• Cuiabá, 19 de Abril - 00:00:00

'Sem política não há República e muito menos democracia', defende Arimatéa


Sodoma e Gomorra eram cidades prósperas, cheias de riquezas, mas a iniquidade dos moradores daquela região atraiu a fúria divina. Sem querer entrar nos pormenores teológicos ou exegéticos que o Livro do Gênesis propõe, vale o destaque para o diálogo entre o Patriarca Abraão e o Anjo.

Na narrativa poética Abraão pergunta se Deus haveria de destruir as cidades mesmo se houvesse um único homem justo, e a resposta divina foi de que a destruição não aconteceria aos ímpios mesmo se apenas um homem digno houvesse.

Pois eis que existia Ló, que era sobrinho de Abraão e que conseguiu se salvar após uma boa defesa do tio junto ao mensageiro celeste. Por outro lado, a destruição de Sodoma e Gomorra foi inevitável.

Para o presidente da Associação dos Magistrados de Mato Grosso (Amam), José Arimatéa, os políticos honestos também devem ser poupados da generalização, que por vezes é forma que a opinião pública encontra para destruir. Para o magistrado o remédio é o bom senso e o uso correto das ferramentas democráticas.

Defensor de uma postura mais aristotélica, para a qual a virtude está no meio, do que o extremismo colérico do deus judaico-cristão, como narra o Antigo Testamento, José Arimatéa é o entrevistado desta semana do FocoCidade. O magistrado avalia sobre exposição midiática dos juízes, as decisões aparentemente oblíquas das instâncias superiores em relação aos casos políticos, e as reformas em decurso no Congresso Nacional.

Mesmo com todos os requisitos para ter o mesmo fim que Sodoma e Gomorra, a política brasileira ainda é pontuada nas compassivas palavras de Arimatéa, para o qual sem política não há República e muito menos democracia.

Confira a entrevista na íntegra:

 

O Poder Judiciário vem assumindo um protagonismo histórico com as recentes investigações e processos de grande interesse público, tanto em âmbito estadual como no nacional. Como o senhor avalia o papel do juiz em relação às pressões exercidas tanto pela opinião pública quanto pelas forças políticas?  

O Juiz é um Cidadão como qualquer outro no que diz respeito à exposição nas redes sociais, mas sua exposição na mídia é mais sensível e decorre em regra de suas decisões processuais. Esse excesso de exposição é inevitável no atual momento da tecnologia da informação e o Juiz está sendo obrigado a conviver com ele, acertando e errando, num verdadeiro processo de aprendizado, pois para tal não existe receita de bolo. O primeiro sentimento pessoal dessas exposições midiáticas é de angústia quanto às críticas e de surpresa quanto aos elogios, pois todo magistrado faz o que faz porque essa é sua missão enquanto agente público, mas não se pode negar que as pressões podem sim interferir nas decisões do juiz. O Ministro aposentado do STJ e ex-Corregedor Nacional da Justiça do CNJ Cesar Asfor Rocha fazia uma excelente leitura dessas pressões extraprocessuais. Dizia ele que “Antigamente juiz corajoso era o que condenava, mas agora o corajoso é o que absolve”.

Se não queres que ninguém saiba, não faças!

Ainda sobre repercussões midiáticas, recentemente o caso dos grampos foi amplamente criticado inclusive pela autorização do juiz que permitiu a investigação de importantes nomes de figuras públicas do Estado. Qual é a posição do senhor quanto a este caso? 

Não tenho uma posição formada a respeito e talvez por isso tenho evitado fazer qualquer comentário ou juízo de valor sobre o assunto. Como magistrado relativamente moderno, apenas 23 anos de carreira, aprendi rapidamente que juiz deve tratar de fatos e não de versões ou de fofocas, daí porque estou esperando os fatos se consolidarem minimamente para me manifestar na qualidade de Presidente da Associação de Magistrados, com toda a responsabilidade.

Qual o sentimento em ver a magistratura invadida com grampos? O senhor teme ter sido grampeado? E se isso for constatado, que providências tomaria? Chegou a pensar em trocar de número de celular considerando que houve orientação sigilosa no TJ para que desembargadores seguissem essa dinâmica visando resguardo e privacidade?

Nenhum receio quanto aos supostos grampos! Nem na vida profissional e muito menos na vida privada. Sou adepto do provérbio chinês de que “se não queres que ninguém saiba, não faças!”.

Como a AMAM tem se posicionado em relação às tentativas de interrupção ou até mesmo de reversão de processos conduzidos contra a corrupção no Estado. A defesa pautada no insistente apelo contra a pessoa do juiz prejudica a ideal busca pela Justiça?  

Essa cruzada contra a corrupção deveria ser uma energia constante e ininterrupta nas mentes de cada brasileiro, desde os pequenos e aparentemente inofensivos atos ilícitos até os atos de grande repercussão para a sociedade em geral, mas somente um processo longo e demorado de educação poderá mudar essa forma de ver as coisas e de agir com ética e moralidade na vida pessoal e profissional de cada brasileiro. Torcemos para que isso aconteça e fazemos nossa parte como Cidadão! Quanto aos fatos decorrentes das ações judiciais na esfera de enfrentamento dessa corrupção, entendo que as defesas dos acusados estão jogando o jogo de acordo com as regras prescritas em Lei, talvez que alguns “golpes” abaixo dos limites da boa fé processual, mas nada que possa comprometer a lisura dos processos e a independência e idoneidade dos juízes que atuam nesses casos. Uma coisa eu garanto, é um caminho sem volta e faz parte desse processo de mudanças sobre o qual eu já me referi.

