• Cuiabá, 28 de Março - 00:00:00

Professor da UFMT desnuda falácias sobre o sistema de transportes em MT


Foto: Coeng  - Foto: Foto: Coeng Coordenador do NELT/UFMT, professor Luiz Miguel de Miranda. Foto: Coeng
Sonia Fiori - Da Editoria

A leitura sobre o cenário dos transportes e suas variantes, passando pela gestão pública e os efeitos ao desenvolvimento socieconômico do Estado não poderia ser mais perspicaz na prática da aplicação da pesquisa aliada à técnica, sob um dos profissionais que se tornaram referência em Mato Grosso, o coordenador do Núcleo de Estudos de Logística e Transportes (Nelt) da UFMT, professor do curso de Engenharia de Transportes, Luiz Miguel de Miranda.

Nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade, o professor, catedrático no assunto, perfaz com exímio conhecimento e experiência, apontamentos acerca do sistema de transportes no Estado, se atendo também ao modelo vigente na região metropolitana que envolve Cuiabá/Várzea Grande.

“Temos um agravante no tráfego urbano que é o aumento desenfreado do transporte individual motorizado, que dificulta qualquer processo de planejamento. Para fazer alguma coisa é necessário fazer um detalhado diagnóstico, que, invariavelmente, passa pela pesquisa origem-destino. Os gestores têm de entender que sem conhecer os hábitos dos habitantes, não há como planejar nada”, pontua em trecho da entrevista.

Luiz Miguel de Miranda traça o mapa do sistema no Estado, alertando para o que considera “falho” como em relação à qualidade das rodovias de Mato Grosso. “Resumidamente: pelo exposto pode-se dizer que a qualidade das rodovias em Mato Grosso é insuficiente, considerando a importância da carga que por elas trafega.”

Ressalta que “se uma administração tem interesse de solucionar os problemas da rede rodoviária em Mato Grosso, ela tem que, necessariamente, detalhar um Sistema de Gerenciamento da pavimentação- SGP. A administração optou por contratar empresas de fora do estado com pouca experiência nesse processo, e o resultado começará a aparecer em breve, com a baixa qualidade dos pavimentos feitos nesta administração”.

O professor descreve os prós e contras nas discussões sobre outros modais de transporte, leia-se ferrovias e hidrovias, amarradas na burocracia de decisões e interesses do sistema. Luiz Miguel alerta ainda para o campo das tarifas ferroviárias que, ao contrário do que se presume, estão próximas do frete rodoviário.    

“Regra geral, as tarifas ferroviárias em Mato Grosso são estabelecidas como porcentagens do frete rodoviário, e não raro alcançam 90% do frete rodoviário.” Classifica como “show de pirotecnia” certas tratativas no âmbito dos projetos ferroviários.

“A FICO está sob análise do TCU, porque a VALEC foi enredada no maior escândalo que rendeu cadeia e algemas para os diretores da empresa, e não há perspectiva que esse nó seja desatado em curto espaço de tempo; d- o projeto da ferrovia Transcontinental foi lançado em meio a um show pirotécnico pelo fato de que seria um empreendimento que carrearia recursos da China para o Brasil, mas seu traçado é inconsistente, pelo fato de que não inclui passagem pela Bolívia, e sem a Bolívia não há projeto de integração da América do Sul, e o projeto hoje descansa em berço esplêndido à espera de um novo show de pirotecnia”.

Ao esmiuçar o quadro global, o professor assinala sua contrariedade com a adoção do RDC (Regime Diferenciado de Contratação). “Não concordo em absoluto com a aplicação da metodologia RDC para fugir ao rigor da lei 8.666/93, que regulamenta a licitação de obras públicas. Os exemplos Brasil afora dos insucessos da RDC reforçam a necessidade de voltar às licitações de acordo com a Lei 8.666/93.”

Acentua ainda que “deve-se reforçar que existe um monopólio do transporte rodoviário no estado de Mato Grosso que tem de ser quebrado para que se garanta a competitividade da produção regional”. E também assevera não serem as concessões rodoviárias “a panaceia para todos os males”.

Luiz Miguel de Miranda é autor o livro “Sistemas de Transporte e Intermodalidade – Corredores de transportes em Mato Grosso”. É mestre em Engenharia Oceânica e doutor em Engenharia de Transportes pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ.

Confira esses pontos e outros na íntegra da entrevista:

Professor, em 2015 o senhor participou de discussões sobre o plano de mobilidade de Cuiabá, pontuando a necessidade de a gestão pública do município projetar as ações para os próximos 10 anos. Percebe hoje mudanças no sentido necessário do planejamento em Cuiabá?

