• Cuiabá, 28 de Março - 00:00:00

'Para a reforma tributária em MT, 2017 já acabou', dispara Maizman


Vinícius Bruno ? Especial para o FocoCidade

O precedente no caso Mensalão trouxe o entendimento no Supremo Tribunal Federal (STF), que leis aprovadas sob o comando da corrupção, ao preço de propinas e favorecimento ilícito, podem ser revogadas ou julgadas inconstitucionais.

Em Mato Grosso, ao que parece, ainda não há clareza sobre quais leis notoriamente surgiram com o patrocínio do interesse particular sobressaindo ao interesse público.

O problema é que se está difícil mensurar águas passadas, mais complicado está planejar o futuro, afinal, temas importantes como a reforma tributária, objeto de centenas de reuniões entre governo e setores econômicos em 2016, estão estagnados na Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

Para o advogado tributarista Victor Humberto Maizman, para a reforma tributária em Mato Grosso, o ano de 2017 já acabou. O especialista afirma que muitos fatores estão em jogo, entre os quais a complexidade da reforma, e o envolvimento de parlamentares em supostos casos de corrupção.

Victor Maizman também é consultor jurídico tributário, professor de Direito Tributário, ex-membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal (Carf).

Confira a entrevista na íntegra:

A reforma tributária em Mato Grosso é um assunto estagnado. Em 2016, o tema foi objeto de muitas reuniões com os setores interessados. Do que se tem hoje em relação à proposta de reforma, o que o senhor considera preocupante?

É de conhecimento do setor produtivo e reconhecido pelo próprio Poder Executivo que a legislação em matéria de ICMS no Estado é complexa e burocrática, fato que motivou o debate entre as categorias interessadas e o próprio Governo, vindo a resultar na intenção de minimizar tais entraves. Todavia, a questão não é tão simples assim, existem interesses conflitantes entre as próprias categorias do setor produtivo, à exemplo da categoria do comércio que é contrária a alteração de parte da legislação em vigor que lhe favorece. Também existem conflitos de interesses entre a própria categoria produtiva. Como exemplo da categoria industrial, que para certos insumos adquiridos de outros Estados, parte da indústria entende que tal operação deve ser desonerada e outra parte entende que não. Então não apenas o conflito de interesses entre contribuintes e Estado, mas também entre as próprias categorias produtivas que acaba emperrando a sua aprovação.

É possível que essa reforma ainda seja realizada neste ano (2017)?

Como a matéria é complexa demandaria um consenso na Assembleia Legislativa sobre o assunto. Porém é certo aduzir que o cenário político em tempos de “delações” com envolvimento de membros do próprio parlamento, dificultam sobremaneira, qualquer aprovação de temas com tamanha complexidade, razão pela qual, para essa matéria o ano de 2017 acabou.

É certo aduzir que o cenário político em tempos de “delações” com envolvimento de membros do próprio parlamento, dificultam sobremaneira, qualquer aprovação de temas com tamanha complexidade

Com um Estado basicamente produtor de commodities e com uma indústria com pouco poder de expansão – devido à falta de incentivos fiscais e problemas logísticos – como o Estado pode promover uma política tributária que vá ao encontro do desenvolvimento econômico?

Não há mágica. Para as regiões do Estado de Mato Grosso que não são beneficiadas com mercado decorrente das commodities, não resta outra solução, senão, buscar o desenvolvimento sócio-econômico através de programas de atração de investimentos, em especial para o setor industrial. Nesse sentido, entendo que não é apenas uma faculdade do Poder Executivo Estadual implementar programas de incentivos fiscais, mas sim um dever. Aliás, não apenas a Constituição Federal impõe tal incumbência ao Estado, como também a própria Constituição Estadual. Por oportuno, defendo em três processos perante o Supremo Tribunal Federal (STF), representando a categoria industrial, a manutenção de programas de incentivos fiscais concedidos às indústrias mato-grossenses, uma vez que à luz da Constituição Federal, cabe ao Poder Público fomentar o desenvolvimento das regiões menos favorecidas do ponto de vista socioeconômico.

Apesar de a carga tributária ser incisiva sobre as áreas econômica, principalmente de transformação, comércio e serviços, o contribuinte de fato, é o consumidor. Contudo, ultimamente, as ações governamentais, sejam no âmbito estadual ou federal concorrem para mais impostos sobre o contribuinte. Até quando esse modelo de política econômica é tolerável e eficaz?