A classe política insiste em manter os anéis quando a qualquer momento poderão perder irremediavelmente também os dedos .

Quanto às decisões de última instância, percebe-se a tendência de “amenização” de decisões que nas instâncias inferiores são de certa forma mais garantistas. Esta é uma mera impressão ou de fato os Tribunais Superiores e até mesmo o Supremo Tribunal Federal estão tomando uma via mais oblíqua? 

O juiz singular decide sozinho e tem uma visão apenas do caso concreto que está julgando, enquanto os julgadores de segundo, terceiro e quarto grau decidem em colegiado e têm uma visão macro de todo o sistema jurídico, daí porque a jurisprudência se constrói de cima para baixo e não vice-versa, o que não significa absolutamente que o juiz esteja errado e os tribunais corretos ou que os tribunais amenizem a situação de quem quer que seja. Essa é uma construção do próprio Sistema Judiciário, razão porque para nós juízes nenhuma anomalia existe.

Em relação ao julgamento da chapa Dilma-Temer, como interpretou o resultado? Como avaliou o papel do TSE num momento tão importante para o desempenho político e governamental do país? 

Nesse julgamento foram colocadas diversas teses jurídicas e o TSE, por apertada maioria, optou por uma tese jurídica que me parece não era a preferida da mídia em geral. Aplicando a lógica do Ministro Cesar Asfor Rocha, devo dizer que o TSE foi corajoso, pois julgou contra as expectativas da mídia. A opção por uma ou outra tese jurídica não é nada anormal no ato de julgar, pelo contrário, nós juízes fazemos isso todo dia e toda hora! Agora, se houve algo mais que não as questões propriamente jurídicas, não cabe a mim como magistrado fazer ilações ou presunções que não gostaria que fossem feitas a partir das minhas decisões. Não faças com o outro o que não queres que façam contigo! Essa é uma boa política de relacionamento institucional!

Insistindo nesta tese da obliquidade, até que ponto é positiva a indicação política de ministros para a última instância?  

Temos um acirrado debate na nossa Associação Nacional sobre a inconveniência das indicações políticas para os Tribunais. Minha visão a respeito é que se houvesse republicanismo, ética e principalmente “vergonha na cara” por parte de quem indica esses magistrados para os Tribunais não haveria nenhum problema. Portanto, o problema não está na indicação política e sim nos critérios utilizados para tais indicações. Na verdade, na verdade, a investidura nos tribunais pela via da indicação política é tão legítima, constitucional e legal quanto a investidura por concurso público. Para resumir tal questão, devo lembrar que o Ministro Hermann Benjamin não é magistrado de carreira, acessou o STJ e, via de consequência, hoje e integra o TSE por indicação política. Deixemos as paixões de lado quando o assunto é do interesse de toda a sociedade! Alguém hoje colocaria em dúvida que a indicação de Hermann Benjamin foi acertada?!!

Somos testemunhas de que o sistema atual não deu e não dará certo, seja com um governo de esquerda, de direita ou de centro.

Em relação ao Novo Código de Processo Civil, uma das propostas do diploma é a celeridade processual e vedação às intermináveis protelações, que era a estratégia usual da defesa. Esse objetivo vem sendo alcançado?  

O Direito não é uma ciência exata. As reações e as alternativas dos operadores do Direito podem mudar diante de uma nova Lei, causando rapidez ou morosidade no andamento processual. O Novo CPC ainda é uma Lei recente e os diagnósticos sobre seus avanços contra a nefasta morosidade processual ainda estão em fase embrionária, não se podendo dar uma resposta conclusiva a essa indagação. Para além do Novo CPC existem inúmeras outras variáveis que interferem com mais ou menos representatividade no fenômeno da morosidade processual, parta ficar apernas em duas cito a cultura da litigio enraizada nas mentes dos operadores do Direito desde os bancos da faculdade e a sobrecarga desumana que esse excesso de processos impõe aos magistrados brasileiros. Lei não muda sociedade, é a sociedade que muda a Lei.

Em nome da defesa dos interesses dos operadores do Direito, e também pela Justiça, criou-se a FRENTAS, da qual a AMAM faz parte. Quais são as principais ações da FRENTAS e quais resultados pretendidos com essa união? 

A Frentas tem por objetivo a defesa das instituições Magistratura e Ministério Público, fazendo frente às pressões políticas pela adoção de medidas “castradoras” e intimidadoras do livre e independente exercício de tais funções públicas. Nosso objetivo é impedir que razões não republicanas levem aprovação de Leis ou outras medidas que impeçam o Ministério Público e a Magistratura de seguir em frente na sua cruzada de combate à corrupção e na construção de um Brasil melhor.