Alguma coisa teve avanços, notadamente no que tange à aplicação de recursos em Intelligent Transport System- ITS, com a gestão dos fluxos na área urbana. A efetiva implantação de faixa exclusiva para ônibus é também um aspecto positivo, mas percebe-se um atraso inaceitável na aplicação de penalidades aos infratores. Esse atraso foi de no mínimo seis meses, inconcebível na gestão do tráfego urbano. Em transporte público pouca coisa foi feita, dada a complexa teia que envolve operadores, legislação e a crise econômica. Não obstante essas circunstâncias, tem-se um aumento da demanda das viagens por ônibus, que sublinha a crise econômica (as pessoas retornam para o transporte coletivo), reforçando a necessidade de os gestores aprofundarem os estudos sobre as tarifas. Nada foi feito em torno da execução da pesquisa origem-destino, indispensável para identificação da demanda e dos fluxos que levam ao desenho das linhas de ônibus no transporte urbano de passageiros. Sem pesquisa origem-destino não há como iniciar discussão sobre tarifas, e com isso todo o planejamento de transporte público está prejudicado. Ainda sobre tarifas, o atual modelo usado em todo o País mostra que é necessário rediscuti-lo, porque houve uma série de intromissões no processo, como por exemplo, o equívoco da redução unilateral imposta pela Prefeitura de Cuiabá na crise urbana de 2013, na qual o prefeito de plantão decidiu reduzir a tarifa em 30 centavos, na época. Em seguida o Governo Federal abriu mão dos impostos PIS-Cofis para atenuar os efeitos sobre a tarifa, que gerou um protocolo de compensação ente a Prefeitura e as empresas. O resultado de todo esse processo é visível no estado de conservação da frota, sem contar que todo esse imbróglio resultou no aumento da vida útil da frota (comprometendo a qualidade do serviço), e fechamento de empresas operadoras entre 2013 e a data atual.

O que é possível fazer pela atual administração para minimizar os efeitos da ausência de planejamento no passado em relação às vias de tráfego?

Temos um agravante no tráfego urbano que é o aumento desenfreado do transporte individual motorizado, que dificulta qualquer processo de planejamento. Para fazer alguma coisa é necessário fazer um detalhado diagnóstico, que, invariavelmente, passa pela pesquisa origem-destino. Os gestores têm de entender que sem conhecer os hábitos dos habitantes, não há como planejar nada. A gerência das vias urbanas é um problema que esbarra na falta de recursos, pois as soluções além de caras, são praticamente inviáveis pelo custo das desapropriações. O tecido urbano impede a expansão das vias do sistema viário urbano, dado o acúmulo imemorial da falta de política fundiária, superposta aos sítios protegidos, como por exemplo, o sitio histórico, que em Cuiabá não chega a se constituir em problema insolúvel, dadas as pequenas dimensões. Essa gestão, incluindo a expansão da rede é sempre um aspecto problemático, uma vez que se o espaço é ocupado por moradias, o Estado tem que estar presente com os serviços públicos como transporte, água e esgoto, energia e comunicações, educação e cidadania. Se não há planejamento sistêmico que atenda a esses aspectos, logicamente, a infraestrutura das vias urbanas são sacrificadas.

O sistema de região metropolitana, de decisões em conjunto entre municípios e nesse caso mais especificamente entre Cuiabá e Várzea Grande, vem funcionando na prática em relação ao sistema de transportes?

A coexistência da gestão urbana de dois municípios (Cuiabá e Várzea Grande) com a Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá implica uma série de deveres comuns aos municípios, principalmente no que tange aos sistemas de transportes. O sistema de transporte intermunicipal, por exemplo, implantado em 2007 pelo antigo Aglomerado Urbano Cuiabá-Várzea Grande- AGLURB, que implantou nove linhas troncais entre as duas cidades, com 82 ônibus novos, funcionou a contento até 2013, ano da eclosão da crise urbana. Daí por diante os veículos envelheceram e a reposição não foi feita como estava projetado, e o sistema foi também alcançado pela crise. A demanda aumentou, os tempos de viagem também aumentaram, e as soluções dadas (introduzir mais veículos nas linhas existentes) não foram suficientes para resolver os problemas. Todavia, um sistema de transportes que opera uma única modalidade de transporte (ônibus), entre duas cidades ditas gêmeas, separadas apenas pelo Rio Cuiabá, ligadas por cinco pontes em área totalmente urbanizada, não constitui problema de difícil solução, em que pese que o Estado não fez a parte que lhe cabia, qual seja a gestão da infraestrutura das vias e instalações, nem o monitoramento, e nem o sistema de comunicação ao usuário. Deixou a desejar. De uma maneira geral as administrações municipais não interagem entre si, e isso deve ser creditado à fraqueza dos instrumentos criados para estimular essa gestão compartilhada. Um exemplo é a o controle de velocidade nas vias urbanas instalado em Cuiabá e ausente na vizinha Várzea Grande.