Não resta dúvida que para o Poder Público tributar o consumo é o meio mais eficaz que incrementar a receita. O exemplo é que a maior parcela de arrecadação do Estado de Mato Grosso está sobre combustíveis, energia e serviços de comunicação. Recentemente a União majorou os tributos incidentes sobre os combustíveis e impactou no preço do produto ao consumidor. No caso, existe um paradoxo do ponto de vista econômico. O Governo Federal busca meios para diminuir a taxa de inflação, porém o próprio Governo motivou a majoração do preço dos combustíveis, o qual acarreta o aumento do preço de vários produtos decorrentes de tal produto. Independente desta questão, a Constituição Federal impõe um limite para o Poder Público, qual seja, quanto maior a essencialidade do produto ou serviço, menor deve ser a carga tributária. Como exemplo, também defendo na Corte Suprema que seja declarada inconstitucional a alíquota exigida pelo Estado de Mato Grosso sobre a energia, uma vez que de acordo com a legislação mato-grossense, hodiernamente incide indevidamente sobre tal produto a maior carga tributária prevista na legislação, ferindo de morte a Constituição Federal.

Daí vem a utopia que a reforma tributária é em favor do contribuinte.

Os setores econômicos clamam por incentivos fiscais. Em tese, as dificuldades logísticas e o baixo nível demográfico fazem de Mato Grosso um estado pouco atrativo para grandes indústrias ou setores com valor agregado – como o automobilístico, por exemplo. Qual é o tipo de política de incentivos fiscais que poderia melhor atender as características de Mato Grosso?

Entendo que deve ser através de programas de incentivos fiscais, bem como através da concessão de incentivos financeiros através da disponibilização de recursos financeiros subsidiados com taxa de juros baixos. Sendo assim, é preciso rever o sistema de concessão de empréstimos com recursos do BNDES, uma vez que além de não transparente os critérios para a liberação do dinheiro, ainda há muitos entraves que impedem que seja tomado tal empréstimo.

Se o Poder Público busca diminuir a taxa de desemprego, deve ao meu ver, desonerar o empregador de tributos sobre os salários pagos aos empregados. 

No âmbito nacional, também se faz necessária uma reforma tributária? Em que essa possível reforma deveria focar?

Quando se trata de reforma, está se tratando de mudanças. O Governo pensa em incrementar a arrecadação e o contribuinte em pagar menos tributos. Daí vem a utopia que a reforma tributária é em favor do contribuinte. Enfim, o principal ponto que entendo que deve ser alterada é alta tributação existente sobre a folha de pagamento. Ou seja, se o Poder Público busca diminuir a taxa de desemprego, deve ao meu ver, desonerar o empregador de tributos sobre os salários pagos aos empregados. 

Em Mato Grosso, a política tributária atende ao requisito da segurança jurídica? O senhor vem alertando para a inconstitucionalidade dos Fundos existentes em Mato Grosso. Quais os riscos que existem hoje?

Sempre alertei o setor produtivo quanto a interpretação das legislações que concedem benefícios fiscais. Recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso declarou a inconstitucionalidade da legislação que concedia um desconto e parcelamento para as pendências de tributos estaduais, justamente porque foram evidenciados alguns vícios na referida lei, resultando no cancelamento da benesse concedida e na exigência da integralidade dos tributos em desfavor do contribuinte de boa-fé que aderiu a um programa de parcelamento oferecido pelo próprio Governo. Ou seja, esse foi o maior exemplo de total insegurança jurídica da legislação fiscal mato-grossense.

Em recente artigo publicado pelo senhor, foi levantada a questão da validade das leis aprovadas pela Assembleia Legislativa com base em interesses particulares e subsidiados com suposta propina. É possível que essas leis sejam anuladas? Qual caminho jurídico para isso acontecer? E quais as consequências que isso pode vir a ter para Mato Grosso?

No julgamento do chamado “mensalão” o STF chegou a mencionar que as leis originadas de tal sistema de aprovação parlamentar pode ser objeto de nulidade. Portanto, cada vez mais juristas vêm estudando o assunto e concluindo quanto a nulidade das leis aprovadas mediante tal prática criminosa. De fato para que isso ocorra será necessário ou que o próprio Parlamento reconheça tal vício e revogue a lei ou através de provocação do Poder Judiciário, seja através de medida proposta pelo Ministério Público ou até mesmo de órgãos representativos de categorias com representatividade estadual ou institucional, à exemplo da OAB, de Partidos Políticos e do próprio cidadão quando demonstrar prejuízo jurídico decorrente da aprovação de tal legislação. Referente as consequências de eventual revogação ou declaração de inconstitucionalidade de tais leis, entendo que caberá tanto ao Parlamento no primeiro caso, como ao Tribunal no tocante a segunda hipótese, mitigar os efeitos temporais de tais providências, a fim de resguardar principalmente a segurança jurídica decorrente de atos convalidados no período de sua vigência.




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