• Cuiabá, 28 de Março - 00:00:00

Primeiro prende, depois denuncia?

Alguns juízes deveriam voltar-se para a literatura, não só jurídica, como de Rui Barbosa, sobre o cárcere, a liberdade e os habeas corpus, e, sim, também geral, lendo "O Alienista" de Machado de Assis, para refletir mais e melhor sobre a adoção das excepcionais prisões cautelares como regra no interregno da sensível fase inquisitiva.

Não é segredo para ninguém do ramo do Direito que o artigo 312 do Código de Processo Penal hodiernamente foi deturpado e banalizado -, ante a conversão da natureza cautelar das prisões temporárias e preventivas - para garantia da ordem pública e econômica, incolumidade da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal -, em antecipatória de mérito e instrumento atípico de forjamento de provas, antes mesmo do eventual oferecimento da denúncia e do incerto recebimento dela, tampouco da condenação criminal dos ainda sequer indiciados.

Assim sendo, diferente do que alguns alegam, não se trata de uma releitura do garantismo penal; trata-se da negação dele e da fomentação do direito penal do inimigo e do populismo penal. Nada menos eficiente, efetivo e eficaz do que essa visão estreita e reducionista da realidade. Costuma ser hipócrita ela e ter efeitos colaterais piores do que a doença "tratada".

Sou favorável à prevenção e ao combate à corrupção. Aliás, a grosso modo, todos somos. Só não é quem se beneficia dela.

Entretanto, a luta contra a corrupção deve se dar de acordo com os parâmetros constitucionais - do devido processo legal, contraditório e ampla defesa -, para não se perder a chance de ver feita justiça ao final. Porquanto, caso contrário, todo o trabalho pode ser fulminado por nulidades irremediáveis.

Os moradores das periferias do Brasil afora, sentem na pele o resultado deletério dessa versão medieval da política criminal represtinada nos dias de hoje, mediante invasões domiciliares sem mandados judiciais, revistas vexatórias, tortura, e, não raras vezes, execuções sumárias, por milícias, e o domínio do território, pelo complexo e lucrativo mundo do tráfico de drogas.

Temos hoje uma das maiores populações carcerárias do planeta Terra, bem como um crime organizado, dentro e fora de Brasília/DF, de dar inveja as seculares máfias do "Mundo Velho". Nunca se prendeu tanto no Brasil, no mesmo compasso em que não se teve índices de criminalidade e corrupção tão alarmantes.

Será esse o caminho?

Existem meios mais adequados e eficazes do que o direito penal do inimigo e populismo penal, a exemplo do uso da inteligência e da criação de redes e sistemas para evitar a malversação dos recursos públicos ou reaver àqueles que supostamente foram desviados, ao revés do excesso de força para fazer espetáculo e saciar os instintos mais primitivos do ser humano, sem resultados satisfatórios de médio e longo prazo.

Outro problema grave aferido no festival contemporâneo de prisões e conduções coercitivas é o tratamento diferenciado dado para determinados grupos políticos, sendo ele rigoroso para alguns, enquanto benevolente para outros. Isso põe não só as decisões sob suspeição, como coloca em cheque até as intenções do coração.

Justiça arbitrária e seletiva é injustiça qualificada, tão prejudicial ao tecido social quanto os supostos crimes alheios ditos como enfrentados por ela. Só se faz justiça com o equilíbrio e a equidade da balança que não permite o abuso de poder e de autoridade, assim como com a impessoalidade e imparcialidade das vendas nos olhos para não distinguir os amigos dos inimigos.

A melhor política criminal é a justiça social e a conscientização política da população, sem distinção pela cor dos olhos e manipulação de informações e versões, bem como sem justiça arbitrária e seletiva.

Paulo Lemos é advogado em Mato Grosso.
(paulolemosadvocacia@gmail.com)



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