O rodízio de veículos é uma alternativa para minimizar o desconforto dos congestionamentos diários nesses municípios?

Em princípio sim, porque na teoria reduz a frota circulante à metade. Na prática, não é exatamente isso que acontece, como relatam estudos em cidades que já usam esse sistema. O controle efetivo da circulação mediante monitoramento por câmeras, que dispensa mão de obra, tornou mais eficiente para fiscalização. Na verdade, quem tem a cultura da dependência do transporte individual motorizado não é alcançado pelos programas de redução do uso do automóvel, e há fortes indícios de que no caso de Cuiabá essas pessoas teriam um segundo veículo para dispor nos dias alternados. Vejamos os números de 2017 para entender essa afirmativa: população de Cuiabá (IBGE, 2017): 600.000 habitantes; população economicamente ativa (IPEA, 2016): 390.000 pessoas; número de automóveis registrados (DETRAN, 2018): 402.000; número de veículos em circulação (NELT/UFMT, 2015): 301.000; número de motocicletas registradas (DETRAN, 2018): 112.000; número de motocicletas em circulação (NELT/UFMT, 2015): 78.000. Resumidamente, tem-se uma população que faz viagens diariamente de 390.000 pessoas, para uma frota motorizada total circulante de 379.000 veículos, que representa, aproximadamente, um veículo para cada habitante economicamente ativo. Restringir a circulação de veículos pelo final de placa (par/ímpar) para dias alternados, com os números descritos acima durante a semana não teria os resultados que se deseja, e poderia ter efeitos contrários com a compra do segundo veículo para parte desse contingente que faz viagens diariamente.

Estado. Qual sua leitura sobre a qualidade das estradas em Mato Grosso?

A classificação qualitativa das rodovias obedece, regra geral, a dois aspectos: qualidade do traçado e qualidade do pavimento. Naturalmente que quando se aborda essa análise, deve-se considerar também o volume de tráfego, definido pelo número de veículos de todas as categorias que passam numa determinada seção de uma rodovia nos dois sentidos durante 24 horas (volume médio diário-VMD). Há que se considerar também o número de pistas e de faixas que a rodovia oferece. Obviamente, que para rodovias com pistas duplas, o conforto e segurança para o usuário é muito maior, e isso o usuário percebe como qualidade da via. Rodovias antigas, com projetos mal concebidos, com atrito lateral elevado, com muitas curvas de pequenos raios de curvatura (R ≤ 240 m) e muitas rampas altas (i ≥ 6%), sem distância de visibilidade que permitam ultrapassagens seguras, são rodovias com traçado ruim. Essas rodovias matam tanto quanto as rodovias com boa geometria com pavimentos em mau estado de conservação. O outro aspecto refere-se à qualidade do pavimento, que por falta de conservação e manutenção, ou ainda por trazerem patologias desde a sua construção, são responsáveis por grande parte dos acidentes, neste caso contando com o estímulo da imprudência dos usuários. Nesses dois aspectos pode-se enquadrar quase toda a rede rodoviária de Mato Grosso, federal e estadual. Reportam próceres e gestores federais que isso se deu pelo fato de que até 30 anos atrás quase toda a rede rodoviária federal de Mato Grosso estava delegada pelo Governo Federal ao Estado de Mato Grosso, e houve pouca atenção em cumprir as normas de projetos de rodovias federais aprovadas em 1966, e referendadas pelo banco Mundial em 1985. Outras versões dadas por gestores estaduais relatam que as reivindicações por recursos para pavimentar a rede rodoviária federal então delegada ao Estado de Mato Grosso eram escassos, ou quase nunca atendidas, que abriu a perspectiva de reduzir os parâmetros normativos para que a obra coubesse nos orçamentos destacados em Brasília. A mais criminosa de todas as medidas tomadas diz respeito à largura dos acostamentos, que para rodovias federais em todo o Brasil em 1970 era de 2,50 m e o Governo de Mato Grosso introduziu o acostamento de 1,0 m para reduzir os custos de construção. Quando se diz criminosa estamos nos referindo ao absurdo do número de mortos decorrentes da restrição da largura dos acostamentos nas rodovias em Mato Grosso. Virar regra para rodovias federais e estaduais em Mato Grosso, foi mais rápido do que se esperava. Um agravante para essa situação ocorre por força dos elevados VMD alocados às rodovias troncais (federais) e arteriais (estaduais) gerados pelo escoamento da produção de granéis agrícolas feito na direção dos portos de sul, leste, sudeste e do Arco Amazônico (Porto Velho/RO, Miritituba/PA, Macapá/AM e Barcarena/PA), e Arco Norte (São Luis/MA), com gastos elevados para a conservação do pavimento, e o comprometimento da segurança de trânsito. A edição da Pesquisa CNT-Rodovias de 2017 trouxe um alento à rede rodoviária estadual, resultado de um programa emergencial de recapeamento que melhorou o ranking das estradas de Mato Grosso. Todavia, esses recapeamentos não resistem ao peso do VMD e em dois anos estarão em situação crítica, pelo fato de que recapeamento é uma ação emergencial, enquanto reforço do pavimento implica mais estudos e maiores valores de investimentos. Resumidamente: pelo exposto pode-se dizer que a qualidade das rodovias em Mato Grosso é insuficiente, considerando a importância da carga que por elas trafega.

