• Cuiabá, 28 de Março - 00:00:00

?Hospitais filantrópicos estão financiando indiretamente o SUS. Cansamos de promessas?, assevera Marcelo Sandrin


Vinícius Bruno ? Especial para o FocoCidade

Os hospitais filantrópicos vivem verdadeiro cenário de guerra. Na última semana, ficou evidente a precariedade do serviço ao vir à tona entrevista do diretor do Hospital Regional de Sorriso (distante 398 km de Cuiabá), Roberto Satoshi Yoshida, que chorou ao revelar a realidade precária da unidade. Os demais hospitais filantrópicos do Estado também vivem situação crítica.

Em Cuiabá, o Hospital Filantrópico Santa Helena também vive momentos de aflição quando o assunto é condições financeiras para atender o crescente aumento de demanda. A crise econômica tem contribuído para que mais gente procure pelo serviço público, já que muitos desempregados perderam assistência médica particular nos últimos anos, conforme aponta o diretor do hospital, médico Marcelo Sandrin.

Nesta entrevista, Sandrin revela que a partir desta semana a unidade vai passar a fazer racionamento de alimentos, insumos e recursos, já que não tem condições de continuar o atendimento integral de todos os pacientes que chegam ao hospital, direcionando o atendimento à urgência e emergência.

Em 50 anos de existência, o Santa Helena é um dos principais hospitais filantrópicos de Mato Grosso e tem uma despesa mensal em torno de R$ 3 milhões, recurso que é bancado pelos governos Federal, Estadual e Municipal, assim como a pequena parcela de atendimento particular, também prestado pela unidade.

Sandrin desabafa que está cansado de promessas e que é hora dos poderes públicos, responsáveis pela prestação do direito constitucional da saúde, reverem conceitos, caso contrário a saúde pública continuará assemelhada a uma trincheira de guerra, onde médicos, enfermeiros, técnicos e administradores de hospitais estão fazendo o impossível para honrar a garantia de sobrevivência aos milhares de sucumbentes, cuja única oportunidade de atendimento médico é no serviço público ou filantrópico.

Confira a entrevista na íntegra:

 

Qual é a situação da saúde financeira dos hospitais filantrópicos hoje?

Muito grave pois com mais de 10 anos sendo remunerado com uma tabela sem correção é muito difícil manter o equilíbrio e a qualidade necessária para uma boa execução da Medicina. Apesar de constitucional, o SUS – Sistema Único de Saúde - não tem recursos claramente definidos e, apesar do discurso perene, sem orçamento ordenado e pagamento regular os hospitais estão indo à falência.

Como está o Hospital Santa Helena neste contexto de crise? 

Como sempre carente de recursos, mas batalhando e cumprindo sua missão. O Santa Helena vai completar 50 anos no final de 2017, se Deus permitir e se tivermos a regularização de repasses-pagamentos, temos a necessidade de ampliar os serviços ofertados à população e ampliar o número de leitos que muito fazem falta ao nosso povo.

Sem pagamento adequado e com fluxo continuo é difícil você prover as imensas necessidades de uma população que já se desespera. 

 

Qual é o valor das despesas do Santa Helena por mês?

As despesas são de aproximadamente R$ 3 milhões/mês, sendo que a maioria dos recursos provêm do Governo Federal, Estadual e Municipal para o pagamento do SUS, e de incentivos destas mesmas fontes. Contamos ainda com a clientela de convênios e pequena parcela de pacientes privados.

O fechamento de hospitais no interior do Estado pode trazer quais cenários para os hospitais em Cuiabá?

O fechamento de hospitais em série no Brasil é uma tragédia. Construir prédios é fácil, difícil é manter os hospitais em funcionamento perene sem sobressaltos. O fechamento de hospitais no interior é lamentável. Independentemente de ser público, filantrópico ou privado. Hospitais são bens de muito valor para a sociedade, para a população, e após a inativação é muito difícil a reabertura, pois o hospital só funciona graças à equipes, que paralisadas sofrem um processo de dissolução, e mesmo reativado, o desânimo e a garra destes profissionais são indelevelmente comprometidas. Assistimos em Cuiabá o fechamento nos últimos 20 anos de pelo menos 10 instituições, reativação de poucas, sem esboçarmos nenhuma atitude de preservação.

Precisamos rever conceitos. São mais de 20 anos insistindo no que nunca funcionou a contento.

Quais recursos estão em atraso? Há quanto tempo? E quais são as desculpas dadas pelos poderes públicos?

Principalmente os oriundos do Estado, referentes a UTI, obstetrícia, cardiologia, e pactuação acertada pós auditoria de comum acordo, do deficit mensal dos filantrópicos, crônico das contas SUS. Atrasos históricos que se arrastam por anos a fio sem solução mas com muitas promessas. Quantos às causas são um mistério, devendo ser a meu ver alvo de questionamento às autoridades constituídas.

O senhor já tinha vivido momento tão caótico como agora?

Sempre nestes 35 anos de administração do Hospital Beneficente Santa Helena, as entidades filantrópicas vivem com dificuldades. Mas a conjunção de múltiplos fatores, grave crise econômica, desemprego maciço, convulsão política institucional, realmente nos estão levando a um horizonte sombrio.  Sem pagamento adequado e com fluxo continuo é difícil você prover as imensas necessidades de uma população que já se desespera. Em São Paulo temos a cada dia a inclusão de 2.000 pessoas como usuários do SUS, por terem perdido convênios e não terem como pagar as despesas. Em um ano a grande São Paul terá um Mato Grosso de pessoas a mais para cuidar pelo SUS.

A conjunção de múltiplos fatores nos estão levando a um horizonte sombrio.

 

O senhor chegou a afirmar na Câmara Municipal de Cuiabá que está emprestando dinheiro para o SUS? Como isso está acontecendo?

Todos o filantrópicos têm um passivo e dívidas contínuas e importantes, pois para manter o atendimento frente a baixa remuneração e os atrasos, e acreditando na solução destes deficits pelas autoridades, nós pagamos juros extorsivos para manter as portas abertas. Hoje não temos mais crédito e os juros são impraticáveis. Indiretamente financiamos o SUS.

Se a situação de falta de compromisso do poder público com a saúde continuar do jeito que está, quando vamos ter um colapso?

O termo falta de compromisso é forte. Achamos ser talvez problemas de planejamento, inexperiências em gestão hospitalar, vivência  e óbvio a não clara definição de fontes de recursos. A Educação tem sua fonte, a Segurança idem, a Saúde é uma exceção negativa e perigosa. Pessoas estão desassistidas e em risco de vida. Não teremos como receber novos pacientes possivelmente ao início da próxima semana, resguardando nossos estoques de medicação, alimentos e insumos para urgências e emergências.

O que o senhor avalia que falta para que exista uma saúde pública de qualidade para população?

Falta a nosso ver uma reavaliação de um sonho que é bonito mas inexequível. Temos de eliminar a política da saúde, nos ater a política de Saúde, eliminado o grande entrave: a ideologia impregnada. Falta um clique pragmático que garanta ao povo uma saúde mais simples e menos onerosa, mais eficaz e capaz de ser oferecida. Não é possível assistirmos as notícias de pagamento obrigatório pelo SUS até no exterior, muita das vezes de exóticas terapias, muitas experimentais, e realizadas em pacientes também muitas das vezes fora de possibilidades terapêuticas. Somos um pais de terceiro mundo que se arroga capaz de dar saúde de graça. Em quanto que muitos dos países ricos dão à população condições sanitárias excelentes, prevenção ativa, nutrição. Precisamos rever conceitos. São mais de 20 anos insistindo no que nunca funcionou a contento.




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