Em relação às reformas em decurso no Congresso Nacionais - Previdenciária, Trabalhista e Tributária - qual é o posicionamento do senhor?  

Todas as reformas são e serão necessárias, mais cedo ou mais tarde, inclusive a reforma política que considero a “mãe de todas as reformas”. Somos testemunhas de que o sistema atual não deu e não dará certo, seja com um governo de esquerda, de direita ou de centro. Para isso existe, à luz da razão, um amplo cabedal de irrefutáveis argumentos políticos, sociais e econômicos. Resta decidirmos como e quando fazê-las, com a certeza que quanto mais demorar maior será o preço que toda a sociedade vai pagar pela falta ou demora em tais reformas. Se os americanos costumam dizer que “não existe almoço grátis”, eu poderia acrescentar que também não é justo que somente alguns paguem por esse almoço, principalmente os mais desvalidos. Tenho dito que a cobrança da Contribuição de Melhorias pelo Estado de Mato Grosso, no mínimo em razão dos asfaltamentos de rodovias estaduais, seria uma boa alternativa para levar mais recursos para a Saúde e Segurança Pública e até para reforçar o caixa da previdência estadual, mas isso geraria descontentamento dos proprietários de terra que tivessem que pagar pela valorização de suas propriedades. Entre esse descontentamento dos donos da terra e do capital e a opção de cobrar ICMS em alíquota igualitária do trabalhador assalariado e dos mais abastados o Estado Brasileiro tem ficado ao longo da história com a segunda alternativa. Por isso que quando se fala em reforma tributária, por exemplo, o trabalhador já fica igual a cachorro mordido de cobra que vê uma linguiça!

A Justiça sofre ameaças em detrimento dos interesses políticos? A separação dos Poderes continua nítida ou se vive uma tentativa velada de sublimação da verdade pelo "jeitinho brasileiro"?  

Não vislumbro que haja, ao menos até então, alguma ingerência dos poderes legislativo e executivo no poder judiciário. A independência e harmonia entre os poderes não significa necessariamente apenas beijos, podem as vezes haver tapas também. Isso da divergência, das disputas e dos aparentes desencontros de interesses é da essência das instituições democráticas, o que não significa que haja risco ou ameaças à separação e independência dos poderes. Quem estiver apregoando isso no Brasil neste momento estará com motivos não republicanos! 

O que precisa ser feito para que a população volte a acreditar na classe política, que ora está com a imagem mais que desgastada?

Uma ampla reforma política é necessária e urgente, mas o problema é que nossa classe política insiste em manter os anéis quando a qualquer momento poderão perder irremediavelmente também os dedos. O voto distrital passou da hora de ser adotado, a vedação à proliferação de partidos políticos também deve ser adotada, a adoção de critérios mais rigorosos para se permitir que determinado Cidadão possa se candidatar a cargo eletivo, como por exemplo o impedimento de alguém que tenha processo criminal ou de improbidade em andamento, pois o político a meu ver deve ser “como a mulher de césar” e para isso tem que se pagar um preço. O problema é que o preço está sendo cobrado pela sociedade em geral, mas os políticos não querem pagá-lo. Quando acordarem poderá ser tarde demais! Não sou contra a reeleição porque o que é bom deve se manter por mais um tempo pelo menos, mas acredito que se deveria estabelecer uns limites de mandatos para o legislativo, para se evitar a criação do político profissional, o que ao longo do tempo manteria uma permanente aeração nos legislativos federal, estadual e municipal, impedindo a perpetuação de práticas não republicanas como forma de se manter no cargo eletivo ad eternum. Devo dizer que a generalização não faz bem ao País e às instituições republicanas. Temos bons políticos sim e em nome desses bons políticos, sejam a maioria ou a minoria, ou mesmo se fosse apenas um, devemos dar sempre crédito à classe política, pois sem a política não haveria república e muito menos democracia. Devemos julgar os maus com base nos bons e não o contrário, ou seja, tirar a maçã podre do cesto e não jogar as boas fora e manter as podres no cesto. Para concluir apenas gostaria de lembrar do diálogo entre Abraão e o Anjo do Senhor que veio lhe comunicar a destruição de Sodoma e Gomorra. O Patriarca indagou o Anjo que se houvesse 100 homens justos nas duas cidades, ainda assim o Senhor as destruiria? E o Anjo lhe respondeu que por amor dos 100 justos pouparia todos os ímpios. Abraão seguiu indagando o Anjo com um número cada vez menor de justos e a resposta do Anjo sempre que por amor dos justos Deus pouparia todos os ímpios das duas cidades, até que chegou Abraão a indagar se apenas um único justo houvesse nas duas cidades, e o Anjo disse que por amor de um único justo o Senhor Deus pouparia todos os ímpios das duas cidade e não as destruiria.  E assim Abraão salvou seu sobrinho Ló, que morava em Sodoma. Não acho que devamos inverter a lógica Divina no trato com nossos políticos, devemos sim a qualquer custo valorizar os políticos bons e honestos acima dos ruins e desonestos, mesmo que tenhamos por algum momento que poupar estes. Essa minha visão enquanto Cidadão! 




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