A Secretaria de Estado de Infraestrutura trabalhava com meta no início do Governo Pedro Taques entregar 4 mil quilômetros de asfalto. Fechou 2017 com entrega de aproximadamente 2,2 mil quilômetros e admite não concluir o objetivo inicial. Como avalia a gestão nesse setor do ponto de vista dos resultados?

O desafio era muito grande, haja vista o acúmulo de erros e desmandos no período que antecedeu o atual governo. Lembro que um dos itens do Plano de Governo da atual gestão era um programa emergencial de tapa-buracos, para dar condições de escoamento da safra de 2014/2015 que estaria se iniciando no primeiro trimestre do novo mandato. Para alcançar aquelas metas, muita coisa teria que ser mudada, e isso naturalmente, implicaria a perda de um ano para introduzir as alterações/correções, o que de fato ocorreu. Mesmo assim foram cometidos equívocos no que tange à gestão da pavimentação. Se uma administração tem interesse de solucionar os problemas da rede rodoviária em Mato Grosso, ela tem que, necessariamente, detalhar um Sistema de Gerenciamento da pavimentação- SGP. A administração optou por contratar empresas de fora do estado com pouca experiência nesse processo, e o resultado começará a aparecer em breve, com a baixa qualidade dos pavimentos feitos nesta administração. Não saberia dizer se com os recursos da “inteligência nativa em pavimentação” o resultado seria diferente. Todavia, deve-se ressaltar que a sistemática dos Planos Plurianual- PPA é que seu detalhamento seja feito no primeiro ano da gestão e sua execução feita em quatro anos, que pressupõe a extensão até o primeiro ano do mandato seguinte. Uma herança maldita dos governos anteriores, não desfeita pela atual, diz respeito à desmontagem do órgão rodoviário (Departamento de Estradas de Rodagem) com repasse automático de recursos financeiros para as prefeituras que ficaram encarregadas da manutenção das estradas de terra. No caso de Mato Grosso, isso foi feito com o antigo Departamento de Viação e Obras Púbicas- DVOP, atual Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística- SINFRA. A atual administração reforçou o processo de transferência dessa atribuição, que deveria ser exclusiva do corpo de engenheiros rodoviários, cuja casa é o DER, tenha a sigla que tiver.

Qual sua leitura sobre o quadro de logística de transportes ideal para Mato Grosso em termos de escoamento da produção, e em que nível o Estado se encontra?

