• Cuiabá, 28 de Março - 00:00:00

À beira de um ataque de nervos

Qualquer governo precisa de apoio popular. Além do voto, um governo se sustenta com base em vários segmentos: agronegócio, indústria, comércio, cultura, esporte, sindicatos e, claro, o suporte político que representa diretamente o eleitor.

O governo Pedro Taques, mais do que qualquer outro, precisa de apoio. Isso, por algumas razões evidentes: não se trata de político tradicional com staff previamente montado, não conta com ramificação político-partidária em todo o Estado, sucedeu um governo desacreditado pelos escândalos que ultimaram prisões, bloqueios de bens e outras medidas inéditas contra ex-gestores, enfrenta a maior crise financeira de Mato Grosso, demandando enorme paciência dos servidores públicos. Ocorre que, para haver transformação verdadeira, um enorme esforço de consenso, de diálogo e, sobretudo, de humildade deve ser realizado.

Lamentavelmente, o governador Pedro Taques não é auxiliado por sua equipe com a humildade que o momento exige. Recentemente, um grupo de produtores culturais reuniu-se para tratar da formação do Conselho Estadual de Cultura, encontro mais do que natural.

O jornal Diário de Cuiabá, sempre atento aos movimentos artísticos em geral, foi cobrir através do jornalista e escritor João Bosquo Cartola. Publicada a reportagem na qual trata da preocupação legítima do setor cultural, um simpatizante do atual Secretário de Estado fez um comentário infeliz que passo a reproduzir: “pela matéria, não entendi o que os colegas querem, apenas que estão à beira de um ataque de nervos”. E encerrou a colocação com uma recomendação à classe artística: “recomendo caldo de galinha, já que a pescaria ainda está no período de piracema”. Não vou me dar ao trabalho de traduzir todas as mensagens subliminares – deixarei a cada leitor a missão de interpretá-lo. Faltou “desenhar” para ver se a classe entende...


O Governador Pedro Taques foi muito feliz em manter a Secretaria Estadual de Cultura. Ouvindo o setor produtivo que gera divisas para Mato Grosso, teve a sensibilidade política de não só manter, como desatrelar do Esporte e Lazer, uma reivindicação nacional da categoria artística. Temos uma cultura multifacetada num Estado continental, cuja riqueza está na variedade da dança, da pintura, da música, da literatura, do cinema etc. Taques também acertou ao escolher o maestro Leandro Carvalho, alguém sem vinculação partidária, para conduzir a pasta.

Portador de um ótimo curriculum, o maestro tinha como missão a formação de um novo Conselho Estadual de Cultura, a organização do Fundo de Cultura e a estruturação da legislação específica, além de promover uma auditoria no que, até então, estava em andamento. Leandro fez muita coisa, sobretudo fortaleceu a Orquestra de Mato Grosso com 1 milhão e seiscentos mil reais por ano. Além disso, lançou o prêmio Mato Grosso de Literatura (tímidos 200 mil de incentivo), contemplando 10 autores, o programa Vem pra Arena, reabriu o Cine Teatro Cuiabá, instituiu o Circula Mato Grosso, recentemente fomentou o cinema com 4.5 milhões de reais, sustentou e reformou museus, entre outras atividades dignas de nota.

Ainda assim, o modelo adotado para tratar da cultura não é humanizado. Deu-se, de fato, uma transformação: os projetos são encaminhados virtualmente, julgados virtualmente, contemplados virtualmente, sem que os produtores, autores, artistas saibam quem os avaliou.

Cabe aqui uma observação fundamental: o trato artístico nem sempre cabe no modelo burocrático de licitações convencionais. Tratar um artista como se fosse um empreiteiro ou um prestador de serviço é de uma insensibilidade brutal. É elementar para a transparência saber exatamente quem compõe as comissões de avaliações de projetos e quais critérios são utilizados. Justamente para isso é que o lapso de 2 anos sem o Conselho Estadual de Cultura é imperdoável. O contato humano, direto, sem intermediários é essencial para que o Governador Taques leve adiante alguma política pública contínua com o parco orçamento anual de 53 milhões, o menor das pastas administrativas de Mato Grosso.

É preciso cumprir uma promessa de campanha, aumentando esse patamar para 1% do orçamento estadual, inclusive.


Não há recurso nem sequer para cumprir outro compromisso do governo que é a estruturação da Biblioteca Estevão de Mendonça que continua trabalhando de forma acanhada, no mesmo lugar, recebendo um público que poderia ser multiplicado num novo espaço, conforme prometido. De outro lado, também tarda a implementação de promessa eleitoral a fim de instituir o ensino de história, geografia e literatura mato-grossense na grade curricular dos alunos do ensino público. O governo está na metade. Precisamos caminhar mais rápido, muito mais rápido, aliás.

Do jeito que está, sem um Conselho Estadual por anos, diante de chamamentos virtuais que desmobilizam a categoria, frente a avaliações sem rosto, com verbas insuficientes para outros projetos, de fato, os artistas e produtores culturais terão mesmo um ataque de nervos que, infelizmente, já se refletiu nas eleições municipais e pode se repetir nas próximas eleições estaduais. Eu acredito em Pedro Taques. Ainda acredito muito. Mas, com essa assessoria, é preciso realmente tomar muito cuidado e caldo de galinha.

Eduardo Mahon é advogado, escritor e membro da Academia Mato-Grossense de Letras.



0 Comentários



    Ainda não há comentários.