Da Assessoria
Dois carros colidem no trânsito. Neste instante, um pensamento cruza a mente dos motoristas: “que besteira eu fiz?”. Em seguida, vem o próximo pensamento: “mas, se ele [o outro motorista] não estivesse correndo, a colisão teria sido evitada!”. E ambos acreditam que não foram os culpados. E, se não são culpados, não merecem ser punidos. A cena, comum no cotidiano, é resultado da junção de dois conceitos: “responsabilidade” e “culpa”.
É com este exemplo que o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Marcelo Salmaso, membro do grupo gestor da Justiça Restaurativa no Judiciário paulista, traçou um paralelo entre o aumento das transgressões em nosso país e o paradigma punitivo que está incrustado na população. O magistrado foi conferencista no XXI Fórum Nacional da Justiça Juvenil (FONAJUV) – realizado no final da semana que passou, no Hotel Deville Prime, em Cuiabá.
“Hoje, ser culpado significa ser punido. E, se não quero ser punido, não sou responsável. Portanto, quem é culpado e responsável é sempre o outro. Por outro lado, em muitas situações, medidas punitivas são desresponsabilizantes. A pessoa entende que a culpa se restringe a ‘pagar’ a pena. Mas, é preciso olhar para o erro, refletir sobre ele e os danos causados. Precisamos questionar quais foram os motivos que o levaram a fazer aquilo e não amplificá-los”, ponderou o juiz.
JUSTIÇA RESTAURATIVA – Salmaso complementou que, neste contexto, a Justiça Restaurativa – método alternativo de solução de conflitos e violência usado em diversas etapas dos processos criminais – chega com uma nova proposta e já coleciona resultados positivos na busca da construção de uma corresponsabilidade voltada a todos os atores sociais (comunidade, poder público e família) e não apenas à pessoa que praticou o delito.
O ponto principal é o encontro voluntário entre os envolvidos, uma oportunidade em que vítima poderá falar sobre seus sentimentos e as consequências da ofensa. Por outro lado, é um momento em que o infrator pode se responsabilizar pela ofensa e se retratar perante a vítima e a sociedade, por meio de um diálogo franco, honesto e respeitoso, com base nos valores fundamentais da Justiça Restaurativa como responsabilidade, interconexão, humildade, participação e esperança.
“A Justiça Restaurativa traz um instrumento de transformação social. Ela procura entender um pouco quais são as causas motivadoras que levaram as pessoas à violência e à transgressão. Por vezes, são os sentimentos de ‘vergonha’ e ‘humilhação’, que – se não trabalhados – são expressados depois dessa forma. Ao mesmo tempo, permite que a vítima deixe de ser apenas um ‘meio de pena’ e obtenha as respostas que precisa para seguir adiante”, explicou.
Neste viés, o presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), o juiz Jose Arimatéa Neves Costa, que participou do primeiro dia do evento, destacou que os conceitos e a natureza da Justiça Restaurativa adequam-se como uma luva às demandas judiciais na seara da Infância e Juventude – em que as soluções tradicionais, por vezes, deixam a desejar em resultados concretos, em especial na prevenção da reincidência infracional.
“As técnicas da Justiça Restaurativa podem revolucionar as unidades judiciárias da Infância e Juventude – melhorando a variável mais sensível, que é a reincidência. O Fórum foi muito oportuno. A troca de ideias e de experiências pessoais entre juízes que atuam nessa área em todo o país, sem dúvidas, foi uma oportunidade ímpar para se difundir e implementar as boas práticas na justiça juvenil”, comentou.
FUTURO – Para a juíza do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Brigitte Remor de Souza May, a Justiça Restaurativa é um método importante e que merece contar com investimento em pesquisa, no pensamento crítico, para que possa expandir e ter a qualidade que necessita. “Existem poucos materiais sobre o tema e suas medidas. Logo, precisamos olhar como a América Latina está trabalhando algumas questões acerca dela”, ressaltou.
Pensamento reiterado pelo defensor público de São Paulo, Flávio Américo Frasseto, que destacou ainda a necessidade de requisitos objetivos para a revisão e a progressão das medidas socioeducativas.
“Antes da Lei nº 12.594/2012 não haviam parâmetros objetivos para reavaliá-las. O adolescente ficava à mercê do parecer particular de cada magistrado. Com a legislação, entrou em cena um importante dispositivo chamado Plano Individual de Atendimento (PIA), que traz o plano de ação das atividades que serão desenvolvidas pelo adolescente durante o período de intervenção. E não se trata de apenas de avaliar se a meta foi atingida. Leva-se em conta a evolução do adolescente”, contextualiza.
FONAJUV – Criado em oito de agosto de 2008, com caráter permanente e autônomo, o Fórum Nacional da Justiça Juvenil (FONAJUV) conta com o apoio do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (FONINJ), Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (IBDCRIA), Ministério dos Direitos Humanos (MDH) e Unicef.
De acordo com a coordenadora técnica edição mato-grossense do FONAJUV, a juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ-MT), Jaqueline Cherulli, o evento tem como objetivo conhecer a realidade de cada região, bem como os desafios e as experiências exitosas, buscando a construção de ferramentas para garantir a agilidade e a concretude na aplicação das medidas socioeducativas pelos juízes da área da Justiça Juvenil.
“O FONAJUV congrega todos os colegas dessa área especializada para um intercâmbio de boas práticas e de experiências positivas. Mato Grosso, por exemplo, possui profissionais que se dedicam muito à área. Da mesma forma, temos muitos bons exemplos com projetos sendo desenvolvidos por todo o Estado – que envolvem desde palestras nas escolas até programas de socialização”, comentou Cherulli.
Reflexão reiterada pela primeira vice-presidente da Amam, a juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ-MT), Ana Cristina Silva Mendes, que complementou que o Fórum “agrega muito conhecimento aos magistrados e demais profissionais que militam na área tanto por aqui quanto em outros locais, o que irá contribuir para o desenvolvimento eficiente dos trabalhos na área”.
Ainda não há comentários.
Veja mais:
Junta do Serviço Militar alerta sobre prazo de alistamento para jovens
Em Brasília, Macron cita 8/1 e diz que Lula restaurou a democracia
Justiça nega recurso do MP e absolve ex-secretários em ação de improbidade
Caixa termina de pagar parcela de março do novo Bolsa Família
Várzea Grande altera data do Movimento Mulheres em Evolução
Na Capital: Comitê fará regularização de adicional de insalubridade
Nova matriz econômica
Presidente Lula prorroga programa Desenrola Brasil até 20 de maio
Centro Histórico, uma vez mais
Tribunal de Contas pede ação para resolver passivo financeiro no HMC