Não há exatamente uma logística ideal de transporte para Mato Grosso. Existe sim a conjugação de diferentes modalidades adequadas às características da carga a ser transportada. A carga produzida em Mato Grosso é predominantemente de baixo valor agregado, transportada para polos de beneficiamento ou exportação distantes, quase sempre localizados nos portos especializados no embarque de granéis agrícolas, e isso faz com que a competitividade dessa produção se apoie num modo de transporte adequado a essas condições, que é a ferrovia ou hidrovia. A práxis rodoviária do Poder Central de Brasília não abriria mão do seu conforto em atender o rodoviarismo nacional para priorizar modalidades que consumam menos combustíveis, operam com menores custos cambiais com montadoras de caminhões, menor consumo de pneumáticos, e, por tudo isso, menores impactos ambientais. Todavia, deve-se, a favor da verdade, dizer que hidrovia só existe onde existe rio com profundidade mínima de 1,50 m e em 90% do ano, mas essas existem em Mato Grosso, como se descreve a seguir. A localização de Mato Grosso no centro do Brasil lhe dá a condição de acesso a quatro hidrovias: Rio Paraguai, Rio Madeira, Rio Tapajós, e Rio Araguaia, cada qual com suas vantagens e dificuldades. Cada uma dessas hidrovias está associada a um sistema de vias de diversas modalidades, através das quais é escoada toda a produção do estado, que denominamos corredores de Transportes. Pelo terminal de Porto Velho, no rio Madeira, atualmente são embarcados cerca de 8 milhões de toneladas de granéis agrícolas, que polariza toda a Chapada do Parecis, constituindo-se então numa logística insuperável pelo uso da hidrovia do rio Madeira, não obstante as dificuldades de navegação nessa via, dadas suas características de alta velocidades e a falta de infraestrutura de manutenção pelo gestor, no caso o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes- DNIT. Estudos dão conta de que a demanda a ser atendida em 2023 é de 12,5 milhões de toneladas, que sublinha a importância do uso dessa hidrovia para a economia do estado. O estado de Mato Grosso é cortado de sul a norte pela rodovia BR-163, uma das rodovias longitudinais (direção geral norte-sul) mais importantes do Brasil. Todo o processo de decodificação do cerrado do norte do estado de Mato Grosso se apoiou nessa rodovia, ao longo da qual surgiram os mais promissores polos de conhecimento científico agrícola do estado. E mais uma vez, essa rodovia gerou volumes crescentes de transporte de granéis agrícolas, culminado com a criação do polo fluvial de Miritituba, por onde deve escoar neste ano cerca de 8 milhões de toneladas desse tipo de carga. Sua capacidade total prevista para 2023 é de 18 milhões de toneladas. Aqui definitivamente já se percebe a intencional transferência dos tradicionais portos do sul (Paranaguá) e sudeste (Santos) para o Arco Amazônico, e mais uma vez contando com o uso do transporte hidroviário. A vantagem competitiva de Miritituba é de tal expressão, que já está em andamento a elaboração do projeto da ferrovia FERROGRÃO, com cerca de 1.000 km de extensão que ligará Sinop a Miritituba, para atender a demanda prevista para 2023. O rio Araguaia integra a denominada hidrovia Araguaia-Tocantins, que tem no seu tramo superior o acesso pelo rio das Mortes, navegável desde São Félix do Araguaia até Nova Xavantina. O Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental- EVTEA está em andamento e não há ainda informações seguras sobre sua capacidade. Todavia, são conhecidas as dificuldades de navegação no rio Araguaia para comboios de grande capacidade (24 mil toneladas), e somente os estudos poderão garantir o que poderá ser transportado por ela. Vale registrar que ao se juntar com o rio Tocantins está formada a hidrovia Araguaia-Tocantins, que polariza toda a região onde estão dois dos mais importantes eixos de transporte do País: a Rodovia BR-153 (Belém-Brasília) e a Ferrovia Norte-Sul, que se tornará no principal eixo de referência ferroviário do Brasil, ligando o Porto de Barcarena/PA (Grande Belém) ao complexo Lacustre-Marítimo de Rio Grande/RS. Por último a hidrovia do Rio Paraguai que teve papel preponderante na criação e ocupação do Estado de Mato Grosso, que não tem associado a ela outro modo, embora se constitua numa das mais competitivas hidrovias do mundo, pela baixa declividade, que favorece sobremaneira a navegação de grandes comboios fluviais. Todavia, o rio Paraguai atravessa o Pantanal, e os trâmites para incremento da navegação em escala é um processo demorado e ambientalmente complicado. Estudos do DNIT indicam que por ela, entre Cáceres e Corumbá pode-se operar com até 10 milhões de toneladas. De Corumbá para frente não há mais entraves ao uso da hidrovia. Como se vê, há uma grande possibilidade para o transporte hidroviário para o transporte da carga produzida em Mato Grosso, não obstante o pouco interesse do Poder Central na implantação e operação dessa modalidade. Na outra vertente, o transporte ferroviário aparece com grandes chances para garantir competitividade para os produtores regionais, dadas suas características: (a) adequado para o transporte de grandes tonelagens; (b) bom para transportar a grandes distâncias; (c) modalidade adequada para cargas de baixo valor agregado; (d) a variável tempo de viagem é elástica, e (e) baixo valor de seguro para o transporte. Mato Grosso ensaiou sua participação no modo ferroviário com o emblemático Projeto Ferronorte, que previa a ligação ferroviária São Paulo-Cuiabá, com extensão de ramais aos portos de Porto Velho/RO, Santarém/PA, e o ramal Alto Araguaia/MT-Uberlândia/MG. Era um projeto instigante, mas foi alvo das mazelas do Poder Central, que no momento se rende às imposições do cartorialismo rodoviário, que impede a chegada dos trilhos a Cuiabá. Não obstante essas dificuldades, há uma série de projetos ferroviários em discussão, quais sejam:  FICO- Ferrovia de Integração Centro Oeste, ligando Uruaçu/GO na FNS a Lucas do Rio Verde/MT; Ferronorte- Trecho Alto Araguaia-Uberlândia-Araguari, em poder da Agencia Nacional de Transportes Terrestres- ANTT; Ferronorte- Trecho Rondonópolis-Cuiabá, em fase de EVTEA pela UFSC; Ferronorte- Trecho Cuiabá-Santarém, em fase de declaração de interesse pelo Governo de Mato Grosso; Ferrovia Transcontinental- Trecho Lucas do Rio Verde, em fase de estudos pela China Railway Construction Corporation Limited- CRCC/EPL; Ferrogrão- Trecho Lucas do Rio Verde-Miritituba, em fase de projeto por um consórcio de tradings do agronegócio. A implementação de parte desses projetos colocaria Mato Grosso no mapa do transporte ferroviário. Todavia há alguns obstáculos que comprometem essas metas: a- ao contrário do pensamento geral de que o frete ferroviário é bem inferior ao rodoviário, e por esta razão viabilizaria sua implantação/expansão, não é exatamente assim. Na verdade, as tradings que operam a comercialização dos granéis agrícolas dominam as operadoras ferroviárias e nada chega ao trem sem passar pelas Estações de Transferência de Cargas- ETC, onde se inicia a escalada dos preços das tarifas ferroviárias. Regra geral, as tarifas ferroviárias em Mato Grosso são estabelecidas como porcentagens do frete rodoviário, e não raro alcançam 90% do frete rodoviário. Não devia ser assim; b- é emblemática a construção do ramal Rondonópolis-Cuiabá, trecho da antiga Concessão Ferronorte, que retornou à ANTT, que se constitui no maior prejuízo para Mato Grosso, pelo fato de que a concessionária que sucedeu o Grupo Itamarati (Projeto Ferronorte) desistiu de prosseguir com os trilhos até a capital Cuiabá, tudo isso feito com aprovação tácita do Governo Federal; c- a FICO está sob análise do TCU, porque a VALEC foi enredada no maior escândalo  que rendeu cadeia e algemas para os diretores da empresa, e não há perspectiva que esse nó seja desatado em curto espaço de tempo; d- o projeto da ferrovia Transcontinental foi lançado em meio a um show pirotécnico pelo fato de que seria um empreendimento que carrearia recursos da China para o Brasil, mas seu traçado é inconsistente, pelo fato de que não inclui passagem pela Bolívia, e sem a Bolívia não há projeto de integração da América do Sul, e o projeto hoje descansa em berço esplêndido à espera de um novo show de pirotecnia; e- por fim, o ramal da Ferrogrão, que tem tudo para se transformar em realidade, uma vez que o projeto é de autoria e responsabilidade de um conjunto de tradings (A, B, C, D,...), não contando com recursos públicos para sua efetivação. Independentemente disso, as melhores oportunidades para suprir Mato Grosso de um sistema de L&T adequado ao perfil das cargas produzidas no estado estão no modo ferroviário.

