• Cuiabá, 28 de Março - 00:00:00

'Janela é o período em que parlamentares correm atrás do interesse próprio', dispara Hélio Ramos


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Sonia Fiori - Da Editoria

"Nas grandes democracias, o cidadão começa e termina a vida política sem trocar de partido, pois existe o quadro ideológico e os compromissos com a comunidade a serem respeitados."

Essa é a tônica pontuada pelo advogado, especialista em Direito Eleitoral, Hélio Ramos, nesta entrevista ao FocoCidade no cenário dos mecanismos legais como a “janela partidária”, interpretada por muitos como mais um subterfúgio do fisiologismo.

É nesse contexto que a instituição partidária passa ao segundo plano. “É um período em que fica explícita a pouca importância que se dá aos partidos, usados apenas como cartórios para a validação de candidaturas ou, até, para coisas menos nobres”, assevera Ramos.

O enredo eleitoral apresenta outras “facetas” no aparente avanço, leia-se instrumentos como o Plano de Governo, uma projeção de ações passando à margem da fiscalização e simplesmente sem previsão de punição. “A legislação eleitoral ensaia uma tentativa de trazer fidelidade às promessas e as metas, como exemplo temos o registro do plano de governo dos candidatos ao Executivo já no seu Requerimento de Registro, mas ainda não há nenhum tipo de sanção a esse estelionato eleitoral.”

Hélio Ramos também aborda questões como o advento da reeleição. “Claramente se tem uma agressão ao Princípio Eleitoral da Igualdade da Disputa.”

E em que pese todas as nuances do processo eleitoral, se sobrepõe a crença de que uma sociedade mais consciente e alerta, disposta ao exercício pleno da fiscalização poderá promover as mudanças no alicerce da prática democrática da exigência de Eleições Limpas. 

Hélio Ramos é professor da UNIC (Universidade de Cuiabá) nas disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Constitucional e Direito Penal desde 2006, professor de vários cursos de pós graduação, especialista em Processo Civil e Direito Público, com uma militância atuante na advocacia eleitoral em todo Estado. É membro da OAB/MT, tendo sido presidente da comissão de Segurança Pública (2004-2009), conselheiro do Tribunal de Ética OAB-MT, e hoje presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem, membro da Comissão Nacional de Exame de Ordem no Conselho Federal da OAB e conselheiro curador da ESA (Escola Superior de Advocacia).

Confira a entrevista na íntegra:

A janela partidária, que vai até 6 de abril, não pode ser interpretada como fisiologismo, considerando o formato do troca-troca de partidos?

Precisamos pontuar. Segundo Borba, Francisco da Silva, no dicionário, o Fisiologismo significa “favorecimentos e outros benefícios a interesses privados, em detrimento do bem comum”. E a partir do dia 08 de março, com término a meia noite do dia 07 de abril, abriu-se o período que o meio político chama "janela partidária". Nesses 30 dias, os deputados poderão mudar de partido sem o risco de perder o mandato. Fruto da falta de cultura partidária, essas mudanças sofrem críticas, mas não são encaradas pelo eleitor como falta grave, é uma liberdade que esfacela as bancadas no Congresso Nacional e Assembleias Legislativas, onde cada parlamentar esquece cor partidária, ideologia e principalmente o compromisso assumido com o eleitor, para correr atrás do interesse próprio. As negociações vão desde recursos para campanha, horário de rádio e televisão e outras vantagens àqueles que decidirem mudar de caminho. É um período em que fica explícita a pouca importância que se dá aos partidos, usados apenas como cartórios para a validação de candidaturas ou, até, para coisas menos nobres...

É um período em que fica explícita a pouca importância que se dá aos partidos.

Como analisa a posição da Justiça em casos em que parlamentares receberam negativa a possibilidade de migração a outra legenda? Um exemplo foi o caso do deputado Eduardo Botelho no PSB, sendo negada filiação antes da abertura da janela.

Vejo com tranqüilidade, eis que por força de dispositivo constitucional cabe a Justiça Eleitoral, ser a intérprete e guardiã da legislação eleitoral, e se a lei elenca taxativamente as possibilidades de desfiliação com justa causa quais sejam, as previstas na Lei dos Partidos Políticos inserida pela Reforma Eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165/2015), a qual estabelece a possibilidade para a desfiliação partidária injustificada “no inciso III do artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995), e na Resolução 22.610/2007 do TSE, que trata de fidelidade partidária: 1) incorporação ou fusão do partido; 2) criação de novo partido; 3) desvio no programa partidário ou grave discriminação pessoal”. Então, mudanças de legenda sem essas justificativas são, e na minha opinião devem ser,motivo para a perda do mandato. Precisamos criar uma Ética Partidária pró-ativa.

Como fica o instituto da “fidelidade partidária” nesse contexto da janela? Criam-se mecanismos contrários e legais à fidelidade, então qual seu significado na prática?

A Constituição no seu artigo 17, deixa claro a preocupação com a questão da fidelidade, quando estabelece que os próprios partidos podem criar regras internas de fidelidade, dessa forma todos esses mecanismos são perniciosos a uma democracia que propicie o fortalecimento dos partidos e um debate voltado para ideias que busquem o bem comum e uma sociedade mais justa. Regras tem exceções o que não podem são as exceções virarem a regra.

Regras tem exceções o que não podem são as exceções virarem a regra.

Em tese, se defende a instituição partidária como matriz da política, não o candidato, e nas proporcionais a maioria é eleita com voto de legenda. Depois de ser eleito, esse mesmo candidato muda de sigla pelos mais variados motivos. Esse quadro não deixa o eleitor confuso, ou poderia se sentir enganado?

