ex-presidente Dilma, para ocupar a Secretaria-Geral do Ministério da Defesa — cargo essencialmente técnico e que concentra as atividades administrativas da pasta.

A efetivação do ministro ainda oferece um plano “B” no caso de agravamento da doença degenerativa que afeta o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que sofre de esclerose lateral amiotrófica e estabeleceu como missão, desde o início do processo que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, garantir a transição para o governo que será eleito na disputa presidencial de 2018. Além de sua liderança sobre os 18 generais que integram o Alto Comando da força terrestre, Villas Bôas conta com o apoio dos comandantes da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Nivaldo Rossato.

Improvisação

Villas Bôas pretendia passar o comando para um sucessor no mês de abril, mas a condução da intervenção federal no Rio de Janeiro atrasou seus planos. Ao contrário das ações realizadas durante a ocupação do Morro do Alemão e dos grandes eventos esportivos, planejadas com antecedência, a decisão de Temer foi tomada de supetão. Com base na experiência prévia, montou-se uma ação improvisada no Comando do Exército, coordenada por Jungmann.

O comandante do Exército não defende o uso das Forças Armadas nas ações de segurança. Ele reconhece que a experiência brasileira na Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah) oferece uma boa base para as operações, mas considera altos os riscos de empregar unidades treinadas para conflito externo nas ruas brasileiras. O equipamento é inadequado e, se tiver de ser utiliza do, pode causar fortes baixas entre civis, o que é chamado no jargão militar como “efeitos colaterais”. Ele também teme uma eventual desmoralização se a intervenção federal não apresentar resultados concretos no Rio de Janeiro.

No front político, na véspera do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, Villas Bôas derrapou na curva ao ultrapassar limites estabelecidos em consenso com o almirante Leal Ferreira e o brigadeiro Rossato. Ele publicou dois tweets: no primeiro, assinalou a posição oficial das Forças Armadas, destacando o respeito às instituições; no segundo, jogou para a torcida, o público interno, essencialmente antipetista, ao afirmar que a instituição não aceita a impunidade nem a corrupção.

O que era para ser uma jogada interna — para responder aos anseios de uma oficialidade cada vez mais indignada com o quadro político — transformou-se, diante da opinião pública, em uma pressão sobre a suprema corte e uma ameaça sutil de intervenção militar. Diante da repercussão, coube ao comandante da Aeronáutica assegurar, em nota, o respeito das Forças Armadas à Constituição. “Nestes dias críticos para o país, nosso povo está polarizado, influenciado por diversos fatores. Por isso é muito importante que todos nós, militares da ativa ou da reserva, integrantes das Forças Armadas, sigamos fielmente a Constituição, sem nos empolgarmos a ponto de colocar nossas convicções pessoais acima daquelas das instituições”, dizia a nota.

O brigadeiro terminava o comunicado oficial com um alerta: “Os poderes constituídos sabem de suas responsabilidades perante a nação e devemos acreditar neles. Tentar impor nossa vontade ou de outrem é o que menos precisamos neste momento. Seremos sempre um extremo recurso não apenas para a guarda da nossa soberania, como também para mantermos a paz entre irmãos que somos. Acima de tudo, o momento mostra que devemos nos manter unidos, atentos e focados em nossa missão.”

Silva e Luna não tem o carisma de Villas Bôas — seria uma espécie de picolé de chuchu, insosso e sem gosto —, mas conta com o respeito da oficialidade. Ele poderia ocupar um eventual vazio deixado pelo comandante do Exército, que recentemente foi internado para tratamento hospitalar diante do agravamento da doença. Hoje, o general Sérgio Etchegoyen deixou de ser uma alternativa à liderança do comandante do Exército. Considerado por seus pares como detentor de alto preparo intelectual, ele perdeu prestígio ao ter sua imagem confundida com a do presidente Michel Temer, que se encontra sitiado por denúncias do Ministério Público e da Procuradoria Geral da República.

Tranquilo e discreto

Aspirante a oficial da turma de 1972, o general Silva e Luna é reconhecido pela competência profissional desde o início da carreira, quando participou, como oficial da Arma de Engenharia, da construção de estradas no interior do país. É um pernambucano de poucas palavras e reservado que integra uma geração que não teve envolvimento na repressão imposta pelo regime militar de 1964.

Ele sempre marcou sua vida por não se manifestar politicamente e pela lealdade aos superiores (é extremamente ligado ao ex-comandante do Exército, Enzo Martins Peres, que comandou a força terrestre entre 2007 e 2015, e ao general Villas Bôas). Com sua atuação tranquila e profissional, Silva e Luna apaziguou os ânimos dos comandantes militares ao suceder Eva Maria Cella Dal Chiavon (nomeada pelo ex-ministro Jaques Wagner) na Secretaria-Geral do Ministério da Defesa. Considerada arrogante, Eva Maria Chiavon colecionou desafetos durante a passagem pelo cargo.

Ao assumir o Ministério da Defesa, o deputado Aldo Rebelo (então no PCdoB), primeiro comunista a ocupar o cargo, teve no secretário-geral um ponto de apoio que garantiu sua gestão. Natural de Barreiros (PE), o general Silva e Luna tem 68 anos. Ele ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 10 de fevereiro de 1969 e, antes de entrar no Exército, estudou na Escola Agrotécnica Federal de Barreiros, na década de 1960.

Durante a carreira, Silva e Luna comandou o 6º Batalhão de Engenharia de Construção (1996- 1998), em Boa Vista (RR), e a 16ª Brigada de Infantaria de Selva (2002-2004), em Tefé (AM). Seu currículo inclui a Diretoria de Patrimônio (2004- 2006), a chefia de gabinete do Comandante do Exército (2007-2011) e a chefia do Estado-Maior do Exército (2011-2014), onde coordenou grandes eventos esportivos. O general também participou da Missão Militar Brasileira de Instrução no Paraguai e ocupou a Aditância Militar da Embaixada do Brasil em Israel de 1999 a 2001.




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