 Por vezes se discute a viabilização de outros modais de transportes para o escoamento como o ferroviário além de hidrovias. Não há muita evolução no Estado. Por quê? 

Deve-se reforçar que existe um monopólio do transporte rodoviário no estado de Mato Grosso que tem de ser quebrado para que se garanta a competitividade da produção regional. Sem estabelecer novos paradigmas de redução do custo de transporte usando modalidades adequadas para o valor das cargas, os produtores de Mato Grosso estarão sempre dependentes da ação das tradings, que não projetam seus gastos apenas dentro do Brasil, pois são entidades supranacionais, que dificulta as políticas públicas voltadas para o aperfeiçoamento da L&T.

Diria que os investimentos nessa área estão relegados à falta de prioridade a cargo do governo federal? E até onde os estudos de impacto ambiental acabam por atrasar a implantação de projetos?

Primeiramente deve-se deixar claro que o Governo Federal não investe mais em implantação de ferrovias, que passa a ser regulada pela ANTT. Assim, lançado o leilão, os empreendedores se apresentam para o certame e o poder público apenas regula o processo até à concessão. Em outras palavras, o governo não tem mais gestão sobre esses recursos. No tocante à avaliação dos impactos ambientais, estes têm de ser corretamente avaliados e testadas as soluções de mitigação. Todavia, o processo é demorado, acarretando a expansão dos cronogramas, principalmente quando a gestão é do IBAMA. O estamento ambiental não considera o fenômeno estatístico da repetição, obrigando a quantificação ao longo de toda a área impactada. Muitos processos de mitigação são naturais e as metodologias empregadas na gestão ambiental não consideram essas possibilidades. Por esta razão acredito que a gestão ambiental poderia ser mais adequada à realidade ambiental de cada sítio, independentemente do porte do empreendimento.