Como se fala que a família é a célula “materda sociedade, nas democracias são os partidos que tem o dever e a condição de agregar pessoas, em torno de ideais comuns e buscar o Poder para colocar em prática seus modelos, sendo portanto, a base do Estado democrático, na medida em que desvirtuamos esse quadro não só se confunde os eleitores cidadãos como prejudica-se o desenvolvimento do país, criando factoides e destruindo um futuro melhor para todos.

Nas eleições mudam-se as regras visando assegurar, no plano da Justiça Eleitoral, o direito do eleitor a um pleito transparente. Qual o papel da sociedade nesse sentido?

O principal princípio do Direito Eleitoral é o chamado Princípio da Lisura do Pleito”. Os mecanismos que a Justiça Eleitoral busca para coibir os abusos como poder econômico, poder político, poder de autoridade e propaganda institucional, são direcionados na busca da transparência e da moralidade eleitoral, ou seja, o Judiciário faz a sua parte, mas se a sociedade não mudar seu comportamento, buscando debater o processo político e se engajar, sem ódios, na busca do bem comum, tudo cai por terra, então cabe a cada um não vender seu voto, denunciar os abusos e as fraudes e buscar uma representação política que o honre durante o exercício do mandato.

O candidato ao Executivo deve apresentar plano de Governo, e assim, também é comum o não cumprimento à risca do desenho de metas. Qual é o real desfecho disso no que se refere às sanções?

O brasileiro, consabidamente, é um infiel politicamente e um compulsivo fazedor de promessas, como já o disse o escritor Euclides da Cunha. Entretanto, não o somos todos assim, contudo, não cabe esse pensamento de exceção num breve olhar para a política em período eleitoral, pois somos reconhecidos por outras nações politicamente organizadas por nossa infidelidade partidária e pelas promessas eleitoreiras. A legislação eleitoral ensaia uma tentativa de trazer fidelidade às promessas e as metas, como exemplo temos o registro do plano de governo dos candidatos ao Executivo já no seu Requerimento de Registro, mas ainda não nenhum tipo de sanção a esse “estelionato eleitoral”.

Temos o registro do plano de governo dos candidatos ao Executivo já no seu Requerimento de Registro, mas ainda não nenhum tipo de sanção a esse “estelionato eleitoral".

Qual sua leitura sobre o fim da reeleição?

Pra mim nunca deveria ter existido. Numa análise simples a Emenda Constitucional 16/1997 (Reeleição), contraria os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade na administração pública, bem como propicia um abusivo uso da máquina administrativa por aquele que, sem se desincompatibilizar, usa das benesses do cargo.

O possível uso da máquina por candidato à reeleição não é preocupante já que gera no mínimo a desigualdade entre concorrentes?

Claramente se tem uma agressão ao Princípio Eleitoral da Igualdade da Disputa”, eis que mesmo com a tentativa tímida de se criar mecanismos legais (artigos 73 a 78 da Lei 9.504/97 – Lei das Eleições), vedando determinadas práticas aos titulares do mandato candidatos a eleição, essas se mostram apequenadas diante da simples possibilidade do gestor nomear e exonerar uma “montanha” de cargos comissionados por exemplo, isso sem falar em obras e outros recursos disponíveis para o dono da caneta”.

Claramente se tem uma agressão ao Princípio Eleitoral da Igualdade da Disputa".

Então, como dissociar uma ação de representação da gestão pública a de candidato que busca a reeleição?

O eleitor tem muita dificuldade de fazer essa visualização, e como exemplo volto a refletir sobre a reeleição, o candidato a reeleição tem em discussão não as suas propostas, mas sim se o que ele está fazendo merece ou não aprovação. Ademais, nem vou falar em como a propaganda estatal pode trazer mensagens subliminares no sentido de se criar uma “emoção eleitoral favorável”.

No contexto das eleições é muito comum a Justiça permitir a sequência do ato da disputa por candidatos com registros impugnados. Isso não provoca um certo prejuízo ao erário, já que esse candidato pode ao final dos recursos ser impedido de dar continuidade ao mandato?

Temos aqui uma discussão às avessas, ou seja, todo brasileiro tem direito constitucional a ter seu pedido analisado no mínimo duas vezes pelo judiciário, porque no eleitoral seria diferente? Isso sem contar que se trata do direito político do cidadão, e tal direito está garantido na Lei das Eleições. Não vejo prejuízo, o que precisamos é que se faça valer a celeridade do processo eleitoral, e diga-se de passagem, que este é muito mais rápido que todos outros, mas pode-se melhorar mais. Um exemplo dessa melhora é o PJE (Processo Judicial Eletrônico) que já está funcionando no TSE e nos TREs.

A consulta plebiscitária com formato freqüente na gestão pública e política seria um caminho recomendável para o Brasil?

Os mecanismos de Democracia Direta (artigo 14, incisos I, II e III da CF), Plebiscito, Referendo e Projeto de lei de iniciativa popular, tem uma aplicação custosa pela dimensão territorial do Brasil, bem como sua população eleitoral, mais ou menos 140 milhões de eleitores, mas são excelentes mecanismos de participação popular. Entendo que a internet e a facilitação através de ferramentas de inclusão tecnológica, após regulamentação, são ótimas opções para buscarmos um cotidiano mais próximo do cidadão.

Aposta numa eleição mais limpa em 2018?

Aposto numa eleição onde as mudanças acontecidas no país fizeram com que se tenha muito mais receio de se cometer ilicitudes, onde muitos se exacerbarão na fiscalização, mas que se não houver uma conscientização geral da sociedade, mesmo com as dificuldades de arrecadação, coisas erradas continuarão acontecendo. Mas como sou brasileiro e não desisto, tenho fé que elas serão melhores que as anteriores. Parafraseando o slogan do TSE #VEMPRAURNA eleições 2018.




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