O senhor também integrou debates para construção do trecho da ferrovia entre Rondonópolis e Cuiabá e por muitas vezes alertou sobre ser fundamental a transformação do polo industrial em Cuiabá além da carga de retorno para viabilizar o custo do transporte. No contexto atual é utópico afirmar que a ferrovia chegará à Capital sem essa performance?

Ao que se sabe, apenas as ferrovias dedicadas ao transporte de minério sobrevivem sem carga de retorno. Em termos. Nem mesmo essas prescindem da carga de retorno que sublinha a viabilidade da ferrovia. Para cada tipo de carga dedicada trabalha-se com uma porcentagem de carga de retorno. Não há estudos (ou pelo menos nada foi publicado a respeito de carga de retorno no âmbito da Ex-Ferronorte) no trecho operado pela Rumo Logística, empresa que detém a concessão da antiga Ferronorte. No mundo todo o custo de transporte ferroviário é uma porcentagem da ordem de 45-60% do frete da carga rodoviária. Diferentemente no Brasil, as operadoras ferroviárias oferecem tarifas da ordem de 90-95% das tarifas rodoviárias. Isso é um absurdo, e o Poder Concedente deveria usar das suas prerrogativas para fazer valer uma estrutura de custos do frete ferroviário totalmente descolado das tarifas de frete rodoviário. Isso é um indicativo da oportunidade da carga de retorno para viabilização da ferrovia.No caso especifico da Ferrovia Senador Vicente Vuolo, a pertinência da carga de granéis agrícolas no sentido exportação, deixa ociosa metade da infraestrutura das linhas, tração, material rodante, que poderia ser aproveitada pela carga de retorno. Admite-se que a existência de um polo de beneficiamento na extremidade de uma linha ferroviária seria o fio condutor para crescimento da carga de retorno. A disponibilidade de acesso rodoviário permite a criação de carga manufaturada, que gera viagens de carga de valor agregado na baixada Cuiabana. Por esta razão preconiza-se a ampliação do Distrito Industrial de Cuiabá, que passaria a se constituir em Distrito Industrial de Cuiabá- DIC. As condições necessárias para esse incremento já existem, traduzidas em acesso às regiões produtoras do Norte do Estado, a proximidade com a hidrovia do rio Paraguai, o acesso ao gás da Bolívia que chega à Usina Mario Covas; os acessos às rodovias BR-070/163/364. Assim, um ramal ferroviário com acesso a esse polo poderia oferecer todo tipo de carga para beneficiamento minério, carvão, implementos para fabricação de fertilizantes, material de construção e outros.

A burocracia atinge todas as esferas públicas no país, e também amarra a celeridade buscada em projetos na infraestrutura. O senhor concorda com o modelo RDC (Regime Diferenciado de Contratação) nas licitações, sendo uma opção em determinados certames a cargo da Sinfra do Estado?

Não concordo em absoluto com a aplicação da metodologia RDC para fugir ao rigor da lei 8.666/93, que regulamenta a licitação de obras públicas. O Regime Diferenciado de Contratação- RDC delegou ao empreiteiro a responsabilidade pelo projeto, assumindo então a responsabilidade pelos insucessos das obras. Pergunta-se então: quem será responsabilizado pelo atraso nas soluções propostas pelos empreiteiros. A responsabilidade da Fiscalização é indelegável. Cabe à Fiscalização acompanhar e ser corresponsável pela exatidão do projeto. Isso já foi feito no Brasil, em particular no antigo DNER, sob supervisão do Banco Mundial. O projeto executivo é o documento adequado para execução das obras, e deve conter: a conceituação dos projetos e obras projetadas, os estudos de alternativas para todos os itens do projeto, o detalhamento matemático de todas as equações que levem à real quantificação das obras projetadas, a descrição das especificações gerais, particulares e complementares exigidas pelas soluções propostas no projeto, o plano de execução das obras onde estão listadas as ações para execução das obras, a logística de obtenção dos materiais indicados no projeto, e outras exigências.  Isso não é novidade, e já foi feito no Brasil, como exemplo, nas obras de implantação e pavimentação da Rodovia BR-364, trecho Cuiabá-Porto Velho. O processo se encerra com a apresentação do “As Buil”t, que contém todos os detalhes de execução das obras medidas e pagas. Os exemplos Brasil afora dos insucessos da RDC reforçam a necessidade de voltar às licitações de acordo com a Lei 8.666/93.

As concessões de rodovias ao setor privado no Estado são a melhor alternativa quando o poder público não possui recursos na ordem da necessidade?

As concessões rodoviárias não são a panaceia para todos os males. Há um bom número de concessões cujo resultado ficou aquém do esperado. Mas não há dúvidas que se o Estado é bom provedor, definitivamente não é um bom mantenedor, razão pela qual as concessões rodoviárias se apresentam como solução adequada para a manutenção das rodovias. O sucesso das concessões rodoviárias está diretamente associado à qualidade do Plano de Exploração da Rodovia- PER, que deve conter todos os estudos sobre a demanda, fator decisivo para o equilíbrio econômico da concessão. Considerando os custos crescentes da conservação e manutenção rodoviária, não resta dúvidas sobre o acerto das concessões. Todavia, no caso específico de Mato Grosso, é inaceitável o comportamento do Governo do Estado diante do processo de concessão da MT-130, trecho Rondonópolis-Primavera do Leste. A avaliação funcional do trecho mostra que os parâmetros mínimos de segurança de trânsito não são cumpridos, e não se pode aceitar uma concessão com tais mazelas. Casos como esses comprometem a assertiva de que as concessões rodoviárias são a solução mais adequada para o conforto e segurança dos usuários. Esse realmente não é o caso da MT-130.

O senhor também contribui na linha da pesquisa sobre reaproveitamento de revestimento asfáltico reutilizável. Esse projeto é ideal para Mato Grosso quando se pensa na aplicação e economia?

A UFMT tem assinado um Termo de Cooperação com a Concessionária Rota do Oeste cujo objeto é o aproveitamento do Resíduo de Fresagem de Pavimentos Asfálticos- RAP para produção de reforço do pavimento com misturas mornas. A pesquisa prevê o aproveitamento de até 40% desse resíduo, atualmente descartado como lixo para compor novas misturas recicladas para execução de reforço de pavimentos flexíveis (recapeamentos). As atividades serão desenvolvidas pelos professores, pesquisadores, alunos e técnicos indicados para a execução dos serviços concentrados nos laboratórios e demais instalações industriais da Concessionária, como laboratórios central e de campo fixos ou móveis, centrais de britagem, usinas de solos e usinas de misturas betuminosas ou outras instalações. Prevê-se ainda a execução de outras atividades a serem exercidas diretamente na pista ou nas instalações industriais já citadas que deverão se voltar para a implantação do Sistema de Gerenciamento do Pavimento- SGP. Esse sistema se apoia no conhecimento do tráfego usuário e no volume de despesas geradas para a conservação e manutenção do pavimento, que atenda aos parâmetros reguladores da concessão. As atividades a serem desenvolvidas pelos envolvem o seguinte: coleta de dados da evolução do tráfego e dos parâmetros empregados no dimensionamento de pavimentos; simulação de cenários prospectivos; emprego de metodologias para determinação da vida restante do pavimento; coleta e classificação táctil visual das amostras; execução dos ensaios; projeto de pavimentos com misturas mornas; execução das pistas experimentais; monitoramento das pistas experimentais - análise estatística dos resultados dos ensaios. Resumidamente, essa metodologia está voltada para buscar soluções que aproveitem o material fresado (RAP), reduzam a exploração de novos materiais a 25%, reduzam a temperatura de aquecimento das novas misturas betuminosas com redução de até 40ºC. Os ganhos ambientais, como se pode prever, são significativos, e ao final dessa pesquisa teremos à disposição uma metodologia que possa ser replicada em todas as rodovias da Rede Rodoviária Estadual com revestimento de misturas betuminosas a quente. 

A construção de um elo entre as gestões públicas e as pesquisas desenvolvidas nas universidades ocorre na velocidade esperada? E o que provoca a subutilização de projetos que poderiam ser inovadores na administração pública em favor do bem social?

A Universidade ainda é uma entidade reclusa, e com isso deixa de contribuir com o crescimento e desenvolvimento científico-tecnológico. Por conta disso, a velocidade de passagem do conhecimento para o setor produtivo é lenta. Na maioria das vezes isso ocorre por conta de que os experimentos não foram testados em equipamentos e ambientes que reproduzam com fidelidade o chão das fábricas e os canteiros de obras. Desse modo bons projetos deixam de ser oferecidos ao setor produtivo, caindo no esquecimento e sendo superados pela obsolescência. A solução seria contar com recursos oficiais do Ministério da Educação, que dia após dia reduz as verbas voltadas para os projetos de pesquisas. Restaria aos pesquisadores saírem em busca de recursos da iniciativa privada, que também é reticente nas doações para projetos de pesquisas, mas isso depende da individualidade de cada um. Assim, prevê-se o detalhamento de Termos de Referência que possam ser submetidos às potencias parceiros da iniciativa privada, para que se pronunciem e aceitem participar desses projetos. 




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